sexta-feira, 28 de junho de 2024

Performance de Biden no debate foi desastrosa, Hélio Schwartsman - FSP

 A performance de Joe Biden no debate de quinta-feira (27) foi nada menos que desastrosa. Em tese, isso não precisaria ser um grande problema.

Jornalistas, marqueteiros e os próprios políticos nutrem um certo fetiche por debates, mas eles são menos importantes do que se imagina. Em condições normais, isto é, quando os contendores alternam momentos positivos e negativos, o eleitor, mobilizando seu viés de confirmação, valoriza as boas tiradas do candidato para o qual torce e menospreza seus tropeços. O simpatizante do postulante rival faz o mesmo e, no cômputo geral, pouca coisa muda.

Esse, porém, não foi um debate normal. Biden saiu-se realmente mal. Acho que nem o mais ideológico dos eleitores democratas está vendo algo de bom para elogiar. Ocorre que, mesmo nessas raras situações de insofismável massacre, o efeito sobre as intenções de voto costuma ser efêmero, não durando mais que alguns dias. Debates assim podem ser um fator decisivo quando ocorrem às vésperas do pleito, mas não deveriam sê-lo quando têm lugar quase cinco meses antes.

Trump e Biden no debate da CNN - Christian Monterrosa/AFP

Apesar disso, Biden se encrencou. Seu desempenho transmitiu uma imagem de confusão e fragilidade que reforça a ideia de que ele, agora com 81 anos, está velho demais para exercer o cargo. Essa narrativa "pegou" e já se tornou o principal ponto fraco de sua candidatura. Mas o que se mostra realmente tóxico para a campanha é a reação de boa parte do establishment democrata, que entrou em pânico e já nem esconde articulações para eventualmente substituir o presidente por um outro candidato.

A esta altura, o eleitor independente, que acabará definindo o pleito, deve estar se perguntando por que deveria confiar em Biden, seja como candidato, seja como presidente, se nem seus aliados o fazem.
Recuperar-se de uma má performance em debate não é difícil, mas enfrentar o ceticismo do próprio partido em relação à campanha talvez seja fatal.

helio@uol.com.br

Preocupado com maconha, Lira promove farra eleitoral, Alvaro Costa e Silva, FSP

 

Antes do São João e do "Gilmarpalooza", que esvaziaram o Congresso, Arthur Lira desengavetou a PEC da Anistia. É o maior perdão da história a irregularidades cometidas por partidos políticos, entre elas o descumprimento das cotas eleitorais para mulheres e negros. Aprovada a proposta, as dívidas pendentes não vão impedir as siglas de obter recursos destinados a financiar as campanhas de 2024.

Pois vem aí um vendaval de dinheiro. PL (R$ 886,8 milhões), PT (R$ 619,8 milhões) e União Brasil (R$ 536,5 milhões) receberão as maiores fatias do bolo, 41% do total de R$ 4,9 bilhões, recorde que supera em mais de duas vezes o reservado para 2020 e equivale ao distribuído nas eleições de 2022 para presidente, governadores, senadores e deputados. Nunca fazer um prefeito ou não conseguir eleger um vereador nos mais de 5.000 municípios custou tão caro aos cofres públicos.

O perdão não inibirá novas irregularidades. Ao contrário, deverá incentivá-las. Uma operação da PF para investigar desvios no fundo eleitoral cumpriu sete mandados de prisão preventiva e 45 de busca e apreensão em São Paulo, Paraná, Goiás e Distrito Federal. O principal alvo foi o ex-presidente do Pros Eurípedes Gomes Júnior, que usou a grana para se esbaldar com familiares e amigos em viagens a Dubai e Miami.

No Rio, um relatório do Ministério Público Eleitoral afirma que houve gastos ilícitos na campanha do governador Cláudio Castro (que, de tão enrolado, parece uma bobina). Uma mulher, que aos 65 anos jamais teve registro de trabalho, virou sócia de uma empresa de "empreendimentos" e recebeu R$ 2,5 milhões.

Quando se trata do crime de corrupção, o Congresso é amigo. Lira está mais interessado na PEC das Drogas, retaliação ao STF por descriminar o porte de maconha para consumo próprio. A CCJ da Câmara quer um plebiscito sobre reduzir a maioridade penal; a do Senado propõe liberar a jogatina.

O calçadão do centro; funcionalidade não precisa ser sem graça, Mauro Calliari, FSP

 O calçadão do centro de São Paulo estava pedindo uma reforma faz tempo e agora começam a aparecer os resultados das obras que cercaram parte do triângulo histórico e que são anunciadas há anos. Na gestão Dória, criou-se com alguma pompa uma Comissão Permanente de Calçadas, que chegou a anunciar um novo piso para os calçadões. A comissão foi desfeita e as obras deixadas de lado. Na gestão Bruno Covas, o projeto foi adiado. A gestão atual fez a licitação e começou agora a entregar os novos trechos.

