domingo, 15 de outubro de 2023

Descaminhos da atenção, Muniz Sodré, FSP

 Após reunião com Lula, o presidente do Banco Central foi taxativo: ele ouve com atenção o interlocutor. A constatação pareceria óbvia em qualquer conversa pautada por regras de civilidade, mas o dirigente não deixou de contrastá-la com o ex-presidente da República, com quem não conseguia se entender e ser ouvido por mais do que três minutos. A ressalva visa a escassa capacidade intelectiva do ex-mandatário, já muito conhecida, porém o que está implicado no fenômeno tem alcance maior.

Há indícios fortes de uma crise generalizada da atenção. Em aulas, espetáculos, conversas pessoais, perde-se com frequência o foco para a onipresença do celular. Ainda que este não esteja de fato sendo manuseado, seu efeito é perceptível na interlocução, seja pelo alheamento ou pela incompreensão discursiva. Enunciados muito articulados ou prolongados são motivos de impaciência. Até mesmo as canções de sucesso são cada vez mais curtas, algumas com menos de um minuto.

Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto em frete à antessala do gabinete presidencial no Palácio do Planalto
Presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto chega ao Palácio do Planalto para reunião com presidente Lula - Gabriela Biló - 27.set.23/Folhapress

A coisa tem raízes antigas. O principal objetivo da mídia sempre foi a captura da atenção pública. As técnicas usuais do jornalismo não têm a ver com nenhuma filosofia, mas com estratégias textuais de tempo mínimo. Com o aporte da eletrônica, intensifica-se a apropriação mercadológica dessa matéria rentável que é o tempo do outro. No mercado, tempo é mesmo dinheiro.

Na vida social regulada por redes informativas, o fenômeno generaliza-se por focos mobilizadores de atenção. Ou seja, por pontos nevrálgicos da fricção entre as classes sociais, onde a informação desligada do contexto sociopolítico pode ser apenas mistificação do senso comum. Isso fica evidente em grupos minoritários, sem voz nem influência social.

Mas não só: o fenômeno é globalmente afetado pela disseminação da lógica (algorítmica) do autômato. Em princípio, porém, atenção supõe afeto e confiança na fala do outro. É a desconfiança entre israelenses e palestinos que bloqueia uma sociabilidade mínima.

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O socialenquanto tal, não existe: a ideia de sociedade depende do pacto de confiança subjacente a toda organização. "Acreditar na palavra humana, falada ou escrita, é tão indispensável aos humanos quanto se fiar na firmeza do solo" (Paul Valéry). Isso é dar atenção, "a forma mais rara e pura de generosidade", na definição de Simone Weil. Disso vive a psicanálise.

Não se trata, todavia, de crença suspensa no ar, e sim de disposição coletiva criada por instituições apoiadas na democracia, isto é, no equilíbrio do jogo das diferenças e tensões inerentes ao respeito às regras instituídas. É preciso acreditar na própria democracia para estar civicamente atento. Fora tropeços verbais, esta é a diferença crucial entre Lula e sua contraparte.


Exame- Broadway do Brasil: essa produtora vai faturar R$ 38 milhões fazendo musicais nacionais

 

Elis, A Musical: peça que conta a história da cantora Elis Regina está em cartaz em São Paulo. Depois, irá para Rio de Janeiro e entrará em tour pelo Brasil (Aventura Produções/Divulgação)

Elis, A Musical: peça que conta a história da cantora Elis Regina está em cartaz em São Paulo. Depois, irá para Rio de Janeiro e entrará em tour pelo Brasil (Aventura Produções/Divulgação)

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Publicado em 15 de outubro de 2023, 08h30.

Um passeio pelos circuitos de teatros do centro de São Paulo em uma sexta-feira à noite é um convite para ver e ouvir vários ritmos diferentes. O Rei LeãoUma Linda MulherA Bela e a Fera e O Mágico de Oz são só quatro exemplos de musicais que estão em cartaz ao mesmo tempo na capital paulista. O alto número mostra que o setor tem trabalhado para se recuperar dos percalços da pandemia e corrobora um dado de 2014 de que o Brasil é o terceiro maior produtor de musicais do mundo, atrás dos Estados Unidos (gigante pela Broadway) e da Inglaterra. 

“Talvez a maior paixão dos brasileiros seja pela dramaturgia, muito por conta das novelas. A segunda maior é a música. Junta essas duas paixões e se tem os musicais”, diz Luiz Calainho, ex vice-presidente da Sony Music e atual sócio da Aventura Produções. “Caiu no gosto porque é um somatório de duas grandes paixões”. 

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A Aventura é uma das principais produtoras de musicais do país e já conta com 15 anos de mercado. Atualmente, está em cartaz no Teatro Sérgio Cardoso, em São Paulo, com uma edição especial de Elis, A Musical, espetáculo que conta a trajetória da cantora Elis Regina por meio de suas principais músicas. A peça, de 2013, voltou agora para comemorar seus 10 anos e tem tido ingressos esgotados em praticamente todas sessões, repetindo o sucesso da estreia. 

“Os musicais estavam em uma crescente até 2019, aí veio a pandemia e cortou tudo”, afirma Calainho. “Mas quando as pessoas estavam em casa, a economia criativa ganhou força. Mais pessoas passaram a consumir conteúdos criativos, porque era a única válvula de escape em casa. Isso aumentou o nosso público. Quando voltamos para as casas de teatro com o arrefecimento da pandemia, vimos as sessões lotadas”.

Para 2023, a expectativa da produtora é faturar 38 milhões de reais, retomando um patamar de crescimento de 10% ao ano, como tinha antes da pandemia. Só neste ano, além de Elis, A Musical, também já produziu, com sessões em São Paulo e no Rio de Janeiro, a versão brasileira do musical da Broadway Mamma Mia, com músicas da banda Abba. 

