quinta-feira, 31 de maio de 2018

Ciro dá show de marketing de campanha, mas sua visão tem perna bamba, FSP

Você pode admirá-lo ou desprezá-lo, mas Ciro Gomes (PDT) deu show de marketing de campanha. No Roda Viva desta semana, enquanto o governo afundava sob o peso dos caminhoneiros, o pré-candidato que pretende liderar as forças de oposição mostrou disciplina ferrenha para apresentar-se como porta-voz da mudança. 
Cada mensagem —mesmo quando falsa ou incorreta— foi talhada com cuidado para conquistar o voto do eleitor que está “cansado disso tudo que está aí”. Se alguém descartava a possibilidade de Ciro virar um candidato formidável à Presidência em outubro, precisa pensar de novo. 
O trunfo, porém, não foi resultado de ideias e propostas de governo (que só vão aparecer para valer durante o horário eleitoral gratuito). 
Ciro saiu vitorioso da jornada no Roda Viva porque encontrou um tom que atende a uma demanda popular e, de quebra, lhe cai bem: o de candidato mais bem qualificado para restaurar a autoridade presidencial num momento em que a população se encontra atordoada pelo desgoverno de seus líderes e à mercê de forças radicais. 
Se faltam alimentos nas prateleiras dos supermercados e autoridades veem-se obrigadas a explicar por que seria impossível e indesejável o Brasil assistir a uma “intervenção militar constitucional”, Ciro achou mensagem certeira. 
Só que aí começam os problemas. A visão do pré-candidato tem perna bamba. Ciro prometeu restaurar a ordem jogando pelas velhas regras do jogo. Afirmou não ter problema algum em pular na cama com o atraso para formar sua base aliada, usando para isso os instrumentos tradicionais do presidencialismo de coalizão. 
Em sua visão, tais regras só trazem problemas quando o presidente em função não sabe usá-las direito. Nada em sua fala denotou assombro com a natureza das regras ou indicou algum tipo de ambição de modificá-las.
De quebra, Ciro fez promessas irrealistas para a economia, requentando teses econômicas que repetidas vezes levaram o país à falência e, no processo, deram força a oligarquias empresariais. Ele demonizou a “ditadura do mercado”, mas suas promessas fariam esse mercado funcionar ainda pior para a maioria dos brasileiros. 
Como os congressistas respondem às demandas do eleitor por uma economia arrumada com menor intensidade do que respondem aos pedidos de criação de privilégios por parte de grupos de interesse particularistas, a tarefa de um presidente incapaz de mexer com as regras do jogo e ansioso por aumentar o tamanho da máquina pública já nasce difícil. 
A julgar pelo Roda Viva, Ciro tem tudo para competir com força pelo Planalto. Mas sua chance de produzir ordem no processo —ao invés de desordem— é questionável.  
Matias Spektor
Ensina relações internacionais na FGV. Trabalhou para a ONU antes de completar o doutorado em Oxford.

O juiz da foto, Opinião FSP

Questionado pela defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após posar para fotografias ao lado do ex-prefeito João Doria (PSDB), o juiz Sergio Moro recorreu a um argumento questionável para reafirmar sua isenção.
Em despacho publicado na sexta (25), o magistrado comparou sua situação à do próprio Lula, apontando fotos antigas na internet em que o líder petista aparece ao lado do senador tucano Aécio Neves e do ex-ministro Geddel Vieira Lima (MDB), que hoje são investigados por suspeita de corrupção.
Moro confraternizou com Doria há duas semanas em Nova York, quando recebeu uma homenagem da Brazilian-American Chamber of Commerce e participou de evento organizado por uma associação empresarial criada pelo ex-prefeito.
Para os advogados de Lula, a presença do juiz nesses encontros põe em dúvida sua imparcialidade. Bancos, empresas e escritórios de advocacia com clientes na mira da Lava Jato ajudaram a financiar a homenagem a Moro. Doria é pré-candidato do PSDB ao governo de São Paulo nas eleições de outubro.
Com razão, o magistrado de Curitiba sustenta que o giro por Nova York não revela nada que o desabone. “Uma fotografia em evento social ou público nada significa além de que as pessoas ali presentes tiraram uma fotografia”, escreveu Moro no despacho.
Ao apontar as fotos que registram encontros de Lula com o tucano e o emedebista, o juiz observou que o primeiro fazia oposição ao seu governo e ambos são alvo de suspeitas como o petista, acrescentando que isso não significa terem sido eles aliados nem cúmplices.
A comparação sugerida por Moro não cabe porque confunde seu papel profissional com aquele desempenhado por um presidente da República durante seu mandato.
As imagens recolhidas na internet mostram Lula dialogando com líderes políticos, ou seja, exercendo atividade que é parte essencial das obrigações de todo governante numa democracia.
A participação nos eventos de Nova York, ao contrário, foi uma escolha do magistrado. Ela pode ter servido a um gosto pessoal pela exposição, ou a um desejo de reforçar o apoio da opinião pública às ações da Lava Jato, mas é difícil justificá-la como algo necessário.
Num país em que ministros do Supremo Tribunal Federal e procuradores da República opinam diariamente sobre política e outros temas, Moro até se mostra comedido. Mas seria mais prudente se evitasse os riscos que o excesso de exposição pública pode criar para sua atuação profissional.

