sábado, 23 de novembro de 2024

Ainda estamos aqui, com terrorismo militar e a direita tosca que golpeia o país, VTF FSP

 O plano de golpe dos militares bolsonaristas foi "fanfarronada", disse o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS), ex-vice de Jair Bolsonaro e general de Exército. Bravata, coisa de quem fantasia ter força. O plano "Punhal Verde Amarelo", de matar Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes seria "sem pé nem cabeça".

Mourão acertou, sem querer. Tosco é o termo benigno para descrever o grupo. Um general de Brigada, Mario Fernandes, alto funcionário do Planalto, era líder operacional do bando e de parte da malta do 8 de Janeiro. Perambulava na noite do palácio para imprimir um "plano infalível" de golpe, como gênio burocrata do mal de filme "D" (não tinha fax?). Coronéis e majores parecem semiletrados, de baixa qualificação profissional e moral, gente vulgar, boca-suja, violenta e paranoica.

Parece, portanto, o governo Bolsonaro. Tosco e daninho.

Bolsonaro e Walter Braga Netto durante evento na campanha eleitoral de 2022 - Pedro Ladeira - 5 out.24/Folhapress

Recorde-se a reunião ministerial de 22 de abril de 2020, aquela em que Bolsonaro exige que se meta a mão na polícia e na espionagem, para livrar a própria cara e a da família. São os mesmos sinais de despreparo, de perturbação psicológica, ressentimentos doentios, alguns violentos; são os mesmos modos desclassificados. Havia loucos ignaros. Por exemplo, Bolsonaro e parte de sua equipe econômica diziam que logo arrumariam R$ 1 trilhão, com o que as contas do governo e estabilidade estariam resolvidas.

Por falar em palhaçada grosseira e sinistra, houve Jânio Quadros (1961) e seu autogolpe frustrado. Houve o improviso, o cesarismo alucinado, o confisco e a roubança de Fernando Collor (1990-92), que deu calote na dívida pública, apoiado por empresários e liberais. A farsa tosca que termina em tragédia não é uma anomalia. É um padrão, um projeto recorrente.

A quadrilha do "Punhal Verde Amarelo" faz lembrar também do terrorismo militar dos anos 1950. Em fevereiro de 1956, dez dias depois da posse de Juscelino Kubitschek, o major Haroldo Veloso e o capitão José Lameirão, da FAB, roubaram um avião militar carregado de armas e tomaram cidades e vilas do sudoeste do Pará. Era a revolta de Jacareacanga. Esperavam provocar guerra civil e a derrubada de JK, que quase não tomara posse por causa da tentativa de golpe de UDN e militares, em 1955.

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Pela "governabilidade", JK anistiou os golpistas ainda em março de 1956. Veloso voltaria ao terrorismo em 1959 (revolta de Aragarças). Vários deles participaram do terror e da tortura da ditadura de 1964. Era projeto antigo. Um golpe militar depusera Getúlio Vargas em 1954, mas GV revidou com o suicídio. O fracasso golpista ficou entalado na garganta até 1964.

O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, estava a caminho do generalato. No final do governo das trevas, foi nomeado para comando de tropa importante —Lula teve de demitir o comandante do Exército a fim evitar a armação.

Cid havia sido o nó central do golpismo, além de falsário, mentiroso, muambeiro etc. Ele e colegas estudaram "intervenção militar" na escola de pós-graduação do Exército (artigo 142 da Constituição). Mais um tosco e golpista no centro do poder.

O centrão e o direitão quase inteiro do Congresso se calam sobre o golpe, em parte ocupados com emendas, eleição de Câmara e Senado e porque querem evitar a discussão de 2026. Ou falam de "toscos". Serão cúmplices de um golpismo de longa história.

Celso Rocha de Barros - Bolsonarismo perdeu eleição e tentou matar quem venceu, FSP

Polícia Federal descobriu que o golpe dos bolsonaristas em 2022 incluía um plano de assassinato de Lula, Alckmin e Alexandre de Moraes.

