domingo, 21 de outubro de 2012

É a inflação, não os juros - HENRIQUE MEIRELLES


FOLHA DE SP - 21/10

Fala-se muito de juros no Brasil, particularmente da Selic, a taxa básica da economia estabelecida pelo Banco Central. Ela tem estado acima dos padrões internacio-nais desde a estabilização de 1994, apesar de já ter caído bastante. E sua queda é um desejo da sociedade.

Assim, por que o Banco Central sobe os juros ao invés de só baixá-los até atingir níveis internacionais?

A experiência internacional mostra que o manejo da taxa base de juros é o instrumento de controle da inflação mais eficaz e o que gera menores distorções na economia. Quando a inflação sobe, o BC, subindo os juros, influencia a demanda, a atividade econômica e a inflação por diversos mecanismos, chamados canais de transmissão, como o crédito, o câmbio e as expectativas de inflação, entre outros.

Vamos tomar como exemplo a expectativa de inflação na sociedade. Quanto mais baixa for, menor precisa ser o juro para combatê-la. Quando a sociedade se convence de que a inflação estará na meta, os agentes econômicos tendem a reajustar seus preços em linha com a meta, e não acima dela, o que demandaria juros mais altos, com maior custo à população.

O Brasil tem história de hiperinflação e periódicas crises fiscais e cambiais. Essas são as principais razões que levaram as taxas a ficarem tão elevadas por tanto tempo. Depois de anos de hiperinflação, comerciantes, empresários e trabalhadores demandavam aumentos de salários e preços muito mais altos, mesmo com a economia já estabilizada. Para quebrar essa mecânica de inércia inflacionária, o BC teve que fixar taxas mais elevadas que em outros países.

A boa notícia é que, no momento em que o país começou a ganhar a luta contra a inflação, as expectativas de inflação começaram a cair e, por consequência, as taxas de juros também.

Por que tivemos êxito? Por vários fatores: 1) a inflação ficou na meta por muitos anos, diminuindo o risco de descontrole; 2) a situação fiscal melhorou muito, principalmente pela queda dos juros e dos custos de financiamento do Tesouro; 3) a melhora nas contas públicas reduziu a dívida pública; 4) as reservas internacionais aumentaram de forma exponencial; 5) a capacidade de exportar cresceu.

A melhor maneira de derrubar a taxa de juros de forma sustentável, sem gerar inflação à frente ou outros riscos, é assegurar à sociedade que não só o governo seguirá atuando para controlar a dívida pública, mas, principalmente, que o BC tomará as medidas necessárias para manter a inflação na meta.

Ironicamente, portanto, a melhor maneira de derrubar as taxas de juros é não se preocupar tanto com as taxas de juros, e sim com a inflação.

O STF dará o tom - DENISE ROTHENBURG




CORREIO BRAZILIENSE - 21/10


O Supremo Tribunal Federal (STF) está a poucos dias do fim do julgamento da Ação penal 470, vulgo mensalão, mas ainda ficará muito tempo dedicado a temas políticos. Se brincar, deflagrará em breve até a reforma política, tão propalada aos quatro ventos — e que nunca sai do papel. Há alguns anos tramita ali a Arguição de Preceito Fundamental 161, feita pelo PR, para tentar barrar o parágrafo segundo do artigo 109 da Lei Eleitoral. Esse artigo hoje define parte da distribuição das vagas de deputados federal e estadual, e vereadores entre os partidos.

Apenas para lembrar àqueles menos acostumados aos meandros da política, o quociente eleitoral é obtido quando se divide o número de votos válidos pela quantidade de vagas. Obviamente, “sobram” algumas dessas vagas. Essas sobras, em vez de serem distribuídas entre todos os partidos que participaram do pleito, terminam nas mãos dos maiores, que atingiram o quociente eleitoral. Isso porque a Lei Eleitoral em seu artigo 109 parágrafo segundo diz o seguinte: “Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários serão distribuídos mediante observância das seguintes regras: (…) § 2º — Só poderão concorrer à distribuição dos lugares os partidos e coligações que tiverem obtido quociente eleitoral”.

