quinta-feira, 13 de março de 2025

Horas de sono e cognição, Drauzio Varella, FSP

 Chegar à idade avançada em situação humilhante pode ser a derradeira surpresa da condição humana. Você e eu gostaríamos de viver o máximo possível, mas não a qualquer preço.

A faixa etária da população brasileira que mais cresce é a que está acima dos 60 anos. Hoje somos cerca de 16%; em 2050 seremos quase 30%. Entre as limitações que o envelhecimento traz, as mais temíveis são as demências.

Embora não tenhamos controle sobre a evolução de processos neurodegenerativos, sabemos que existem medidas preventivas capazes de reduzir riscos de que eles ocorram: atividade física, controle do colesterol, da glicemia, da pressão arterial e do colesterol, atividade intelectual desafiadora, cuidar da audição, da visão e das interações familiares e sociais.

Uma cena onírica. Um grande rosto azul surge na superfície da água. Sua boca entreaberta recebe uma chuva de comprimidos. Ao fundo manchas sugerem um edifício ou palácio na água. Em um pequeno barco alguém observa
Ilustração de Libero para coluna de Drauzio Varella de 13 de março de 2025 - Libero/Folhapress

Estudos publicados nos últimos anos exploraram uma possível relação entre a duração do sono, as funções cognitivas e a incidência de quadros demenciais. Os resultados, no entanto, têm sido conflitantes e contaminados por vieses metodológicos, como tamanho da amostra e duração do acompanhamento. Especialmente o impacto dos extremos de duração do sono (abaixo de quatro horas/noite e acima de dez horas/noite) na cognição nunca foi avaliado com rigor.

O Journal of the American Medical Association (Jama) publicou uma pesquisa em que os autores procuraram esclarecer essas questões a partir da avaliação das habilidades cognitivas de 28.756 adultos com mais de 45 anos. Os participantes foram submetidos a uma bateria de testes para três aspectos da cognição: memória, orientação espacial e função executiva.

O objetivo foi comparar as respostas dos que dormiam em média sete horas/noite com aqueles que dormiam menos de quatro ou mais de dez horas/noite.

Os resultados revelaram declínio cognitivo mais acentuado tanto nos homens e mulheres com horas de sono insuficientes (menos de 4 h/noite) como naqueles com sono excessivo (mais de 10 h/noite).

Colocados num gráfico, os dados formaram uma curva em forma de U invertido: numa das extremidades, os índices de cognição mais baixos apresentados pelos que dormem muito pouco. À medida que o número de horas/noite aumenta, os níveis cognitivos sobem até atingir o pico máximo na média de sete horas/noite. Daí em diante, o aumento do número de horas dormidas pode estar associado a prejuízo cognitivo. O declínio se tornou mais acentuado nos participantes que ultrapassaram o limite de dez horas/noite.

Esses resultados estão em consonância com estudos anteriores que haviam relacionado privação aguda do sono com prejuízos na codificação e na consolidação de memórias. E que a diminuição do tempo de sono, mesmo por períodos curtos, aumenta o risco de déficits de memorização. Da mesma forma, inquéritos epidemiológicos já haviam mostrado que horas excessivas de sono estão associadas a deficiências de memória.

O mecanismo para explicar a influência do sono na consolidação das memórias é complexo e mal conhecido.

Dormir nas cidades modernas se tornou quase uma habilidade circense. O barulho incessante das ruas e da vizinhança, a ansiedade gerada pelo excesso de trabalho, de compromissos e de preocupações, além das demandas de filhos pequenos e familiares idosos que dependem de ajuda, já deixavam pouco espaço para o sono reparador. Quando surgiram as telas dos celulares, invenção diabólica que invade nossas noites, passamos a viver online.

Para grande parte das pessoas, conciliar o sono se tornou um suplício tão difícil de suportar que a única saída é apelar para "um remedinho".

Embora o diminutivo remeta à lembrança do chá de erva-cidreira que a vovó tomava antes de ir para a cama, esses medicamentos são, na verdade, drogas psicoativas só indicadas por períodos curtos, porque induzem dependência química e tolerância. De um lado, não é mais possível pegar no sono de cara limpa, de outro, o organismo passa a exigir doses cada vez mais altas para obter o efeito desejado. Quando a insônia resiste ao aumento das doses, entra em ação outro "remedinho", prescrito sabe-se lá por quem.

As pesquisas clínicas que avaliaram a segurança e os efeitos colaterais associados a eles foram sempre por tempo limitado. Ninguém pode prever com rigor quais as consequências cognitivas de tomar medicamentos como os benzodiazepínicos (os campeões de vendas) todas as noites durante 20 ou 30 anos, como tanta gente o faz.