O plano foi elaborado pelo general Mário Fernandes, que trabalhava na Secretaria-Geral da Presidência. Segundo a PF, o plano foi impresso no Palácio do Planalto e apresentado ao Jair no Palácio da Alvorada. Dois dias antes, Bolsonaro havia apresentado a minuta do golpe aos chefes das Forças Armadas.

O plano previa o recrutamento de seis assassinos, para os quais deveriam ser providenciados seis telefones celulares novos. A polícia descobriu que, nos dias seguintes, seis militares, com celulares recém-comprados, seguiram Alexandre de Moraes. As mensagens dos golpistas mostram que o atentado foi abortado na última hora porque uma sessão do STF foi suspensa.

Isto é: não foi só planejamento. A execução começou, mas foi interrompida por motivos alheios à vontade dos criminosos.

A imagem mostra a parte superior do rosto de um homem com cabelo curto e escuro, destacado por uma luz intensa, enquanto o restante do ambiente ao redor está escuro. Ao fundo, há um símbolo circular com elementos em amarelo e verde que parecem formar uma coroa ou raios, sugerindo um design simbólico ou logotipo. As cores predominantes no fundo são verde, amarelo e branco.
Ex-presidente da República Jair Bolsonaro em evento do PL no Rio de Janeiro - Ricardo Moraes - 16.mar.24/Reuters

Era tudo parte do mesmo movimento: Bolsonaro tentava convencer os chefes militares, os kids pretos planejavam os assassinatos, políticos bolsonaristas e acampados nas portas dos quartéis tentavam criar uma onda de apoio popular ao golpe. A investigação da PF mostra que o general Fernandes, autor do plano de assassinato, era um dos principais articuladores entre o Planalto, os acampados, os caminhoneiros e a turma do agronegócio.

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Alguns analistas dizem que o golpe de Bolsonaro nunca teve chance de dar certo porque nunca contou com a rede de apoios que bancou o golpe de 64.

A diferença é mesmo notável: Bolsonaro acabara de ser derrotado nas urnas. Lula era um presidente eleito, não um vice que chegou ao poder porque o presidente renunciou. A mídia brasileira nunca apoiou Bolsonaro como apoiou os golpistas de 64. Os Estados Unidos desta vez se opuseram ao golpe.

Mas isso só quer dizer que, para o golpe bolsonarista dar certo, teria que ser muito mais violento que o de 1964.

É por isso que outras ditaduras sul-americanas foram mais violentas que a brasileira: porque enfrentaram mais oposição. Alguém duvida que Jair "não sou coveiro" Bolsonaro teria coragem de ordenar um banho de sangue?

Jango não resistiu ao golpe para evitar uma guerra civil. Jair tentou o golpe sabendo que começaria uma. Um coronel golpista citado pela PF diz claramente: "Vai dar uma guerra civil? Vai dar. Eu tenho certeza que vai dar".

De agora em diante, é isso: se você se aliar ao bolsonarismo, está se aliando aos bandidos que perderam a eleição e tentaram matar quem ganhou para dar início a uma guerra civil.

Quando você ler a manchete "Bolsonaro indicou vice de Nunes", ouça "Quadrilha que tentou matar Lula e Alckmin para começar guerra civil indicou vice de Nunes". Quando você ler "Tarcísio defende Bolsonaro", ouça "Tarcísio defende quadrilha de assassinos que perdeu eleição e tentou começar guerra civil".

Essa era a briga de Elon Musk: permitir que essa gente toda pudesse continuar conspirando em público para matar brasileiros.

É sempre possível que os assassinos do Jair consigam uma anistia com os ladrões do centrão. Mas uma coisa é certa: esse barulho que você ouviu na quinta-feira, quando a Polícia Federal indiciou Jair e seus cúmplices, era o som das instituições funcionando. Funcionando bonito.

 

ALEXANDRE GONÇALVES - Hoje eu bateria em um irmão que defende a ditadura, FSP

 Alexandre Gonçalves

Alexandre Gonçalves é pastor pentecostal há 30 anos, Policial Rodoviário Federal, diretor sindical da PRF em Santa Catarina e fundador do movimento Cristãos Trabalhistas do PDT

Acabei de assistir ao filme "Ainda Estou Aqui", dirigido por Walter Salles, baseado na obra homônima de Marcelo Rubens Paiva, que li por volta de 2016.