Em São Paulo, por exemplo, o quociente foi de 103.843 votos. Se um partido fizer 208 mil votos, tem direito a duas vagas na Câmara municipal. Se alcançar 210 mil, fica com as duas e ainda tem direito a ver se pega mais uma nas “sobras” da conta. O PDT, por exemplo, obteve perto de 97 mil votos, somando os de legenda e os recebidos por seus candidatos. Ainda que essa votação seja maior do que a sobra de votos de alguns partidos depois de distribuídas as vagas pelo quociente, o PDT não terá direito a uma vaga na Câmara de vereadores, ainda que tenha mais votos do que a “sobra” daqueles que já conquistaram vagas pelo quociente.

Essas “sobras”, mal ou bem, têm ampla repercussão no Congresso e nas câmaras municipais. Vejamos, por exemplo, o caso do deputado Valdemar Costa Neto (PR-SP). Ele voltou ao Congresso guindado por Tiririca. Já outros que obtiveram mais votos do que Valdemar terminaram fora. Nas câmaras de vereadores pelo país afora, essa situação se repetiu este ano.
Dentro do Congresso, há quem veja na simples revogação do parágrafo 2º, o embrião da reforma política. Pelo menos, depois de feita a distribuição das vagas pelo quociente eleitoral, as que restassem estariam acessíveis a todos os partidos e quem obteve mais votos estaria eleito. Haveria assim, na avaliação de políticos, e até de alguns ministros do STF, mais respeito à vontade do eleitor.

O relator da ADPF 161, ministro Celso de Mello, um dos decanos da Casa, dificilmente terá tempo de colocar o tema em pauta antes de se aposentar. É pena. Mas, no Congresso, onde a reforma política permanece encantada, muitos acreditam que será o Supremo, ao analisar esse dispositivo da Lei Eleitoral, o motor propulsor. E deve ser logo, enquanto 2014 ainda está longe no calendário, mas não nas articulações políticas.

Enquanto isso, nos palanques…

Nesses sete dias que restam até o segundo turno das eleições, o humor do eleitorado apresenta um equilíbrio. Nas capitais, o mesmo PT que desponta com maiores chances em São Paulo contra o PSDB de José Serra, passa aperto em Salvador contra o DEM de ACM Neto. Não por acaso, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se reuniu com o senador Aécio Neves (PSDB-MG) na última semana, levantando o Nordeste como terra promissora.

Está cada vez mais claro para os tucanos que São Paulo será terra em litígio em 2014, sem que tucanos ou petistas saiam com uma ampla vantagem. Logo, quem quiser enfrentar a disputa presidencial com alguma chance, tem que fincar bandeiras em outras praças, em especial no Nordeste. Lá, seis das nove capitais têm segundo turno no próximo domingo. Não é à toa que os petistas concentram esforços em Salvador e prometem levar Lula a João Pessoa e a Fortaleza, onde o adversário é o PSB dos irmãos Cid e Ciro Gomes. Sinal de que a batalha pela região no mercado futuro já começou, assim como o horário de verão. Não esqueça de ajustar seu relógio.