Mamma Mia: musical ficou em cartaz no Rio de Janeiro e em São Paulo em 2023

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Como é produzir um musical 

No caso da Aventura, cada musical produzido conta com um investimento que varia de 3 milhões a 6 milhões de reais. Para esse montante, as produtoras costumam contar com patrocínios de empresas privadas e públicas. Boa parte desse apoio (60%) vem por meio de leis de incentivo à cultura. Já o restante (40%) surge do próprio interesse de uma companhia em investir em peças teatrais. 

“As empresas notaram o movimento de que mais pessoas estavam querendo consumir cultura com a pandemia, e decidiram patrocinar isso”, diz Calainho. “Hoje, há uma gama bem maior de empresas apoiando, mesmo fora da Lei de Incentivo”.

Para um projeto sair do papel, geralmente ele já precisa ter todo o montante levantado via patrocínio das empresas. O valor arrecadado em bilheteria costuma ser o “lucro” do espetáculo, que é dividido entre a própria casa de espetáculos, a produtora e os artistas e equipes envolvidos. No caso da Elis, A Musical, o patrocinador é a Volkswagen Financial Services, mas a Aventura já trabalhou com empresas como Unilever, Cielo, Shell e Ipiranga.

Aniela Jordan e Luiz Calainho, da Aventura: sócios já fizeram mais de 40 espetáculos

Os projetos, em si, são decididos pelas produtoras e costumam se dividir em duas categorias: aqueles estrangeiros, geralmente da Broadway, que recebem versões brasileiras, ou os 100% nacionais, cuja história e músicas são desenvolvidas por aqui. 

Na avaliação de Aniela Jordan, diretora artística com mais de 40 anos de experiência no teatro e outra sócia da Aventura, os totalmente nacionais até podem requerer um investimento levemente menor, mas são muito mais trabalhosos. A produtora carioca tem apostado nesse modelo nos últimos anos. 

“Os da Broadway, a peça fica anos sendo testada fora do país até ver se dá certo e se vale a pena importar”, afirma. “Os nacionais, precisa ser feito do zero. Pensar, criar, contratar música, coreografia, cenografia, nada existe. As pessoas acham que é mais complicado fazer Broadway, mas nacional é muito mais difícil. Só que optamos por fazê-lo porque entendemos que é uma aposta na nossa cultura”. 

Como está a trajetória dos musicais no Brasil 

Quando Aniela e Calainho começaram a fazer musicais, há cerca de 20 anos, ou quando começaram a Aventura, há 15 anos, os desafios eram outros. À época, era difícil até mesmo escalar elenco, porque os atores não eram preparados para cantar, dançar e atuar - ao mesmo tempo. 

Hoje, o cenário é bem diferente. Hoje, segundo Aniela, é difícil encontrar um ator que já não faça aula de música ou de dança. E escalar ficou difícil por outro motivo: se antes, faltavam pessoas, agora até sobram atores talentosos. “Jovens atores agora conseguem emendar trabalhos em musicais, o que não tinha há 20 anos. Além disso, o mercado cresceu enormemente em criadores, sound-designers, iluminadores”. 

Hoje, nas peças da Aventura, cada sessão envolve umas 60 pessoas trabalhando ao mesmo tempo, entre palco e coxia. Se considerar a equipe administrativa e mais empregos indiretos, como de carpinteiro para construir cenário ou técnicos para instalar luz, uma peça envolve, no mínimo, 220 pessoas. Se for levar esse número em consideração para todos os espetáculos em cartazes na cidade, o setor emprega, tranquilamente, mais de 1.000 pessoas ao mesmo tempo. “Definitivamente, no campo da economia criativa, o gênero musical é o principal contratante”. 

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Como a Aventura se posiciona no mercado 

Fundada por Aniela e Calainho, a Aventura teve início em 2007, quando trouxe ‘A Noviça Rebelde' ao palco do reformado Teatro Casa Grande, no Rio de Janeiro. De lá para cá, colocou nos palcos brasileiros obras como

  • Mamma Mia!
  • Hair
  • A Noviça Rebelde
  • O Jovem Frankenstein
  • Romeu e Julieta, ao Som de Marisa Monte
  • Elis, A Musical
  • Chacrinha

Foram mais de 40 espetáculos produzidos que reuniram mais de 4,1 milhões de espectadores em mais de 3.500 apresentações por todo o país. Na edição do Rock in Rio 30 anos, em 2015, a Aventura participou da cerimônia de abertura do festival, apresentando no Palco Mundo uma versão do espetáculo 'Rock in Rio: O Musical', que recontou os trinta anos do festival.

Para o futuro, estão estudando uma nova fonte de receita: a Aventura Imagens. A ideia é disponibilizar em alguma plataforma de streaming os musicais produzidos, o que vai ampliar o acesso do gênero para mais pessoas. Hoje, um dos desafios é romper a barreira do preço do ingresso, que não é acessível para todas as pessoas. 

Como é o setor no Brasil

Apesar de ser um setor aquecido, não há uma pesquisa atualizada sobre o mercado brasileiro de musicais. O último grande estudo foi de 2018 feito pela Fundação Getulio Vargas. À época, setor movimentou mais de R$1 bilhão, gerando mais de 12 mil empregos diretos (67,5%) e indiretos (32,5%) e incrementando a arrecadação em tributos (municipais, estaduais e federais) superior a R$131 milhões. Além disso, a pesquisa identificou que cada real captado via leis de incentivo resultou em um retorno de R$1,92 em tributos (192%).