Embaixo do solo, a obra é razoavelmente complexa. Há camadas de fios, tubos, cabos, vestígios de trilhos e até fundações de casas coloniais. O custo de R$ 63 milhões parece justo para organizar essas camadas todas.

Em cima do solo, porém, o resultado, por enquanto, é decepcionante.

Fotografia colorida mostra calçadão no centro de São Paulo; pessoas caminham.
Obra finalizada do novo calçadão no centro de São Paulo - Mauro Calliari/Folhapress

Os primeiros trechos liberados mostram um piso de concreto, liso, sem graça e até sem a variação de tons que constava dos poucos croquis disponíveis. Estão previstos bancos básicos, que começam a ser instalados, assim como uns vasinhos com plantas. O piso vai melhorar a caminhabilidade, não há dúvida, mas o projeto merecia um pouco mais de cuidado.

A troca das pedras portuguesas não é um problema em si. Elas nunca fizeram parte tão fundamental do patrimônio paulistano, ao contrário do Rio ou de Manaus – e, claro, Lisboa, que ostenta seus desenhos com orgulho. O problema é que a manutenção tem sido historicamente malfeita. Basta uma volta pelos calçadões para encontrar buracos ou remendos toscos, feitos com cimento. Na chuva, as pedras são perigosas e escorregadias. Cadeirantes e pedestres sofrem com os desníveis.

Diante da melancólica constatação de que a manutenção não vai melhorar, a decisão pela troca parece inevitável. As pedras até poderiam ter sido mantidas em alguns trechinhos, não como local de caminhar, mas como uma evocação do passado, uma memória que não atrapalharia a circulação. O único trecho previsto em que serão mantidas é na Praça do Patriarca.

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INSPIRAÇÕES NO MUNDO TODO

Quando o calçadão foi construído, em 1976, o centro ainda oferecia atrações e trabalho, mas os escritórios já estavam migrando gradualmente para outras regiões da cidade. O então prefeito Olavo Setúbal implantou os calçadões para facilitar a vida das multidões que disputavam espaço com os carros nos seus deslocamentos a pé pelas ruas entre as estações e os terminais. O piso tinha desenhos, havia bancos, vasos de plantas e iluminação decorativa. O centro perdeu energia e o calçadão piorou junto.

No momento em a cidade discute como retomar a vitalidade do centro, atraindo novos moradores, o calçadão precisaria refletir novas dinâmicas de uso. Em vários lugares pelo mundo, há novas soluções que poderiam ser tentadas.

Desde que Copenhague pedestrianizou a rua Stroget, em 1961, as sucessivas gerações de calçadões oferecem uma vitrine de opções e modelos, desde a Times Square em Nova York à Rua XV de Novembro em Curitiba, a primeira cidade brasileira a implantar a novidade, que ainda mantém a qualidade desde sua inauguração em 1972.

Decoração de Natal na rua Stroget, em Copenhague, Dinamarca. - RITZAU SCANPIX/Ritzau Scanpix/Liselotte Sabroe/via REUTERS

Na nova geração de calçadões, há um arsenal de soluções híbridas, para dar vazão ao transporte coletivo, mas também para facilitar entregas ao comércio, acessos exclusivos para veículos de moradores e atrações para os turistas. Em meio a esses, os pedestres reinam, soberanos.

Visitando alguns desses bons exemplos, dá para ver como o denominador comum é um bom desenho urbano, bons materiais, segurança e a participação de lojistas e moradores, que discutem e legitimam os projetos. Em Londres, calçadões ocupam com sucesso a margem do Tâmisa. Em Buenos Aires, as ruas do centro seguram o movimento, mesmo na crise. Em Madri, há uma rede de ruas exclusivas de pedestres mas também há soluções híbridas, de uso compartilhado ou com uma faixa especial para veículos, bem segregada.

Visitei Pontevedra, naGalícia, no mês passado, uma cidade pequena que ficou famosa pela caminhabilidade. Ali, há grandes estacionamentos ao redor do centro e vários tipos de configurações que permitem manter a vitalidade econômica e urbanidade. Além da mistura de moradia e comércio, o segredo é a qualidade do espaço público, que faz com que famílias, velhinhos e crianças frequentem sem medo o mesmo local.

No momento em que a Prefeitura está tentando atrair novos moradores para a região central, propondo reformas, incentivos, retrofits e conseguindo nos últimos tempos até melhorar a sensação de segurança no centro, dá para ser mais criativo na infraestrutura mais básica, a rua.

Antes de mexer nos calçadões do lado do Centro Novo, melhor investir no desenho urbano, na qualidade dos materiais e nas consultas a quem mora e trabalha nesses lugares para poder ter mais legitimidade. Custa só um pouco a mais ter projetos melhores e mais criativos para um pedaço tão importante da cidade.