sexta-feira, 2 de junho de 2023

ESTADÃO / INTERNACIONAL China rebate Biden: acusações americanas sobre investimentos no Brasil são ‘infundadas e ridículas’, OESP

 BRASÍLIA - O governo da China reagiu às críticas dos Estados Unidos a seus negócios no Brasil e na América Latina, vocalizadas na semana passada por Brian A. Nichols, secretário de Estado adjunto para Assuntos do Hemisfério Ocidental, em entrevista exclusiva ao Estadão. Em tom diplomático duro, Pequim protestou contra as declarações de Nichols e afirmou que as considerações dele são “infundadas e ridículas”. Segundo os chineses, o norte-americano quis difamar a parceria e minar as relações sino-brasileiras.

Na entrevista, Nichols afirmou que os projetos de infraestrutura chineses são “enganosos”, apresentam baixa qualidade e, a longo prazo, não influenciam positivamente o crescimento econômico dos países parceiros, que deveriam ser beneficiados. Ainda segundo o diplomata despachado a Brasília pelo presidente Joe Biden, os projetos envolvem casos de corrupção.

Nos últimos meses, os Estados Unidos e aliados europeus têm tentado se contrapor aos interesses chineses na América Latina, África e Ásiareplicando a estratégia chinesa de oferecer financiamento em projetos de infraestrutura. O secretário de Estado Anthony Blinken, esteve recentemente na África e na Ásia Central. A própria visita de Nichols ao Brasil, na qual ele sinalizou que a iniciativa privada americana poderia financiar empreendimentos e energia limpa no País, é um indicativo disso.

“As declarações dos altos funcionários dos EUA são infundadas e ridículas, tendo como objetivo difamar a cooperação econômica externa da China e minar as relações amistosas e cooperativas entre a China e o Brasil e outros países da América Latina. Manifestamos forte insatisfação e veemente repúdio a essas declarações”, afirmou o porta voz da embaixada chinesa em Brasília, ministro-conselheiro Li Qi, em documento oficial enviado ao Estadão.

'Algumas pessoas dos EUA estão empenhadas em difamar a cooperação da China com o Brasil e outros países da América Latina apenas com base em especulações subjetivas, sem conseguir trazer nenhuma evidência convincente', diz o porta-voz da China em Brasília,  Li Qi
'Algumas pessoas dos EUA estão empenhadas em difamar a cooperação da China com o Brasil e outros países da América Latina apenas com base em especulações subjetivas, sem conseguir trazer nenhuma evidência convincente', diz o porta-voz da China em Brasília, Li Qi Foto: Ricardo Stuckert/PR

O embaixador Brian Nichols é a principal autoridade no Departamento de Estado dos EUA para tratar de temas relacionados às Américas. Ele foi o segundo diplomata de alto escalão enviado por Biden em missão ao País, desde que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retornou de uma ampla visita de Estado à China, em abril, na qual relançou as relações com Pequim e buscou investimentos.

Na ocasião, Lula assinou 20 acordos governamentais, fez duras críticas ao domínio do dólar e celebrou o entendimento entre os bancos centrais do Brasil e da China para realizar transações diretas entre moedas próprias, o real e o yuan. A viagem ficou marcada por deferências de Xi Jinping a Lula e declarações do petista culpando os EUA pelo prolongamento da guerra na Ucrânia. Lula desagradou a Casa Branca.

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Na semana passada, Nichols recebeu o Estadão na embaixada norte-americana. Ele disse que os Estados Unidos têm o dever de responder à ofensiva chinesa em países emergentes, o chamado Sul Global, onde buscam influência econômica e geopolítica. Segundo ele, setores econômicos, empresas e o Estado, por meio de agências governamentais voltadas para financiamento e desenvolvimento, precisam oferecer alternativas concretas aos governantes, para que deixassem de buscar parcerias com o Partido Comunista Chinês.

A principal oferta da China é a Belt and Road, conhecida como Iniciativa Cinturão e Rota ou ainda Nova Rota da Seda. O projeto completa dez anos em 2023 e é um dos focos de expansão da influência chinesa, lançado por Xi Jinping. A iniciativa consiste em uma série de projetos de infraestrutura, financiados pela China ao redor do mundo, criando uma rede de escoamento de produtos, integrada por portos, pontes, hidrovias, rodovias, ferrovias, entre outros.

Mais de 20 países na América Latina já participam. Embora os chineses cortejem o Brasil, há divergências de perspectiva sobre o projeto no governo, e o presidente não assinou adesão participação brasileira quando realizou visita de Estado a Pequim e Xangai, em abril. Mesmo assim, autoridades do governo brasileiro, como presidente da Apex-Brasil, Jorge Viana, afirmaram que o Brasil tem preferência por parcerias com a China para a reindustrialização.

No comunicado diplomático, a embaixada afirmou que a Belt and Road resultou em “quase US$1 trilhão em investimentos, implantou mais de 3 mil projetos de cooperação, criou 420 mil empregos para os países parceiros e tirou cerca de 40 milhões de pessoas da pobreza nesses países”.

“A Iniciativa Cinturão e Rota é uma iniciativa de cooperação internacional aberta e inclusiva, sem quaisquer intenções militares ou geoestratégicas. A cooperação entre a China e os países parceiros baseia-se nos princípios da participação voluntária, igualdade, benefício mútuo, abertura e transparência. Nenhum dos países parceiros concorda com a alegação de que a Iniciativa Cinturão e Rota causa a chamada ‘armadilha da dívida’”, afirmou a chancelaria de Pequim.

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“A parceria entre a China e os países da América Latina, incluindo o Brasil, se baseia em respeito mútuo, igualdade, benefício recíproco, abertura e transparência. Foi implantado um grande número de projetos de alto padrão, sustentáveis e centrados no bem-estar do povo em áreas como comunicação, logística, transporte, agricultura, energia, eletricidade, habitação e construção urbana, o que tem estimulado o desenvolvimento econômico local e melhorado a qualidade de vida das pessoas, trazendo benefícios tangíveis para os países da região e seus povos”, disse a embaixada.

Além disso, o governo comunista afirmou que o governo adota “atitude de tolerância zero em relação à corrupção, exigindo que as empresas chinesas cumpram rigorosamente as leis e regulamentos locais durante os processos de licitação, construção, operação e gerenciamento de projetos”.

Brian Nichols fez campanha contra investimentos chineses nas Américas, durante entrevista exclusiva ao 'Estadão'
Brian Nichols fez campanha contra investimentos chineses nas Américas, durante entrevista exclusiva ao 'Estadão' Foto: WILTON JUNIOR

Reações desse tipo ocorrem somente seguindo instruções diretas de Pequim. A nota da embaixada chinesa em Brasília é mais um exemplo da nova postura assertiva adotada pela diplomacia, sob orientação do presidente Xi Jinping, recém-eleito para um terceiro mandato inédito e secretário-geral do Partido Comunista Chinês. Os EUA e a China protagonizam uma disputam global que acirrou os embates diplomáticos.

“Algumas pessoas dos EUA estão empenhadas em difamar a cooperação da China com o Brasil e outros países da América Latina apenas com base em especulações subjetivas, sem conseguir trazer nenhuma evidência convincente. A justiça e a verdade prevalecerão. A China continuará trabalhando com os países latino-americanos, incluindo o Brasil, para aumentar a confiança mútua e expandir a cooperação, de modo a beneficiar os dois povos com resultados mutuamente benéficos e vantajosos para todos”, expressou o porta-voz chinês.

quinta-feira, 1 de junho de 2023

O inteligentíssimo fim do mundo, Eugênio Bucci, OESP

 O filósofo Adauto Novaes, com sua fala mineira, sem atropelos ou turbulências, gosta de lembrar uma frase do poeta francês Paul Valéry: “Nós, civilizações, sabemos agora que somos mortais”. Lembrança pertinente. Com essas palavras, Valéry faz a abertura de seu ensaio célebre A crise do espírito, publicado na França no ano de 1919, lá se vão mais de cem anos.

