sexta-feira, 13 de outubro de 2023

Greves têm preço, Rodrigo Zeidan ,FSP (definitivo)

 

Rodrigo Zeidan

"Por quê você não foi pro colégio hoje?" "Por que os professores estão em greve." Quem cresceu nos anos 1980 ou 1990 lembra das constantes paralisações. Uma das principais razões para tantas atividades sindicais era a hiperinflação.

Cada alta de preços fazia necessária a renegociação de salários (quem nunca precisou saber o que é um gatilho salarial é uma pessoa de sorte). Hoje, a alta da inflação também contribui para o aumento de greves pelo mundo e devemos esperar mais delas pelo Brasil. Mas, aqui, elas às vezes têm uma característica especial: a busca pela anistia.

Motoristas de vans escolares apoiaram caminhoneiros durante greve em maio de 2018. Um dos pontos de mobilização foi no Km 280 da Rod. Regis Bittencourt, em Embu das Artes
Motoristas de vans escolares apoiaram caminhoneiros durante greve em maio de 2018. Um dos pontos de mobilização foi no Km 280 da Rod. Regis Bittencourt, em Embu das Artes - Marcelo Justo/Folhapress

Historicamente, greves foram uma das principais formas de pressão para melhorar condições de trabalho. Contudo, desde que o período da "grande moderação" começou, com taxas de juros e inflação baixas, paramos de ouvir tanto sobre paralisações pelo mundo. Mas, com o recrudescimento da pressão inflacionária, estamos vendo a volta dos sindicatos e movimentos grevistas como importantes agentes políticos. Nos EUA, acabou recentemente a parada dos roteiristas de Hollywood, mas começaram piquetes nas portas de cassinos em Las Vegas.

E no Brasil, voltaram as greves de alunos e professores. Esse tipo de greve também tem ocorrido no mundo com mais frequência. Na Inglaterra, vários colegas se recusaram a dar aulas e provas nos últimos meses, para reclamar contra a diminuição da contribuição para aposentadoria. Lá, contudo, há uma diferença: todo mundo está disposto a pagar por isso. Os salários são cortados e os professores só voltam a receber depois que voltarem ao batente.

Foi o mesmo na greve dos roteiristas nos EUA: vários artistas se cotizaram para ajudar os trabalhadores da indústria. Obviamente, a perda de renda é desigual: os trabalhadores sentem muito mais que os estúdios. E renda não é a única perda possível. Lula foi preso por 31 dias no final da década de 70 por liderar um movimento grevista. Ele colocou o seu na reta, no meio de uma ditadura militar, para melhorar as condições salariais dos seus representados.

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Não existe processo de negociação honesta no qual ambas as partes não tenham algo a perder. Não há ódio mais puro do que o daqueles que não precisam colocar nada na reta. É por isso que os primeiros pedidos são sempre por anistia. Sem consequências, qualquer tipo de manifestação pode se tornar extrema e sem pudor.

Por isso, faz sentido que os alunos possam fazer greve na USP, mas os professores tenham terminado o seu movimento. Os alunos estão atrasando sua formação. Os professores não colocavam nada em risco. Greves, contudo, não deveriam ser o normal no processo de negociação. No caso da USP, acontece em parte porque sem coordenação interna bem-feita, departamentos vão sempre brigar por um orçamento fixo.

Na Copenhagen Business School, vários professores estão sendo demitidos e departamentos estão sendo obrigados a cortar custos, mas sem paralisações, porque o processo foi feito de forma razoavelmente transparente. A associação de docentes da USP parece não entender restrição orçamentária, pois "denuncia a política de contratação docente que implica concorrência entre departamentos." Esse é o mundo real, no qual recursos escassos são alocados em escala de prioridade. Essa concorrência ou é resolvida por regras bem definidas ou vai continuar na pauta para sempre.

Quem muda o mundo é quem se arrisca a perder algo de verdade. Sempre.

Hélio Schwartsman - Círculo mórbido, FSP

 Durante a pandemia, os planos de saúde se deram bem. Os gastos que tiveram com a Covid foram amplamente compensados pela forte redução da demanda por outros serviços. Pacientes atrasaram cirurgias eletivas e deixaram de procurar o médico, o que levou a uma diminuição momentânea nos novos diagnósticos de cânceres e outras doenças de alto custo.

É claro que não duraria para sempre. E não durou. A pandemia passou, a demanda reprimida explodiu, e a situação dos planos hoje é de crise. A maioria deles amarga prejuízo operacional, e vários já atrasam pagamentos a prestadores e reembolsos a clientes. Planos obviamente não são santos. Há uma lista telefônica de táticas abusivas que eles usam sem pudor contra segurados. Mas há duas queixas dos administradores que procedem.

Maior impacto da cesta de benefícios oferecidos pelas empresas vem dos planos de saúde
Maior impacto da cesta de benefícios oferecidos pelas empresas vem dos planos de saúde - Eduardo Knapp/Folhapress

A primeira são as fraudes. Elas sempre existiram, mas, de uns anos para cá, foram profissionalizadas. Hoje há grupos especializados em extrair mais reembolsos, nem sempre devidos. A segunda é a generosidade de legisladores e reguladores, que estão sempre ampliando as coberturas e retirando restrições. O Congresso derrubou o rol taxativo que fora reconhecido pela Justiça. Retiraram-se os limites para consultas com fisioterapeutas, psicólogos, fonoaudiólogos etc.

