quinta-feira, 6 de fevereiro de 2020

PEDRO DORIA O emprego e o Uber, Link OESP

Já perguntou para um motorista de Uber quantas horas ele tem de trabalhar para fazer R$ 3 mil por mês? É um salário que, numa grande cidade brasileira, deixa a família na Classe B. Mas um casal com filho teria dificuldades para bancar aluguel, escola particular e plano de saúde com esta renda. Na quarta-feira, o Tribunal Superior do Trabalho definiu que dirigir Uber não cria vínculo empregatício. Pode ser — e a questão não tem nada de trivial. Mas este problema não está sequer próximo de terminar.
O caso analisado foi o de um motorista paulistano que havia trabalhado com o aplicativo durante quase um ano, entre 2015 e 2016. Ele perdeu na primeira instância mas ganhou no Tribunal Regional da 2ª Região. Lá, os desembargadores argumentaram que havia indícios que poderiam caracterizar vínculo empregatício: habitualidade e subordinação, por exemplo. No TST foi diferente. O ministro relator, Breno Medeiros, sugeriu que como o motorista pode desligar o app e não trabalhar sempre que desejar, então não é a mesma coisa que um emprego formal. Ainda cabe recurso ao STF, e pode demorar.
Esta não é a questão. O problema, de fato, é outro. E não do Uber, do iFood, da Cabify, do 99, da Loggi ou da Rappi. O problema não é culpa de ninguém e, no entanto, existe. Não foi à toa que o parlamento da Califórnia, onde fica o Vale do Silício, decidiu tornar lei o vínculo empregatício entre apps e quem presta serviços através dele. É uma solução de curto prazo.
O problema, afinal, está no mundo.
A Era Industrial está acabando. É por isso que inúmeras empresas estão sofrendo crises internas pelo processo de transformação digital. Automatizam processo, cortam funcionários a rodo, e tentam sobreviver enquanto reinventam seus modelos de negócio. Muitas destas empresas vão quebrar. Outras sobreviverão menores.
A Era Digital está nascendo. Muita gente tem por volta dos 40, 50, e um conjunto de habilidades que se tornou desnecessária. Inclusive gente que vive solidamente na classe média. Suas profissões ou deixarão de existir ou exigirão um conjunto completamente distinto de habilidades. Vários vão se reciclar e começar novas carreiras. É duro, mas é o jeito. Outros não vão conseguir. Os próximos dez a vinte anos serão duros.
O resultado é que muita gente está perdendo o emprego por causa do digital e encontrar um novo, com as condições às quais nos acostumamos na última era, será cada vez mais difícil. 
Trabalhar com os apps é um quebra galho. No sufoco, quando o salário desaparece, resolve o problema imediato. Só que é precário. Dificílimo manter uma vida de classe média sem trabalhar muito mais do que as oito horas da legislação. A CLT caminha a passos largos de se tornar obsoleta e não por maldade da direita, como gostaria a esquerda. Mas porque é um registro dos anos 1930 e 40 e responde a problemas e circunstâncias que não existem mais.
O grande drama social não é mais garantir direito a greve, evitar que crianças trabalhem no chão de fábrica ou garantir ao empregado férias, carga horária digna ou licença maternidade. O grande drama social é que aqueles empregos em grandes empresas tenderão a acabar. Ainda vão existir empresas muito grandes. É só que precisarão de pouca gente.
Exigir que os apps deem algo mais a quem trabalha é tentador, e talvez até necessário por um tempo. Mas não custa lembrar. Em grande parte, estas empresas são startups que operam no vermelho, queimando o dinheiro de investidores na expectativa de montar um negócio de sucesso. Sim — até a Uber. E a solução é paliativa. Em alguns anos, tudo vai funcionar como carro robô.
Quem resolve a precariedade da vida dos que não terão emprego formal? Este é o problema.

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