A liberdade é uma bola, no Esportes Estadão


GONÇALO JUNIOR / TEXTOS, MONICA ZARATTINI / FOTOS - O Estado de S.Paulo
O torneio de futebol da penitenciária Adriano Marrey tem duas diferenças em relação ao Campeonato Brasileiro. A primeira é a linha de tiro. Quando uma bicuda sem direção joga a bola lá, já era. Essa linha é uma faixa de quatro metros que percorre todos os muros do presídio, de fora a fora. Quem pisar ali sem autorização, leva chumbo. Para pegar a bola, é preciso pedir autorização para a torre. Mas é preciso rapidez: no início da noite, a linha de tiro é policiada também por cães.
A outra diferença está nas "arquibancadas". Como as quadras ficam no meio do pavilhão, grande parte dos 2.255 detentos do maior presídio masculino de São Paulo torce das 188 celas do complexo. Gritam atrás das grades, balançando as pernas e os braços. Por causa do barulho impressionante, os presos apelidaram as quadras de La Bombonera, uma referência ao mítico estádio do Boca Juniors. Vixe. Falta feia no jogo que está acontecendo agora. Cartão amarelo, mas poderia ser vermelho. "Aqui, não tem jeito, todo árbitro é ladrão", brinca um agente.
Cena 1. Desde o portão principal até a quadra, contei uns oito portões de ferro, todos com cadeados que bloqueiam até pensamento ruim. O acesso é feito no meio dos presos. Não senti cheiro de xixi, nem do número dois. Existem grupos de faxina responsáveis pela limpeza do pátio e das celas, principalmente nas vésperas da visita. Inúmeros varais improvisados se envergam com dezenas de peças de roupas mil vezes lavadas e que obrigam a gente a inclinar um pouco o pescoço para passar. É o de menos. O desconforto maior vem dos olhares, quase uns cutucões perguntando "o que você está fazendo aqui?". Outros são só curiosos. A desconfiança é um item de série dos detentos, não é opcional. Minha sorte é a escolta. São quatro agentes - dois na frente e dois atrás - tão carrancudos quantos os presos.
Fabiano de Oliveira Vasconcelos, que cumpre pena de 14 anos por tráfico de drogas, poderia ir ao shopping do jeito que está vestido. Blusa de moletom azul, limpo e bem passado, um tênis Nike seminovo, cabelo bem cortado, dentes brancos e alinhados. Não deu para perceber se usava perfume. Pelo visual, o único empecilho é a calça bege em tecido rústico - marca registrada dos detentos e citada pelos Racionais na música "Diário de um detento". Fabiano acerta os plurais e usa poucas gírias. Uma delas é "no automático" para dizer que uma coisa é consequência da outra.
TJD. Tirando a linha de tiro e as arquibancadas verticais, todo o restante do torneio é parecido com o nosso Brasileirão. Fabiano faz parte de um grupo chamado TJD (Tribunal de Justiça Desportiva) formado por representantes dos quatro setores (raios) do presídio. As funções são similares ao STJD do mundo livre: julgar os casos de indisciplina e definir as punições. Se um jogador fala palavrão na quadra, poderá ser suspenso por um jogo. Uma briga vale a eliminação do torneio. Em outras unidades, as equipes adotam os nomes dos clubes profissionais. Em Guarulhos, não dá para fazer isso: 90% são corintianos.
Os jogos têm mesários, árbitros e súmulas que contam o que acontece em cada partida, disputada no sistema de ida e volta, com torcida única. Os jogos têm dois tempos de 20 minutos (mais cinco de chorinho). O agente de segurança Mário Jorge Antunes é um dos responsáveis por fazer o torneio sair do papel. "Ninguém acredita que não tive problemas sérios de indisciplina nos três anos em que trabalho aqui", conta. "O segredo é não discriminar e ser justo. O preso sabe o que é certo e o que é errado".
Funcionários da penitenciária afirmam que três pilares mantêm qualquer presídio de pé: a parte jurídica, as visitas íntimas e o futebol. "Não é possível imaginar um presídio sem futebol", avalia Valdinei Freitas, diretor de Trabalho e Educação.
Em Guarulhos, a quadra é aberta pela manhã (9h às 11h) e à tarde (13h às 16h). Fora desses horários, os presos estão nas celas. "Eu me sinto livre quando jogo futebol", afirma Everaldo Lima Junior, condenado a cinco anos por tráfico de drogas.
Esse sentimento de libertação aparece em uma das melhores cenas do filme "Um sonho de liberdade" quando o personagem principal consegue uma premiação especial para os companheiros detentos: uma cervejada, no final da tarde, após a reforma do telhado da penitenciária. "O futebol liberta a mente, mas não absolve os sentenciados dos crimes. Todo mundo tem de cumprir a pena", cutuca um agente de segurança.
Cena 2. Não vejo nenhum detento usando drogas no pátio e os agentes explicam que o policiamento inibe o consumo. Nas celas, no entanto, é praticamente impossível controlar o vício, questão mal resolvida em todos os presídios do Brasil.
Do presídio, a gente não vê o horizonte. O céu encolhe e sobram uns 50 tons de cinza dos muros. Só o futebol é colorido, como um quadro em uma parede com reboco. A liberdade que ele traz dura dois tempos de 20 minutos. Mais cinco de chorinho. Ah, se eu tivesse trazido meu tênis...