Pluralidade de pensamento é ótimo, mas é também dever do cristão procurar a Verdade com V maiúsculo
Caro professor Benedito,
Confesso que fiquei preocupado com sua nomeação para a presidência da Capes, um dos principais órgãos de fomento à ciência no Brasil.
E não foi por causa da sua posição como homem de fé. Nesse ponto, gostaria de acreditar que o senhor e eu temos muito em comum, como evangélico e católico, respectivamente. (Foi-se o tempo em que papistas e calvinistas cortavam as gargantas uns dos outros por causa de questiúnculas teológicas, graças a Deus –embora haja gente por aí que adoraria ver esses dias retornarem.)
O que me preocupa mesmo são duas outras coisas: seu histórico de defesa do chamado Design Inteligente —um criacionismo repaginado— como alternativa à teoria da evolução e, o que me soou pior ainda, o tom do texto publicado no site da Capes assim que o senhor assumiu suas novas atribuições, sob muitas críticas.
O texto fala, em seu nome, da importância da “pluralidade de pensamento” e da “liberdade de cátedra”. Quem poderia ser contra essas coisas, não é mesmo? Dizem, porém, que o Diabo mora nos detalhes –ou, nesse caso, no subtexto do que está sendo dito.
Pluralidade de pensamento é ótimo, mas é também dever do cristão (e de todo ser humano) procurar a Verdade com V maiúsculo. E isso me leva a Galileu Galilei (1564-1642).
O sábio italiano, em seu diálogo (e, mais tarde, confronto) com as autoridades religiosas, refinou a metáfora medieval dos dois grandes Livros que nos guiam –as Escrituras, de um lado, e o Livro da Natureza, de outro. A premissa por trás dessa ideia é que Deus não é mentiroso (nisso decerto concordamos, mais uma vez), nem é mentirosa a nossa razão quando buscamos ler ambos os livros de coração aberto.
Portanto, se os Livros parecem estar se opondo, o problema não está neles, mas na incapacidade humana de interpretá-los. Bem, os últimos séculos de trabalho científico cuidadoso e abnegado, realizado tanto por homens de fé quanto por não crentes, mostraram duas coisas:
1)Os relatos das Escrituras sobre a criação do Universo e dos seres vivos não são manuais precisos de cosmologia, geologia e biologia (até porque se contradizem), mas foram compostos para explicar o significado da relação do Cosmos e do homem com Deus para o povo de Israel;
2)A seleção natural e outros mecanismos explicam de modo convincente como as formas de vida surgiram e se diversificaram por meio de leis naturais;
3)É perfeitamente possível crer que tais leis derivam, em última instância, do Deus que os antigos israelitas adoravam como Criador. Mas essa hipótese não é passível de teste empírico: o que nossos sentidos e nossa razão podem observar são as leis naturais. E elas não exigem um Deus “engenheiro”, que teria precisado enfiar porcas e parafusos na dupla hélice do DNA para que ela funcionasse.
É seu direito acreditar no que quiser, professor. Mas a defesa do neocriacionismo parece trair certa incapacidade de seguir as evidências aonde quer que elas levem —vale dizer, de crer na veracidade do Livro da Natureza.
O que me perturba é que outros evangélicos alçados a posições de comando pelo atual governo parecem manifestar o mesmo problema. O Livro da Natureza costuma ser implacável com quem se recusa a lê-lo. Vêm-me à cabeça as palavras terríveis de Estevão diante da multidão em Jerusalém: agir assim é coisa de “homens de dura cerviz, incircuncisos de coração e de ouvidos”. E isso há de lhes ser cobrado.
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