Eram tempos traumáticos. O desafio do pensamento era reconhecer que a utopia iluminista, com a sua promessa de que a ciência libertaria a humanidade da peste, da fome e das guerras, dava sinais de fadiga. O morticínio gerado pela Primeira Grande Guerra era a prova irrefutável desse fato. O que se viu foi a distopia. Cientistas desenvolveram gases tóxicos para dizimar adolescentes confinados nas trincheiras. Aviões se convertiam em armas letais. O poder era o crime perfeito. Ficava mais do que evidente que a civilização, impulsionada pelas mais estonteantes invenções da técnica, era capaz de matar, inclusive a si mesma.

Depois do veredicto de Valéry, as coisas pioraram. Vieram o Holocausto, a bomba atômica e o aquecimento global. Além das civilizações, a própria humanidade se descobriu mortal. Cães raivosos não alcançam essa ideia, mas assim é.

Anteontem, o jornal The New York Times noticiou que um grupo que reúne os principais pesquisadores e executivos dos maiores centros de inovação tecnológica no mundo lançou uma advertência: o crescimento indiscriminado da Inteligência Artificial (ou simplesmente IA), outra conquista do gênio humano, pode empurrar a nossa espécie para a “extinção”. Não, a palavra não é exagerada. O texto do Times, assinado pelo colunista de tecnologia Kevin Rose, não envereda por firulas especulativas. Vai aos nós objetivos do problema.

Enorme problema. Para começar, as ferramentas baseadas em IA vão devorar milhões e milhões de empregos hoje ocupados por pessoas feitas de átomos de carbono. Essas pessoas cederão seu lugar para traquitanas que levam átomos de silício em sua composição e serão expulsas do mundo do trabalho. Os laços sociais serão convulsionados.

Em outra frente, dispositivos atrelados a algoritmos inteligentes vêm desempenhando um papel tenebroso nas campanhas de ódio e disseminação das mentiras mais destrambelhadas. As multidões, presas fáceis, se aglomeram em tropas de fúria e fanatismo, o que corrói as instituições encarregadas de verificação da verdade factual, como a imprensa, a ciência e a justiça. Ato contínuo, os alicerces das instituições democráticas se desestruturam.

Diante disso, alguém levanta a mão para fazer a pergunta inevitável: mas essas mesmas tecnologias não podem ser usadas “para o bem”? Podem, sim, é lógico. O veneno de cobra e a arma de fogo também podem ser usados “para o bem”. O livro de Adolf Hitler, Minha Luta, quando estudado por historiadores ou pensadores comprometidos com a democracia e os direitos humanos, pode servir a bons propósitos, como o de nos ajudar a impedir uma recidiva no nazismo. Em tese, tudo pode servir “para o bem”. O cianureto, o pernilongo e a música brega podem ser utilizados “para o bem”. No entanto, não é bem esse “bem” que se projeta como tendência quando o tema é IA. Os que mais entendem do assunto estão assustados. Ouçamos o que eles dizem.

“Debelar o risco de extinção representado pela IA deve ser uma prioridade global ao lado de outros riscos de escala social, como pandemias e guerra nuclear”, afirma o manifesto de uma única frase assinado por cerca de 350 cientistas e dirigentes de empresas. Entre os signatários estão Sam Altman, presidente executivo da OpenAI, e Demis Hassabis, presidente executivo do Google DeepMind, além de Geoffrey Hinton e Yoshua Bengio, ganhadores do Prêmio Alan Turing, uma espécie de Nobel da tecnologia.

O risco da extinção de que eles falam não deve ser entendido como o risco de uma catástrofe nuclear. Não é que alguém vá lá, ligue o computador e, num estrondo, as populações de todos os países partirão desta para uma pior. Não será assim. A civilização, nesta hipótese da extinção por IA, desaparecerá aos poucos, num suspiro longo.

As ferramentas de IA vão aos poucos tomando posse dos protocolos discursivos que, desde sempre, orientam as condutas humanas. O jargão jurídico é um desses protocolos. O método científico é outro. A atividade dos médicos é um terceiro tipo. As religiões também têm os seus, que não se confundem com os anteriores. Todos esses protocolos têm um traço comum: eles são construídos na linguagem. Quando a IA aprende a falar, como se fosse gente, ela se apropria dos protocolos que formatam comportamentos individuais e sociais e, a partir daí, tudo muda de figura.