Peste, guerra, secas e a comida cara durante Lula 3, VTF FSP

 O preço da comida que se leva para casa, "alimentação no domicílio", aumentou em média 7,1% em 12 meses até fevereiro. Em novembro do ano passado, havia aumentado 8,4% em um ano. O consumidor teria notado a melhoria?

Improvável, não só por causa da variação pequena. Não apenas também porque o preço de alimentos essenciais, como ovos, acaba de aumentar 15,4% em um mês. O nível dos preços da comida e de produtos essenciais é que está alto, tendo subido muito mesmo antes de Lula 3, como se observa nestas colunas faz tempo.

Para que esse problema fique menor, é preciso que os salários ganhem a corrida do preço dos alimentos, com inflação geral mais comportada —demora. É difícil esperar queda grande do preço da comida, em tumulto global faz anos, por epidemia, guerra e desastre climático.

O presidente Luis Inácio Lula da Silva durante lançamento do Plano Safra Familiar em 2024 - Gabriela Biló - 3.jul.2024/Folhapress

E daí? Espera-se que Lula tenha isso em mente e não adote "medidas drásticas", como ameaçou. Até agora, os ministérios da Agricultura e da Fazenda têm contido ideias doidivanas. Mas sabe-se lá o que virá.

Mexer em preços, tentar achatá-los de modo artificial, dá em besteira. Por que alguém vai plantar mais, digamos, arroz, se o governo vai bulir com preços? Não vai. Mesmo medidas que não são nocivas, como zerar impostos de importação, são irrelevantes diante de problemas estruturais, agravados pela desvalorização do real (por causa dos EUA, mas piorada por bobagens do governo).

O governo pode achar também que, dada a safra recorde e preços talvez em queda, a solução agora seria fazer estoque ou adotar medida de efeito similar. Não é. A maioria dos alimentos não se presta à estocagem, que custa caro.

O país em geral não tem problema de abastecimento, é grande exportador, tem comércio externo livre (e, pois, preços livres, o que dificulta a regulação por estoques) etc. Estoque resolve problema pontual.

Por falar em arroz, o preço do grão baixou 4% em um ano. Algum alívio. Pouco. Desde o início de Lula 3, mas não por responsabilidade do governo, o arroz ficou 32% mais caro (nesse período, o salário nominal médio aumentou 19%). Nos últimos cinco anos, desde o início da epidemia, o arroz ficou 100% mais caro (o salário nominal médio aumentou 43%).

O preço médio da comida ("alimentação no domicílio") até cresceu menos do que o salário desde o início de Lula 3 (9,7% contra 19%). O ganho salarial forte e os preços comportados dos alimentos em 2023 ajudaram bem, até meados de 2024, quando a comida voltou a encarecer.

Mas a herança de peste, guerra e secas ainda é pesada. Alta média de 58,4% na comida, em cinco anos, ante alta de 43% nos salários nominais (e alta do IPCA geral de 34,8%). Alta de 55% nas carnes, de 53% no frango, de 65% em leite e derivados, de 92% no óleo de soja, de 182% no café. Altas que batem na cara e no estômago do povo miúdo.

Dá para notar que o problema é maior, antigo, persistente. Não vai melhorar com essas medidazinhas do governo, que talvez queira passar para o povo a impressão de que se preocupa.

Se colar, colou. Importante, ressalte-se, seria que os salários continuassem a crescer em ritmo mais rápido do que a inflação, como no começo do governo. Agora, temos inflação resistente e risco de que o rendimento do trabalho cresça mais devagar. O governo colhe problemas que plantou na política econômica. Que não jogue mais sal na plantação.

Deputados resistem a PT e ameaçam implodir acordo de governo com Hugo Motta por vaga em tribunal, FSP

 

Brasília

Deputados do PSDUnião Brasil e PL rejeitam apoiar um nome do PT para a vaga de ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) que será aberta com a aposentadoria do ministro Aroldo Cedraz e ameaçam implodir o acordo negociado pelo presidente da Câmara dos DeputadosHugo Motta (Republicanos-PB), com o governo Lula na época da sua eleição.

A vaga só abrirá em fevereiro de 2026, mas a disputa foi antecipada pelo pedido do PT no ano passado e agora ocorre uma reação dos demais partidos, que buscam se aproveitar do mal-estar com o Executivo no Congresso para pleitear o cargo.

Motta prometeu aos petistas ajudar a eleger alguém do partido para a função, que é vitalícia e tem salário de R$ 41,8 mil mensais e poder para decidir sobre contratos e licitações do governo. Em troca, o PT e o governo não estimularam candidaturas alternativas à presidência da Câmara e rapidamente aderiram à campanha do parlamentar, o que fez os líderes de União Brasil e PSD desistirem da disputa.

