A edição do Fórum Econômico Mundial (FEM) de Davos, em 2000, proclamava o triunfo do neoliberalismo. A economia, liberada de restrições, controles, regulamentações e regras, levaria o mundo à prosperidade e resolveria todos os nossos problemas sociais.
As restrições que buscavam preservar os direitos trabalhistas, os direitos humanos, a proteção ao meio ambiente e garantir os direitos dos consumidores eram consideradas obstáculos ao desenvolvimento econômico e ao progresso. A presença de ditadores em Davos, recebidos com todas as honras, dava respaldo aos que acreditaram que a democracia, com suas regras, dificultava as ações daqueles que queriam a total liberdade de mercado.
Extremamente incomodado ao assistir pela mídia a esse discurso e às louvações ao neoliberalismo, tive a ideia da criação do Fórum Social Mundial (FSM). Era necessário criar um contraponto e se opor ao FEM, mostrar que a economia precisa estar a serviço do progresso social. Que os direitos humanos, a preservação do meio ambiente e a democracia são valores fundamentais para o processo civilizatório, para a vida no planeta, para o bem-estar de todos —e não apenas de alguns. Que o mercado livre, sem regras e limites, significa promover a lei da selva onde o mais forte se torna mais forte e o mais fraco se torna mais fraco —ou desaparece. O que resulta no aumento brutal das desigualdades.
Ao examinar os indicadores de desigualdade no mundo, onde o 1% mais rico concentra a mesma riqueza que os outros 99%, a pergunta que sempre me fiz era: como é possível que tão poucos dominem tantos? Como aceitar tamanha desigualdade? Uma das causas está no fato de que uma boa parte da população se deixou convencer de que não haveria alternativas, outras escolhas; e, por outro lado, a fragmentação da sociedade civil, que teria dificuldade de se articular, de se juntar, para adquirir força política e social, para promover mudanças e influenciar políticas públicas.
O FSM seria um processo protagonizado pelas organizações sociais que visibilizasse propostas e iniciativas concretas para o progresso social, mostrando que um outro mundo é possível, e facilitaria conexões, alianças e parcerias entre organizações e lideranças sociais.
Várias pessoas e organizações abraçaram a ideia e, em janeiro de 2001, foi lançado o FSM em Porto Alegre. A partir de 2004, o FSM ganhou o mundo. Inúmeros fóruns mundiais, regionais, nacionais, locais e temáticos se espalharam por todos os continentes. Para festejar seus 20 anos, o FSM, que começou no dia 23 e vai até 30 de janeiro, será virtual por causa da pandemia.
Acumulamos derrotas e vitórias. As desigualdades continuam enormes, e prossegue a devastação ambiental. Alguns países importantes elegeram governos que negam todos os valores da democracia, direitos humanos e sustentabilidade ambiental. Governos progressistas implementaram importantes políticas sociais, mas alguns se renderam à lógica do mercado e às tentações do poder. Várias redes e alianças se formaram em níveis local e global. Movimentos importantes ganharam potência e escala: feminista, antirracista, indigenista, ambientalista, dos direitos humanos, pela valorização da diversidade, pela redução das desigualdades, pela promoção da democracia participativa. Foram obtidos avanços importantes em legislações, políticas públicas, normas jurídicas e tratados internacionais.
Acabou a ideia de que o neoliberalismo é o caminho único, de que não há alternativa. A mensagem “um outro mundo é possível” ganhou corações e mentes.
O FSM só conseguiu se concretizar graças a milhares de militantes e organizações que acreditaram na ideia e se empenharam em realizar, há 20 anos, o primeiro fórum e que organizaram e participaram de todos os encontros seguintes. E que, principalmente, continuam lutando por um mundo melhor. A essas instituições e pessoas, rendo minhas homenagens.
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