Greve dos caminhoneiros liberou apelos à derrubada da democracia, Janio de Freitas , FSP

Greve dos caminhoneiros liberou apelos à derrubada da democracia

Conclamação por intervenção militar passou de testes tímidos para a explicitude urrada

Dois componentes da fermentação criada pelos empresários e autônomos do transporte de carga valem um destaque, o primeiro em razão do futuro, o outro, do passado. Seriam úteis, como objeto de reflexão, durante os previsíveis movimentos corporativos suscitados pela crise econômica e estimulados pela vitória absoluta dos transportadores em seu desafio ao governo. 
A situação é mesmo convidativa para as reivindicações pressionantes.
infiltração político-partidária nos caminhoneiros nada tem de anormal. É comum que esses movimentos expressem confrontos temáticos entre partidos, e militantes ajam nas ruas pela causa partidária. O que houve de grave, agora, foi a liberação dos apelos à derrubada da democracia, que ainda nem se livrou das fraldas. 
A sem-cerimônia com que a conclamação à "intervenção militar"passou dos testes tímidos, aqui e ali, à explicitude urrada, por voz e por escrito, estendeu-se no país.
É grande o risco de que o slogan não saia das ruas em ebulições no futuro próximo. A população mal informada, carente de percepção política e sugada pela crise não pode ser obstáculo à pregação do salvamento ilusório.
Mas a ideia não poderia ter nem sequer a exposição que lhe é dada agora: a Constituição pressentiu e teve o cuidado de proibir qualquer pretensão contra o regime por ela dado ao país —e apenas iniciado em 30 anos, contra os poderes tradicionais.
Os pregadores de ditadura são passíveis de investigação e processo. Não houve, porém, nenhuma "autoridade" que os incomodasse.
Nesse capítulo, resta constatar o enlace de uma notícia discreta, dias atrás, e da identificação de José da Fonseca Lopes, líder dos caminhoneiros, como filiado e ex-candidato a deputado do PSDB.
Dizia a notinha que Rodrigo Maia, ao chegar à Câmara depois de iniciado o bloqueio de estradas, foi logo cercado por um grupo de deputados do PSDB concitando-o a admitir sua posse na Presidência da República. Logo, com a derrubada de Temer. Só acaso?
De outra parte, ficou clara a inutilidade, decidida pelo comando do Exército, do decreto Garantia da Lei e da Ordem, assinado por Temer e induzido por Raul Jungmann, para o Exército confrontar os caminhoneiros e desobstruir as estradas. Adeptos da força, Temer e seus imediatos insistem na transformação do Exército em força policial. Quando muito, o comando admitiu a escolta para entregas mais urgentes.
Driblou-se a probabilidade, elevada pela exasperação dos caminhoneiros, de gravidades com consequências incontroláveis. Driblou-se, não se extinguiu.

O VERDADEIRO

primeira condenação do Supremo a um parlamentar na Lava Jato —deputado Nelson Meurer, PP do Paraná— foi incompleta. Os 13 anos e nove meses não incluíram pena pelos delatados R$ 4 milhões em dinheiro, por falta de prova. Nem a quantia por ele declarada à Justiça Eleitoral e sem prova de contrapartida sua. Problemas à vista para o pessoal de Curitiba, que sempre priorizou delação à investigação.
Nelson Meurer foi condenado por receber R$ 30 milhões, em mensalidades de R$ 300 mil, como pagamento por indicar e manter Paulo Roberto Costa como diretor da Petrobras. 
Na fase dos vazamentos feitos pela Lava Jato, esse larápio foi dado, inúmeras vezes, como amigo, escolhido e mantido por Lula. Ao chegarem a julgamento, muitos vazamentos vão se mostrar como esgotos.
Janio de Freitas
Colunista e membro do Conselho Editorial da Folha, analisa a política e a economia.