segunda-feira, 3 de julho de 2023

Angela Alonso - Resumo de junho, FSP

 O aniversário acabou, hora da conta da festa. Junho de 2013 completou 10 anos. De presente, matérias, especiais, entrevistas. O tratamento ao rapazinho ecoou o dispensado quando era recém-nascido.

No parto, ganhou quatro nomes. Um foi "jornadas", em honra a maio de 1968 e à Comuna de Paris, que o afiliou à linhagem da "nova esquerda". Outros padrinhos o batizaram com a tese das expectativas crescentes: satisfeitas as condições de vida, as demandas de rua seriam por qualidade de vida (na síntese lulista: "o povo já tem pão, agora quer manteiga"). Terceira alcunha foi "crise de representação": o protesto seria antissistêmico, de crítica às instituições políticas. E houve quem falasse em sequestro: parida na esquerda, a mobilização teria sido tomada pela direita.

Essas interpretações ressurgiram com a efeméride. Todas tomam os protestos como monolíticos e unidirecionais.

Em minha pesquisa, achei outra coisa e adotei outro nome: ciclo de protesto. Ciclos são momentos de manifestação simultânea de muitos movimentos. Foi o que aconteceu em junho, quando a rua foi tomada por um mosaico de movimentos com agendas e propósitos distintos entre si.

Movimentos que cresceram lentamente, em protestos avulsos e pequenos, desde a chegada do PT ao poder. Muitos e variados, mas divisíveis em três parentelas. À esquerda do governo, estavam os campos autonomista, de que o MPL foi emblema, e o neossocialista, onde estava o MTST. Francamente à direita do PT se situou um campo mais variado, autonomeado patriota, graças ao uso dos símbolos nacionais, aí residia o NasRuas.

Esses campos reagiam a tentativas de reforma do governo, que abriram três zonas de conflito.

Uma foi a da redistribuição. Movimentos se protestaram tanto por mais quanto por menos (como os antitaxação) políticas redistributivas de acesso a bens e oportunidades sociais escassas.

Outra foi a da violência. O plebiscito do desarmamento, que Lula perdeu, e a comissão nacional da verdade, que Dilma Rousseff implementaria, suscitaram tanto movimentos por direitos humanos como pelo direito à autodefesa; e os em torno da revisão da lei da anistia –a favor, como contra.

E havia a moralidade. O Mensalão, e sobretudo seu julgamento em 2012, pôs a corrupção no coração do debate público. A moral foi ativada ainda quando dedos institucionais avançaram na cumbuca da vida privada: aborto e casamento entre pessoas de mesmo sexo. Este lado dos costumes foi o que mais encheu rua sob Lula –e foi o que abriu junho de 2013, com duas megamanifestações, a Parada LGBT e a Marcha pela Liberdade e a Família.

Então, desde os anos Lula, havia protestos pequenos e médios de sentidos opostos em cada uma das zonas de conflito. Mas aconteciam em separado. Em 2013, apareceram lado a lado. Neste sentido é que junho foi um mosaico. Movimentos com pautas diferentes –mesmo opostas– protestaram em concomitância, o que produziu o volume extraordinário. Mas também a ausência de agenda e liderança unificadas. Distintos em muito, convergiram apenas na reação política à longa dominação petista.

Dez anos depois, o país está de novo sob ela. Agora a oposição de rua está mais estruturada nos dois lados do espectro político. O aniversário de 2013 é lembrete de que a esquerda não é mais a senhora dos protestos, a direita agora compete pela rua. O quarto governo petista não poderá ignorá-la, sob risco de enfrentar tempo quente como o que sapecou Dilma.


O que explica o novo padrão de atuação do Judiciário?, FSP

 "Xandão venceu." O tuíte da jornalista Malu Gaspar capta bem o sentimento público quanto à decisão do TSE sobre a inelegibilidade de Bolsonaro. Ele sugere personalização de decisões das cortes superiores –vistas como vendetas– e, mais preocupante, que a decisão tenha sido abertamente consequencialista. É um truísmo afirmar que as decisões de cortes superiores são políticas latu senso. Faço uso aqui da expressão para aquelas que não estão ancoradas estritamente no que está previamente estabelecido em lei –e que visa objetivos outros.

Numa análise positiva, há fatores que explicam o padrão hiperbólico de atuação do STF e, agora, do TSE.

Destaco aqui um aspecto que não está entre os "suspeitos usuais"; não se trata de judicialização da política, ativismo processual individual ou usurpação de imaginário poder moderador. Esses elementos estão indiretamente presentes, mas um fator explicativo decisivo é que o STF e os juízes individualmente passaram a ser eles próprios alvos de ataques. Senão vejamos.

A reação à Lava Jato e a inusitada mudança radical de posições individuais de juízes tiveram lugar após investigações que envolveram o Coaf sobre dois juízes, dando origem ao inquérito das fake news, que, entre outras coisas, censurou texto da Revista Crusoé sobre o assunto. Os ataques ao STF tiveram início ainda antes da posse do presidente através de Eduardo Bolsonaro. As diatribes de Weintraub em reunião ministerial e o episódio dos foguetes lançados sobre o STF revelam a escalada retórica.

E mais: o próprio presidente pediu o impeachment de dois juízes e ameaçou descumprir decisões da Corte. Com Daniel Silveira, o ataque e a punição assumem forma aberta de vendeta.

Tudo isso é inédito. Nada semelhante ocorreu durante os episódios de confrontação no mensalão ou no petrolão. O novo protagonismo do Judiciário na Nova República se alimentou de sua atuação como corte criminal e se manifestou em decisões sobre costumes etc. Nele atuou como árbitro, e não como parte. Isso explica, mas não justifica, o novo padrão de atuação do STF. Não se trata, portanto, de expansão linear de judicialização da política.

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A decisão do TSE é hiperbólica não porque Bolsonaro não tenha cometido crimes (ex. de responsabilidade), mas porque, tratando-se do caso específico (evento com embaixadores), é desproporcional (como também o foi a de Dellagnol). O consequencialismo político desmedido tem consequências: converte as cortes e a nomeação de juízes em vale tudo institucional. No qual apenas a lealdade política e a pessoal importam. As consequências deste "consequencialismo" já são visíveis. A nomeação de Zanin é a cereja do bolo.