segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

Bolsonaros não existem por acaso


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À luz do bom senso mais prosaico, nenhum argumento contra a revisão da Lei da Anistia fica em pé. O mais utilizado: a lei prega o esquecimento e se aplica "aos dois lados".
A Lei da Anistia foi aprovada em plena vigência do regime militar. Só havia dois partidos autorizados a funcionar: Arena e MDB. Um terço dos senadores era biônico, indicado pelo regime na engenharia do pacote de abril de 1977. Em votação apertada, 206 a 201 votos no Congresso, os generais e o alto empresariado que os sustentava obrigaram um parlamento castrado a engolir a absolvição dos algozes. Chamar isso de acordo é abusar da estupidez alheia. O maior interesse do texto sempre foi inocentar facínoras e seus mandantes, que se deleitavam com a barbárie cometida nas câmaras de tortura.
Ah, mas os mortos vítimas dos "terroristas"? A tentativa de simetria peca por todos os lados. Nunca se pode, pelo menos do ponto de vista da democracia, colocar no mesmo plano o poder de Estado e o de seus opositores —até por serem absolutamente desiguais. Claro que isso não alivia a perda de familiares, seja de que lado for. Mas omite-se o importante: os oposicionistas daquela época foram "julgados" e presos -na melhor das hipóteses. Outros tantos simplesmente desapareceram do mapa, nos porões militares, nos combates forjados ou executados a sangue frio. Foram mais do que "punidos".
Já o batalhão de choque do regime, do Planalto à rua Tutoia, pretendeu escapar ileso com a lei 6683/79. Tenta até hoje, com a ajuda de um Supremo Tribunal Federal cujos veredictos são para lá de controversos. Nada disso esconde a hipocrisia do enredo, e a vergonha de o Brasil ser o único país do continente a avalizar práticas de torturas.
"Ah, mas isso é remexer no passado; com todo respeito aos mortos, vamos cuidar dos vivos." Ocorre que é justamente pelos vivos que se defende a punição de quem institucionalizou a tortura. Por trás das humilhações cometidas cotidianamente contra acusados nas delegacias, inocentes ou culpados, está a jurisprudência de que maus tratos fazem parte do dia a dia policial. A certeza da impunidade de quem maltrata em nome do Estado sobrevive "em nome da lei".
Pode-se até entender que muitas iniciativas políticas dependam da chamada "relação de forças". É o jogo democrático. Preocupa perceber, no entanto, que a democracia esteja sendo usada para defender a barbárie. É inaceitável, por exemplo, que chefes militares simplesmente se recusem a liberar documentos e informações sobre a violência nos quartéis. E nada acontece. Pense num ministro refratário a fornecer dados sobre tal ou qual projeto. Num país civilizado, o cidadão seria imediatamente demitido.
Aqui, não. Os militares, constitucionalmente submetidos ao poder civil no papel, pintam e bordam. Pior: a presidente da República, chefe deles, não dá um pio. O mínimo a esperar era que, diante de um relatório como o da Comissão da Verdade, a presidente repudiasse publicamente os responsáveis pelos anos de chumbo. Em nome das Forças Armadas. Isto mesmo. Militar que não gostasse teria de se submeter, ou então vestir o pijama —para dizer o mínimo.
As concessões diante de um passado abominável têm alto preço no presente e no futuro. O deputado Bolsonaro está aí para provar. Por muito menos, por se deixar fotografar de cueca, um deputado certa vez teve o seu mandato cassado. Bolsonaro idolatra o estupro, ofende colegas e faz pouco dos direitos humanos sempre que pode. Um bandido. Seus herdeiros seguem pelo mesmo caminho, clamando pela intervenção militar. Num belo dia, a história pede licença para se repetir. 
ricardo melo
Ricardo Melo, 59, é jornalista. Na Folha, foi editor de 'Opinião', editor da 'Primeira Página', editor-adjunto de 'Mundo', secretário-assistente de Redação e produtor-executivo do 'TV Folha', entre outras funções. Também foi chefe de Redação do SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), editor-chefe do 'Diário de S. Paulo', do 'Jornal da Band' e do 'Jornal da Globo'. Na juventude, foi um dos principais dirigentes do movimento estudantil 'Liberdade e Luta' ('Libelu'), de orientação trotskista.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Alckmin anuncia novos secretários da Fazenda e de Recursos Hídricos


