Projeto suprapartidário poderia romper bolhas e ampliar debate político
Os crimes que o genocida do Planalto comete são transparentes: cloroquina, estímulo à contaminação pública em nome da economia, desprezo pela morte de milhares de brasileiros que o governo teria a obrigação de, ao contrário, proteger.
Em situação de crise sanitária, alguém, um gabinete especial, deveria coordenar ações coletivas, mas as iniciativas ficam por conta de prefeitos e governadores, com decisões díspares, por vezes conflitantes.
Amazônia incendiada, índios perecendo, educação e cultura mandadas para o lixo, ameaças graves à democracia e à República, apoio às milícias e muito mais são atrocidades perpetradas sem disfarce.
Para o governo federal o Ministério da Saúde é tão insignificante que dois ministros sucessivos foram ejetados um atrás do outro e assumiu o posto um interino, militar ignaro em coisas da saúde. Por que dar atenção a um ministério tão irrelevante, não é mesmo? É só abrir mais covas, como no terrível verso de Mário de Andrade: “Por trás do túmulo dele / Tinha outro túmulo… igual”.
Bolsonaro não governa. Muita gente já disse: age ativando o caos que lhe é necessário para manter seus apoiadores exaltados e garantir assim uma base mínima de apoio. Ele mesmo avisou seus ministros no vídeo do conselho: “Porque se for a esquerda [eleita] eu e uma porrada de vocês aqui têm que sair do Brasil porque vão ser presos”. Essa frase é o sintoma de um receio maior: ele precisa do poder para proteção própria e de sua ninhada.
Tudo isso é patente para algumas pessoas. Outras, sem a mesma acuidade, protestam e não acreditam nas evidências. Divisão que forma as assim chamadas “bolhas”, nas quais as informações (verdadeiras ou falsas) tornam-se apenas confirmações.
Continuar escrevendo, falando, manifestando para a bolha não basta. E é aí que o sapato machuca.
Marcelo Freixo, deputado do PSOL, ao retirar-se das eleições para a Prefeitura do Rio, deu uma entrevista para O Globo. Nela, expõe uma oposição inapta. “Nós [a esquerda] nos comportamos como sempre nos comportamos: divididos e fragilizados.” Continua: “O Bolsonaro é tosco, violento e autoritário. Para derrotar o bolsonarismo é preciso mais que responder às crises que ele provoca. Tem que ir além. Temos que vencê-lo com um projeto que seja melhor que o dele. Qual é o nosso projeto?”
Lembra um exemplo expressivo: o processo de impeachment, tão procrastinado por razões factícias, e que tanta gente quer e espera. “Quantos projetos de impeachment têm na casa? Mais de 20. Por que não conseguimos construir um projeto de impeachment coletivo, sociedade civil e partidos?”
O fato é que, até agora, a oposição mostrou-se incapaz de se unir. A esquerda continua com as velhas estratégias restritas que levam à segmentação. Nada é proposto de conjunto e de mobilizador.
O youtuber Felipe Neto deu uma entrevista para o Roda Viva, na TV Cultura, em tudo digna de grande admiração. Num campo com o qual ele mantém familiaridade natural, expôs com clareza os laços entre comunicação e política no Brasil.
Por parte do governo federal, disse, a comunicação é muito eficiente. Tem toda a razão. Esse governo sabe comunicar o caos àquela base que tem necessidade dele. “Sabe inflamar”, foi a imagem eloquente de Neto.
Como o sabem também as seitas neopentecostais que tomaram conta das rádios, TVs, e agora, WhatsApp e quejandos, para inflamar, há décadas, os seus fiéis.
Neto analisa também o outro lado: “A oposição está fazendo tudo errado há muito tempo”. “Em termos de comunicação, a oposição está desunida, tem dificuldade de falar e está começando a usar agora as redes sociais.” Ignorá-las, ou subempregá-las, é desastroso.
Freixo e Neto se uniram numa live, em que suas críticas sociais e políticas foram precisas. São vozes animadoras nestes tempos de aflição. Freixo publicou, na Folha, um artigo enérgico no qual prega a unidade da esquerda, não em torno de um líder, mas de um projeto.
Um projeto comum motivador, suprapartidário, bem difundido nos meios de comunicação, com análises francas, sem argumentos provocados pelas estratégias da pequena política. Táticas inteligentes e explícitas, campanhas bem conduzidas em torno de pontos precisos, constantes e contínuas, levariam ao debate e, para além das bolhas, ao alargamento do público.
“Wishful thinking”, talvez. A unidade da oposição é urgência imperativa para sairmos do horror. No entanto, se muitos enxergam o que precisa ser feito, ninguém sabe, pelo menos até agora, como fazê-lo.