Não há nada errado em ampliar coberturas, desde que se aceite pagar o preço por isso. Mas nem todos podem. As mensalidades sobem bem mais do que a inflação, e é crescente o número de jovens que, confiando na própria juventude, opta por não contratar um plano. Não é uma decisão irracional, já que podem contar com o SUS. O problema é que isso cria uma seleção adversa. As pessoas com mais problemas de saúde fazem de tudo para manter seu plano, enquanto as mais saudáveis arriscam a sorte. Isso faz com que a sinistralidade aumente, o que torna os planos ainda mais caros, num complicado círculo vicioso.

Mantidas essas premissas, não há como dar certo.

A nova educação profissional,Simon Schwartzman - FSP

 Sem que quase ninguém visse, o Congresso Nacional aprovou em agosto passado, por iniciativa da notável e incansável deputada Tabata Amaral, a Lei n.º 14.645, que dispõe que o Brasil estabeleça, no prazo de dois anos, uma nova política nacional de educação profissional e tecnológica. É um texto curto, bastante genérico, mas que inova em ao menos três pontos importantes: o da articulação do sistema escolar com o sistema de aprendizagem, o da organização dos itinerários formativos e o da avaliação desta modalidade de ensino.

O que se chama de “sistema de aprendizagem” é a educação que se desenvolve de forma articulada com o trabalho. Nela, o estudante está vinculado a uma empresa, ganha por isso e, ao mesmo tempo, faz cursos em que adquire de forma mais sistemática os conhecimentos que pratica. Quando se forma, ele já tem, quase sempre, uma boa formação técnica e um lugar no mercado de trabalho. Este sistema se desenvolveu sobretudo na Alemanha, na Suíça e em outros países europeus, é responsável pela alta qualificação da mão de obra desses países e considerado superior ao sistema de educação profissional em escolas separadas. A principal condição para que o sistema funcione é que o setor produtivo se envolva ativamente na qualificação dos aprendizes e se articule com as entidades responsáveis pelos cursos que os alunos devem seguir.

No Brasil, a legislação de aprendizagem acabou se transformando numa obrigação legal para que empresas contratem jovens carentes, com limitações que dificultam que a aprendizagem ocorra pela prática profissional.

A nova lei sobre ensino profissional avança no sentido de que as instituições de ensino reconheçam e validem os conhecimentos adquiridos no trabalho e que se criem estímulos para o envolvimento do setor produtivo com a formação profissional, mas ainda há que desenvolver uma proposta mais articulada de como desenvolver um sistema de aprendizagem que possa ser uma alternativa valorizada à educação formal, e não, simplesmente, assistencial.

A ideia principal por trás dos “itinerários formativos” é que os cursos profissionais não se transformem em becos sem saída que impeçam que o estudante que opte por esta via continue estudando e se qualificando em níveis mais altos. Assim, uma pessoa poderia começar como eletricista e evoluir até ter uma qualificação de engenheiro, tendo seus conhecimentos e experiência prévios reconhecidos e validados. Uma ideia importante, mas que depende, sobretudo, de que as instituições de educação superior se abram para um novo tipo de aluno, com um perfil mais prático.

Finalmente, na avaliação, a novidade é que ela tome em conta, explicitamente, a eficiência das instituições em formar seus alunos e o lugar que eles ocupam depois de formados no mercado de trabalho – muito diferente da avaliação obsoleta que temos hoje no ensino superior, baseada em provas de conhecimentos e indicadores como a titulação formal dos professores.

O elefante na sala do ensino profissional brasileiro, que ninguém menciona, é que ele pretende fazer duas coisas opostas ao mesmo tempo: proporcionar uma alternativa prática de qualificação profissional para o jovem que chega ao ensino médio com grandes dificuldades de seguir os currículos tradicionais; e formar pessoas capazes de lidar com os novos requisitos de um mercado de trabalho cada vez mais exigente em termos das qualificações técnicas e socioemocionais requeridas.

O Ministério da Educação, ao dar para trás com a reforma do ensino médio, insistir no Enem unificado e no modelo elitista dos institutos federais para o ensino profissional, se nega a reconhecer que o problema existe, não cria alternativas de formação e reforça as desigualdades, que nenhuma política de cotas pode compensar. E isso sem dizer que temos pela frente uma profunda transformação no mercado de trabalho, trazida pela automação e a inteligência artificial, que coloca em questão toda a estrutura do sistema de educação regular e profissional que temos até aqui, criando a necessidade de micro credenciais, certificações, sistemas de educação continuada e de reciclagem profissional que não desenvolvemos.

É difícil saber em que esta nova legislação vai resultar, porque vários de seus dispositivos são pouco mais do que expressões de desejo, em ações como “fomento à expansão da oferta de educação profissional e tecnológica em instituições públicas e privadas” ou o “fomento à capacitação digital na educação profissional e tecnológica, de forma a promover a especialização em tecnologias e aplicações digitais”; e outros que seguramente não vão funcionar, como a “instituição de instância tripartite de governança da política e de suas ações, com representação paritária dos gestores da educação, das instituições formadoras e do setor produtivo”, e a articulação desta política com o futuro e incerto plano nacional de educação. Mas ela ajuda a recolocar o tema da educação profissional na ordem do dia, e, por isso, é uma contribuição importante.

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SOCIÓLOGO, É MEMBRO DA ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS