Com apenas oito dias de governo Collor, policiais federais invadiram o prédio desta Folha. No governo FHC, a emenda da reeleição permitiu um segundo mandato ao próprio presidente. A possibilidade de um terceiro mandato assombrou o governo Lula, mas incomodou mais o pedido de expulsão do jornalista Larry Rohter. Já no governo Dilma, o Exército chegou a ser sondado sobre um “estado de defesa” a ser decretado nos dias que antecederam o impeachment.
A democracia, de fato, foi testada nos governos eleitos sob a Constituição de 1988. Mas nada se assemelha ao ocorrido no primeiro ano do governo Jair Bolsonaro.
Nos primeiros meses de 2019, os embates presidenciais com o Congresso remeteram à dinâmica que levou o Peru a um autogolpe em 1990 —ou à “fujimorização”, termo usado pelo próprio Jair Bolsonaro em 1993 para descrever o que entendia ser a salvação do Brasil.
Também em março de 2019, o presidente Bolsonaro mandou os quartéis celebrarem o golpe de 1964. Recuaria em seguida, mas fecharia o ano alegando que o Enem não abordou o regime militar porque “não houve ditadura no Brasil”.
Comum em autocracias, a falta de transparência despontou em gastos secretos com cartões corporativos e no sigilo decretado pelo Itamaraty à lista de convidados da posse presidencial. E, de certa forma, é o que se almeja quando um presidente da República encampa 116 ataques à imprensa em um ano.
[ x ]
Bolsonaro usa a estrutura pública contra desafetos, como quando reduz a verba da Secom destinada ao veículo de maior audiência, cancela a assinatura da Folha, ou celebra como prejuízo à mídia impressa uma medida provisória que desobriga a publicação de balanços em jornais.
Preocupa a forma como o bolsonarismo tenta politizar as forças policiais, com Olavo de Carvalho oferecendo cursos gratuitos a policiais militares, e promovendo a fritura pública das vozes mais moderadas das Forças Armadas.
Mas nada se compara ao que se arquitetou para 26 de maio de 2019. Convocada também pelos filhos do presidente, a marcha reivindicaria o fechamento do Congresso e do STF. Grupos como Vem Pra Rua, Nas Ruas e MBL recusaram o convite. Foi quando Paulo Guedes e Onyx Lorenzoni entraram em campo mudando a pauta para a defesa das reformas. O presidente, no entanto, aproveitou semana tão delicada para espalhar um texto dúbio no WhatsApp.
Ao fim de maio, os Três Poderes falavam em “pacto pelo Brasil”. Mesmo assim, o presidente iniciou o segundo semestre prometendo “lealdade absoluta” aos brasileiros sob a desculpa de que “são muito mais importantes que qualquer instituição”.
Mais adiante, propôs excludente de ilicitude em operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO) e defendeu que a Lei de Segurança Nacional existia para ser usada. Fazia referência a uma eventual libertação de Lula (que findaria ocorrendo) sob forte convulsão das ruas (o que jamais ocorreu).
Nas falas mais explícitas, blogueiros de crachá, filhos do presidente, e até mesmo o ministro da Economia simpatizavam com a possibilidade de um “novo AI-5”.
O maior susto, no entanto, veio da paródia nazista protagonizada por Roberto Alvim. Na noite do lançamento, Bolsonaro comemorou o que chamou de “secretário de Cultura de verdade”. No dia seguinte, só o demitiu após pressão das mais variadas forças políticas.
Não era um caso isolado. Em abril, o coronel Sérgio Costa publicou no Clube Militar um alerta sobre como o integralismo e “Carl Schmitt, o teórico constitucional que se colocou a serviço do Terceiro Reich” surgiam em pregações governistas.
A notícia boa é que a democracia brasileira tem sobrevivido à prova de fogo.
A ruim é o descaso diante de tantos alertas. De uma maneira geral, os arroubos autoritários são vistos como devaneios de quem não teria habilidade para atingir o objetivo.
Há poucos anos, justificativa semelhante era dada a quem temia o sucesso eleitoral dessa força política. Mas ela não só venceu, como segue favorita à reeleição.
Nenhum comentário:
Postar um comentário