Plenário da Câmara dos Deputados durante a sessão para eleição do novo presidente da Casa, Hugo Motta (Republicanos-PB) - Pedro Ladeira -1.fev.25/Folhapress

compromisso com os petistas para o TCU foi firmado por Motta e pelo ex-presidente da Câmara Arthur Lira (PP-AL) e reforçado em reuniões recentes com deputados. O pedido deles foi de que o PT escolhesse alguém moderado, que não fosse da ala mais ideológica, para facilitar a aprovação pelo plenário, já que a maioria dos deputados é de centro-direita ou de direita.

A promessa é também de que o PT retribua o favor depois e vote num candidato escolhido por eles para outra vaga, que será aberta com a aposentadoria do ministro Augusto Nardes. Ele só sairá obrigatoriamente em outubro de 2027, quando completará 75 anos, mas há negociações para que antecipe a saída ou até para que a eleição do substituto ocorra bem antes do fim do mandato.

Parlamentares de outros partidos, no entanto, alegam não ter feito parte do acordo e trabalham nos bastidores candidaturas próprias. Já há pelo menos outros seis deputados em busca de apoio para disputar a eleição para a corte de contas.

A escolha é por voto secreto, no plenário da Câmara, e em turno único, o que dificulta o controle sobre o resultado. O eleito precisa ser referendado depois pelo Senado.

"Não tem esse acordo. E, mesmo se tiver acordo na cúpula da Câmara, a bancada do PSD não vota no candidato do PT", disse à Folha o deputado Sidney Leite (PSD-AM).

O motivo, afirmou Leite, é a insatisfação do PSD com a falta de apoio dos petistas à candidatura do líder da sigla na Câmara, o deputado Antonio Brito (PSD-BA), à presidência da Casa. Além disso, o PT levou Brito e parte dos deputados do partido para uma "sabatina" mesmo com a decisão tomada de endossar a candidatura de Motta. "Não se faz isso com um aliado", criticou.

Dois dos interessados na vaga são do PSD-RJ, os deputados Pedro Paulo e Hugo Leal. A legenda tenta um acordo para escolher o nome que a representará na eleição. "Vamos dialogar com os outros partidos e fazer uma discussão interna, mas o PSD com certeza terá um candidato", disse Leal.

Pedro Paulo afirmou que foi estimulado por parte da bancada a concorrer e que avalia a possibilidade.

"O primeiro aspecto é político: não existe compromisso de apoiar a candidatura do PT ao TCU. O segundo é que o partido tem posições sobre a agenda econômica, a agenda fiscal, a agenda de contas públicas, que têm sido marcadamente diferentes do que tem sido a agenda fiscal do PT", disse.

Outros deputados que estão se movimentando nos bastidores pela vaga, segundo interlocutores, são Danilo Forte (União Brasil-CE), Elmar Nascimento (União Brasil-BA), Soraya Santos (PL-RJ) e Hélio Lopes (PL-RJ).

Elmar queria concorrer à presidência da Câmara, mas desistiu depois de perder o apoio de Lira para Motta e de não conseguir unificar o governo em torno de sua candidatura.

À Folha ele não descartou disputar a vaga no TCU, mas afirmou que decidirá sobre isso "no momento certo" porque a eleição "envolve uma série de outros fatores" e lembrou que serão duas vagas em disputa.

Uma das interessadas na vaga era a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann (PR), que nesta segunda-feira (10) assumiu o cargo de ministra da Secretaria de Relações Institucionais, responsável pela articulação política do governo.

Deputados do centrão já tinham recomendado que ela recuasse da pretensão à corte de contas porque é muito identificada ideologicamente com a esquerda e teria resistências no plenário.

O favorito hoje no PT para disputar a cadeira no TCU é o deputado Odair Cunha (MG), ex-líder do partido na Câmara e do grupo considerado mais moderado.

Cunha selou a aliança com Motta e participou de viagens e eventos ao lado dele na campanha, de modo a também fortalecer seu nome. Procurado, não quis comentar sobre as candidaturas avulsas e disse que a eleição está longe.

O risco para os petistas é que se repita o resultado das duas vagas abertas no primeiro governo Lula que eram de indicação da Câmara. Em 2005, Augusto Nardes (então no PP-RS) venceu o deputado José Pimentel (PT-CE) por 203 votos a 137. Em 2006, Aroldo Cedraz, então no PFL, recebeu 172 votos, contra 148 de Paulo Delgado (PT-MG).

Para evitar que as derrotas se repitam, os petistas esperam que Motta e Lira cumpram o acordo e atuem para desestimular candidaturas dos outros partidos. Uma das possibilidades discutidas é antecipar a eleição para 2025, com o objetivo de afastar a disputa da polarização da eleição nacional.

O presidente da Câmara foi procurado pela Folha para tratar do tema, mas não comentou.