Marco Antônio Carvalho, O Estado de S.Paulo
09 Agosto 2018 | 10h14
Atualizado 09 Agosto 2018 | 16h15
Atualizado 09 Agosto 2018 | 16h15
O Brasil bateu em 2017 o recorde de mortes violentas intencionais, como homicídios e latrocínios, da sua história. Foram 63.880 vítimas, o equivalente a 175 por dia ou 7 por hora. A taxa de mortes por 100 mil habitantes atingiu a marca de 30,8. Os dados foram revelados nesta quinta-feira, 9, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em São Paulo. Em 2016, o País havia registrado 61,6 mil mortes violentas. Em um ano, o crescimento da taxa foi de 2,9%.
Doze unidades da Federação apresentaram crescimento das mortes violentas no País, puxando a taxa nacional. O Rio Grande do Norte assumiu a liderança entre os Estados mais violentos, com uma taxa de 68 por 100 mil habitantes, seguido pelo Acre (63,9) e Ceará (59,1). Foi também o Ceará que viveu o maior crescimento proporcional da violência: 48,6%. As menores taxas foram constatadas em São Paulo (10,7), Santa Catarina (16,5) e Distrito Federal (18,2).
Dos 63,8 mil casos, 16.799 ocorreram nas capitais, com destaque negativo para Rio Branco, com a maior taxa (83,7), seguido por Fortaleza (77,3) e Belém (67,5). Na outra ponta, são consideradas as capitais menos violentas São Paulo, com taxa de 11,1, Campo Grande, com 13,7, e Brasília, com 18,2 mortes violentas por 100 mil habitantes.
O número total de latrocínios (roubos seguidos de morte) chegou a 2.460 casos, queda de 8,2%. As lesões corporais seguidas de morte, também computadas no índice, somaram 955 registros, alta de 12,3%. O número de estupros registrados chegou a 60 mil.
"Vivemos uma guerra aberta entre as organizações criminosas em busca de territórios e dinheiro. Isso agravou a situação de crescimento (de homicídios), como no Acre e no Rio Grande do Norte. Essa nova dinâmica do crime chega com uma camada de crueldade, com casos recorrentes de decapitação das vítimas, por exemplo", diz o diretor-presidente do Fórum, o sociólogo Renato Sérgio de Lima.
Para o sociólogo, os Estados têm de agir de forma diferente, intensificando a capacidade investigativa das polícias civis para agir com inteligência contra as finanças do crime organizado, por exemplo. "Diante dessa nova dinâmica, o Estado, em diversas esferas, se viu perdido e resolveu responder da forma que se sempre fez, com mais policiamento ostensivo militarizado. Isso está gerando resultados extremamente ruins em termos de cidadania, em gasto público, e não há o efeito esperado na redução da violência."
Para o sociólogo Rodrigo Ghiringhelli de Azevedo, professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), os números demonstram a falência da política nacional de Segurança Pública. "O Brasil hoje vive uma situação gravíssima nessa área, uma situação que se deteriora a cada ano, e essa deterioração em 2017 é bastante acentuada. Isso é fundamental porque fragiliza a nossa democracia."
O professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Rafael Alcadipani cobra uma "Lava Jato contra o crime organizado". "Por que não há uma força-tarefa contra o PCC? O crime organizado está cada vez mais atuando de forma refinada e o aparato estatal não muda. As brigas entre as facções têm relação direta com o aumento dos homicídios", diz.
Letalidade policial registra alta de 20%
Outros crimes também registraram aumento. As mortes decorrentes de ações policiais chegaram a 5,1 mil, crescimento de 20% em relação a 2016. A situação é considerada preocupante no Rio, que teve 1.127 pessoas mortas por agentes de segurança em 2017, taxa de 6,7 por 100 mil habitantes, a mais alta do País. Em São Paulo, essa quantidade chegou a 940, mas a taxa é de 2,1. Outras taxas elevadas foram constatadas no Acre (4,6), Pará (4,6) e Amapá (6,6).
Diretora-executiva do Fórum, Samira Bueno pesquisa a letalidade policial. Segundo ela, a liderança do Rio se deve a um padrão de confronto adotado pelo governo do Estado e características do armamento nas mãos de criminosos. "No Rio, o padrão é de armas pesadas, como fuzis. O tipo de armamento que circula está relacionado à violência policial. Sabendo que um fuzil circula com frequência no local, o policial não vai pensar duas vezes antes de atirar", explica.
No período, 367 policiais foram mortos no País, uma queda de 4,9%. Ainda assim, o cenário é considerado de risco para a profissão. "O policial é espremido por uma lógica que aposta no tiroteio e sucateia a investigação policial. É dada a arma na mão dele e a missão de resolver o problema, mas o agente só é efetivamente lembrado quando é morto. Aí, passa a ser tratado como heroi", diz Renato Sérgio de Lima.
No ano passado, o Brasil teve 119,4 mil armas apreendidas pelas polícias, uma variação de 0,2%. O Fórum destacou que 13,7 mil armas legais passaram para o circuito ilegal no período. Segundo a instituição, 94,9% do armamento apreendido não foi cadastrado no sistema na Polícia Federal, o que dificultaria o rastreamento da origem da arma.
Facções mataram mais de uma centena no começo de 2017
O ano de 2017 foi marcado por brigas entre facções criminosas que causaram, já no primeiro dia do ano, 56 homicídios no interior do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus. O massacre se repetiria com intensidade similar em Boa Vista, na Penitenciária Agrícola Monte Cristo, onde 33 morreram , e na Penitenciária de Alcaçuz, na Grande Natal, onde ao menos 26 foram mortos .
O contexto de confronto entre essas organizações criminosas, cujos expoentes são o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), permaneceu fora das prisões, elevando o número de assassinatos cometidos nas ruas em diversos Estados. Mais de um ano depois dos assassinatos marcados pela crueldade, com decapitações e esquartejamentos, o Estado constatou que a superlotação e as condições precárias ainda são uma realidade quase intocada nos presídios, em meio ao fortalecimento das facções e uma violência que só avança nas cidades. /COLABOROU JULIANA DIÓGENES
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