domingo, 7 de abril de 2024

Marcus André Melo Como as atuais democracias eliminaram a corrupção eleitoral?, FSP

 As práticas eleitorais corruptas eram a norma até o início do século 20 do Reino Unido e da Alemanha, aos países escandinavos. Todos passaram por notável mudança institucional e hoje são campeões da integridade eleitoral. O que explica o sucesso de reformas que visaram a eliminação destas práticas?

Esta é a pergunta que Isabela Mares analisa em Protecting the Ballot How First Wave Democracies Ended Electoral Corruption? (2022). Combinando estudos de casos e métodos estatísticos avançados, a autora argumenta que foi a formação de coalizões majoritárias entre facções dissidentes das elites no poder e setores emergentes fora do poder (partidos ancorados no operariado e setores de renda média). Os conflitos intraelite resultaram de choques econômicos e políticos que solaparam o equilíbrio existente (pelo qual as elites no poder que controlavam recursos e impunham seu domínio sobre rivais).

A expansão vertiginosa do eleitorado, via extensão do sufrágio e da urbanização, aliada ao aumento da renda dos eleitores, tornou a compra de votos proibitiva para alguns setores das elites. A prática corrente e aberta de troca de vantagens por voto, restrita até então a um eleitorado diminuto, estendeu-se para uma massa de milhares de eleitores. A corrupção também acarretava custos políticos e reputacionais. A alternativa, então, foi proibir a compra de voto e mobilizar o eleitorado em bases programáticas (políticas públicas).

As coalizões variaram de país a país e dependiam do tipo de prática corrupta, que a autora classifica segundo tipos: 1) compra de voto; 2) violação do segredo do voto; 3) a utilização da máquina pública; e 4) fraudes na contagem de votos.

O argumento de Mares não pode ser transposto para o caso brasileiro, mas fornece pistas para a análise. Tivemos relativo sucesso em aprovar medidas contra os tipos 2) e 4): o sigilo foi garantido com a cédula pública (1958) e com a urna eletrônica (1998), que impactou também a contagem, como mostrei aqui. Nosso problema é o 3). Em termos comparativos, é surpreendente o descompasso entre o progresso obtido (contra a captação ilícita de sufrágio, na lisura dos procedimentos eleitorais e contagem de votos) e a utilização corrupta de contratos de obras públicas, numa escala mastodôntica, para campanhas eleitorais, como se tornou público em 2014.

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Houve escândalos e reforma do financiamento de campanha (a solução gerou outro tipo de problema: os fundos bilionários de campanha, que discuti aqui). A reação visceral atual contra o combate à corrupção vai na direção contrária da melhoria da integridade eleitoral. O espectro da volta ao padrão anterior de desvios de recursos de estatais e emendas assombra.


Em 1964 a CIA temeu um monstro, Elio Gaspari,FSP

 No dia de hoje, em 1964, circulavam pelo menos quatro projetos de Atos Institucionais. Todos previam cassações de mandatos e de direitos políticos. Um, por quinze anos. Outro, por cinco. Um terceiro simplesmente dissolvia o Congresso e as Assembleias Legislativas.

Em sua casa do Leblon, o jurista Carlos Medeiros Silva concluiu o projeto que lhe havia sido pedido pelo deputado Bilac Pinto. Pouco depois da meia-noite, Medeiros, Bilac e o deputado Pedro Aleixo foram à casa do general Castello Branco com o projeto. Castello mandou uma cópia ao general Costa e Silva, que repassou-o ao senador Auro de Moura Andrade.

O presidente Arthur da Costa e Silva em 1967, um ano antes de decretar o AI-5 - Acervo UH/Folhapress

Pela manhã, a Intelligence Agency entregou ao presidente Lyndon Johnson um relatório com um aviso:

"Cresce o medo, não só no Congresso, mas mesmo entre aliados da revolta, que a revolução tenha gerado um monstro".

No dia 8 de abril, Carlos Medeiros levou o jurista Francisco Campos (autor da Constituição do Estado Novo) ao gabinete de Costa e Silva. Discutia-se a legitimidade de um Ato Institucional.

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"Chico Ciência" interveio. Disse que "os senhores estão perplexos diante do nada", tirou o paletó, pegou uma folha de papel almaço e, com sua letra miúda, escreveu o preâmbulo do Ato:

"A revolução se distingue de outros movimentos armados pelo fato de que nela se traduz não o interesse e a vontade de um grupo, mas o interesse e a vontade da Nação. A revolução vitoriosa se investe no exercício do Poder Constituinte".

Uma menina pede um autógrafo, Ruy Castro, FSP

 Na noite de 5 de agosto de 1955, Carmen Miranda começou a subir as escadas de sua casa, em Los Angeles, e disse a seus convidados, todos brasileiros: "Macacada, vou dormir, mas ninguém vai embora. Fiquem aí dançando, bebendo e se divertindo". Uma menina, Sheila, 12 anos, filha de um dos presentes, o industrial Jackson Flores, estendeu-lhe uma foto: "Carmen, antes de dormir, pode me autografar esta foto?". "Claro, meu bem", ela respondeu. E assinou-a: "Carmen Miranda".

Carmen deu um boa-noite geral, subiu e foi direto ao lavabo para tirar a maquiagem —naquela tarde, filmara sua participação no programa de TV de Jimmy Durante, e os amigos em sua casa eram os que ela convidara para assistir à apresentação. Vestiu um rôbe, lavou o rosto e, no corredor, antes de chegar ao quarto, teve o enfarte fatal. Sem um som, seu corpo caiu sobre o carpete e só foi encontrado na manhã seguinte. Tinha 46 anos.

Sheila Carol Flores, a menina, guardou para sempre a foto autografada e só lamentou não ter pedido a Carmen que a datasse. Fizesse isto, ficaria comprovado que era o último autógrafo concedido por Carmen. Não que Sheila pretendesse leiloá-lo ou vendê-lo. Apenas queria ter a certeza de que tudo não passara de um sonho —ou pesadelo— adolescente.

Voltou para o Rio com seu pai, que, separando-se de sua mãe, casou-se com a Miss Brasil Adalgisa Colombo. Sheila, por sua vez, tornou-se modelo de passarela, trabalhou no Sheraton, casou-se com um publicitário e teve uma filha, Stephanie. Criou família, conquistou amigos, conheceu o high society. Mas o ponto máximo de sua vida lhe acontecera bem cedo, naquela noite de 1955.

Sheila morreu há dias no Rio, aos 81 anos. Nenhum jornal ou revista registrou sua morte. Normal: não era famosa. E ninguém tinha a obrigação de saber que, com ela, morria também a última pessoa no mundo que falara com Carmen Miranda.

Reportagem de O Cruzeiro, de 1955, com a última foto de Carmen (abraçada a Jimmy Durante), e postais modernos sobre ela
Reportagem de O Cruzeiro, de 1955, com a última foto de Carmen (abraçada a Jimmy Durante), e postais modernos sobre ela - Heloisa Seixas