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O governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), anunciará nesta semana os nomes dos secretários de Recursos Hídricos e Fazenda para seu novo mandato.
Em meio a uma das maiores crises hídricas de São Paulo, assumirá a pasta o presidente do Conselho Mundial de Águas e professor da USP (Universidade de São Paulo), Benedito Braga, que será anunciado nesta quinta-feira (11).
A decisão foi tomada na noite de quarta-feira (10), em reunião no Palácio dos Bandeirantes.
Alckmin informou a escolha ao atual secretário, Mauro Arce, na manhã desta quinta-feira (11), mas ainda não decidiu o seu destino no governo estadual.
A expectativa é de que ele seja deslocado para a Energia ou para a presidência da Cesp (Companhia Energética de São Paulo).
Em entrevistas, Braga sempre se posicionou contrário à adoção de um rodízio de água na Grande São Paulo e favorável à aplicação de uma sobretaxa para quem exceder acima da média o consumo de água, o que está em estudo pela administração estadual.
A mudança é a segunda feita pelo governador no comando da pasta em menos de um ano, período em que se agravou a crise hídrica em São Paulo.
Para a Fazenda, o tucano irá anunciar nesta sexta-feira (12) Renato Villela, que substituiu em 2010 o novo ministro Joaquim Levy (Fazenda) na Fazenda no Rio de Janeiro, durante o governo de Sérgio Cabral (PMDB).
O novo secretário, que já foi diretor-adjunto do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), tem bom trânsito no mercado financeiro e no mundo acadêmico.
O atual titular da pasta, Andrea Calabi, já havia anunciado que deixaria o governo estadual neste ano.
Segundo a Folha apurou, o governador chegou a convidar para a Fazenda o presidente da Febraban (Federação Brasileira de Bancos), Murilo Portugal, mas ele não aceitou.
As escolhas de nomes considerados prestigiados fazem parte de estratégia do governador para dar "status ministerial" à equipe do novo mandato, o que o cacifaria caso decida disputar a Presidência da República em 2018.

Propinoduto, por Celso Ming


CELSO MING
10 Dezembro 2014 | 21:00

A diretoria da empresa alega que não sabia de nada. Levou um gol após o outro pelo vão das pernas, mas agarra-se à explicação de que sua administração vem sendo marcada pela melhor das intenções

Para o ex-ministro Delfim Netto, a estrutura administrativa da Petrobrás é uma aberração: “É uma empresa sem alçadas. Um diretor tem plena autonomia tanto para comprar um rolo de papel higiênico quanto para negociar uma refinaria”. Foi a observação que ele fez, domingo, no programa Canal Livre, da TV Bandeirantes.
Não foi muito diferente do que afirmou terça-feira o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, quando atacou a administração “desastrosa” da petroleira e pediu a destituição imediata da atual diretoria.
Graça. Quem sabia? (Foto:Marcos de Paula/Estadão)
Graça. Quem sabia? (Foto:Marcos de Paula/Estadão)
Boa pergunta consiste em saber se a falta de alçadas e de controles internos não vem de mais longe e se, a partir de determinado momento, não foi intencional, para que a Petrobrás pudesse se prestar a ser o propinoduto multibilionário de que a sociedade brasileira agora começa a tomar conhecimento. Apenas um gerente da área de Serviços, Pedro Barusco, se comprometeu a devolver à Justiça nada menos que US$ 100 milhões por ele desviados. Essa montanha de dólares é apenas aquela que ele está em condições de devolver. Por aí dá para se ter uma certa ideia das magnitudes envolvidas.
A diretoria da empresa alega que não sabia de nada. Levou um gol após o outro pelo vão das pernas, mas agarra-se à explicação de que sua administração vem sendo marcada pela melhor das intenções. Há alguns meses, instituiu comissões internas de averiguação que também não apuraram nada. E aí já não sabemos o que é pior para o interesse público: a participação e a conivência nos desmandos ou a incapacidade de coibir não a ação de carunchos miúdos, mas a intensa e sistemática atividade predatória de esquemas organizados. Só agora é que acaba de ser criada uma diretoria de Compliance, com o objetivo de instituir controles. Então basta isso para que tudo se considere lavado e novo?
A presidente Graça Foster passou meses declarando que os atrasos e a disparada de custos da Refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, eram coisas que não se poderiam repetir na Petrobrás. Mas aparentemente não buscou as causas dessa e de outras distorções de maneira que não pudessem voltar a acontecer. Além disso, não mostrou firmeza quando saíram as primeiras denúncias sobre as lambanças da Refinaria de Pasadena. A própria presidente Dilma rasgou a minuta anódina que lhe foi envida pela direção da estatal, pela qual deveriam ser levadas a público explicações para a aprovação pelo Conselho de Administração do mau negócio realizado com a compra de Pasadena. E, em lugar da nota vaga, redigiu outra, em que responsabilizou o então diretor da Área Internacional, Nestor Cerveró, pela sonegação de informações cruciais aos membros do Conselho.
O diretor de Finanças, Almir Barbassa, no cargo desde 2005, sempre tão sensível a quaisquer imprecisões divulgadas pela imprensa que pudessem levantar questionamentos pela Comissão de Valores Mobiliários, não foi capaz de detectar nenhuma anormalidade entre as que produziram os rombos telúricos nas demonstrações contábeis da Petrobrás.
Por tudo quanto se sabe, a presidente Dilma reluta em dar um passo radical, sob o argumento de que não há indícios de envolvimento da atual diretoria nos escândalos. O problema é que a confiança está irremediavelmente quebrada. E é a partir desse fato que é preciso mudar tudo, juntar os cacos e começar de novo.
CONFIRA:
PETROLEO
Veja aqui a evolução das cotações do petróleo desde novembro.
Novo mergulho
Os preços do petróleo desabaram novamente, aos níveis mais baixos desde 2009. O tipo Brent fechou a US$64,24 por barril (queda de 3,9% em relação ao fechamento do dia anterior) e o WTI, a US$ 60,94 (queda de 4,5%).
Estoques altos
Desta vez, o motivo do tombo forte foi a divulgação do relatório do Departamento de Energia dos Estados Unidos, que revelou estoques de petróleo surpreendentemente altos.