Confesso que nunca imaginei que esse livro pudesse virar filme. A história, embora comovente, não é marcada por ação ou grandes movimentos que poderiam gerar cenas dinâmicas e atrair o público de hoje. É diferente de outras narrativas sobre o mesmo período já adaptadas para o cinema, como "O Que É Isso, Companheiro?" (1997, Bruno Barreto), "Lamarca" (1994, Sérgio Rezende) e "Marighella" (2019, Wagner Moura). E talvez seja essa diferença que me impactou tão profundamente.

Vou explicar.

A imagem mostra uma mulher em um ambiente interno, com paredes em tons claros e cortinas vermelhas. Ela está de pé, com uma expressão séria, vestindo uma blusa sem mangas azul escura e uma saia amarela. Ao fundo, há um sofá marrom, uma mesa lateral e uma lâmpada acesa. Também é visível uma obra de arte na parede.
A atriz Fernanda Torres em cena do filme 'Ainda Estou Aqui', de Walter Salles - Divulgação

Como pastor há 30 anos, nunca imaginei ver evangélicos defendendo abertamente a pena de morte, torturadores e até a volta da ditadura militar. Se tais ideias existiam, ficavam restritas aos pensamentos ou, no máximo, aos lares. Infelizmente, desde meados da década de 2010, percebo uma transformação no padrão de pensamento dos evangélicos no Brasil.

Há uma frieza crescente em relação aos pobres e uma falta de indignação diante da pobreza. Muitos passaram a acreditar que a causa da miséria está na falta de fé, e que o Brasil é pobre porque não é "do Senhor Jesus" ou não tem um "governo de um justo". Defendem, com fervor, uma ideia assimétrica de "família tradicional", cobrando de pessoas fora da fé cristã comportamentos alinhados à fé, enquanto ignoram a responsabilidade de serem voz profética dentro da própria igreja, denunciando as mazelas internas.

O auge dessa tragédia foi a escolha de um político ímpio como "messias" e representante dos "valores cristãos da família". Assim nasceu o que já chamei de "cristianismo freestyle bolsonarista". Quem não aceitou essa imposição —como eu e diversos outros pastores— foi tachado de comunista, petista e digno de qualquer dissabor, seja nesta vida ou no porvir.

Agora, voltando ao filme.

Rubens Paiva não era comunista. Muito longe disso. Ele era trabalhista, filiado ao antigo PTB, cujo fundamento ideológico estava na Doutrina Social da Igreja (Encíclica Rerum Novarum), adaptada pelo cristão católico Alberto Pasqualini. Era um homem de família, bem casado com Eunice e pai de cinco filhos.

Eunice é um capítulo à parte. Toda a narrativa do filme é conduzida a partir de seu olhar. Pacificadora, agregadora, mansa e cheia de amor pelo marido e pelos filhos. Abdicou de uma carreira profissional para ser mãe, criando a família com zelo e dedicação. Rubens, por sua vez, era um pai amoroso e presente. Após deixar a política, voltou a trabalhar como engenheiro, garantindo à família uma vida confortável, típica da classe média alta carioca.

Era, enfim, uma família tradicional —exatamente o modelo exaltado pelos atuais "defensores dos valores cristãos" que, ironicamente, celebram o regime que destruiu impiedosamente essa família.

Hoje, ainda abalado emocionalmente pela via-crúcis de Eunice Paiva —magistralmente interpretada por Fernanda Torres— e seus filhos, confesso algo que não me orgulho de sentir. Se algum "irmão" se aproximasse de mim neste momento defendendo a ditadura, como já vi tantos fazendo, eu seria incapaz de segurar o ímpeto de esmurrar esse ser.

Nunca em minha vida recorri à violência, mas hoje, sinto que sucumbiria. Como acredito que Deus é amoroso e não permite que sejamos tentados além do que podemos suportar (I Coríntios 10:13), confio que Ele evitará que essa situação aconteça comigo agora, pois certamente não resistiria.