Como resultado, o ser humano perderá relevância, enquanto os protocolos desumanizados se expandirão. Da nossa irrelevância brotará o ciclo vicioso que vai nos escantear e, depois, nos extinguir. A menos que a democracia tome providências. Segundo o grupo seleto que assinou o manifesto de uma única frase, ainda há tempo.

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JORNALISTA, É PROFESSOR DA ECA-USP

ESTADÃO / ESPORTES / FUTEBOL ‘Assistência de gandula’ e reposição rápida de bola: o que há por trás do gol de Roger Guedes, OESP

 A vitória e classificação do Corinthians diante do Atlético-MG pela Copa do Brasil nesta quarta-feira teve diversos heróis: Bidu e Renato Augusto, que participaram do gol que abriu o placar na Neo Química Arena; Róger Guedes, autor do segundo, seu 29º na casa corintiana, que levou a disputa aos pênaltis; e Cássio, que defendeu a cobrança de Hulk. Mas um dos principais foi alguém que não estava em campo: o gandula, que ajudou o time a marcar o segundo gol no jogo.

Subestimado, o gandula tem seu papel no jogo relevado após o resultado final. Com personalidades desconhecidas, têm uma função essencial: auxiliar as equipes na reposição da bola ao campo de jogo – e também são usados para retardar a partida para os visitantes. Designados pela equipe mandante na Copa do Brasil e Brasileirão, raramente chegam aos holofotes, excente em momentos como o desta quarta-feira.

corinthiansCorinthians avança na Copa do Brasil; veja gols e pênaltis
 
S.C. CORINTHIANS PAULISTA
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Aos 19 minutos do segundo tempo, o Corinthians precisava de mais um gol para não ser eliminado pelo Atlético-MG em casa. Há pouco tempo a equipe, no mesmo lance, havia acertado duas vezes a trave defendida pelo goleiro Everson. Após a saída pela lateral, o gandula da Arena foi ágil para devolver a bola para Matheus Bidu, que encontrou Róger Guedes livre, entre as duas linhas de marcação do Atlético-MG, ainda paralisada pela reposição rápida do lance.

Róger Guedes anotou o segundo gol da vitória corintiana sobre o Atlético-MG.
Róger Guedes anotou o segundo gol da vitória corintiana sobre o Atlético-MG. Foto: Rodrigo Coca/Agência Corinthians

O camisa 10 recebe o crédito pelo gol, merecidamente, após driblar dois zagueiros e o goleiro Everson antes de empurrar a bola para as redes do Atlético. “Estou muito feliz com a classificação, Deus está me abençoando. Vou em busca de mais. Temos o Brasileiro pela frente e vamos tentar ganhar do Del Valle (na Libertadores) também”, afirmou, em entrevista logo após a vitória.

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Do momento que a bola sai de campo pelo lateral, até chegar ao pé de Róger Guedes, pela ponta esquerda, passaram-se apenas três segundos. Tempo fundamental para que o camisa 10 estivesse livre, entre as linhas de defesa rivais.

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Por outro lado, esse “benefício” do gandula para a equipe mandante já foi alvo de atenção para a comissão de arbitragem da CBF. Em geral, recomenda-se que a bola não seja entregue nas mãos do cobrador, mas sim rolada ou deixada ao chão. Durante a pandemia, com a ausência do profissional e de pessoas no campo que não fossem membro da equipe, pequenos cones eram distribuídos ao redor do gramado, para que não houvesse o contato do gandula com o jogador.

Em 2012, um lance semelhante no Campeonato Carioca já havia gerado polêmica. Fernanda Maia, à época com 23 anos, devolveu rapidamente uma bola que havia saído pela lateral ao Botafogo na decisão da Taça Rio contra o Vaso. Ela parou nas mãos Maicosuel, que cobrou rapidamente para Márcio Azevedo, que fez o cruzamento para o gol de Loco Abreu.

“Sou gandula há três anos e pode ser Botafogo, Vasco , Flamengo ou Fluminense... Eu sou sempre ligeirinha. O mérito é daquele cara ali. Foi o Maicosuel que cobrou rápido. Podem pegar os VTs dos jogos, eu sempre faço isso. Aliás, seguimos à risca a orientação da Federação, que nos pede para atuar do mesmo jeito para as duas equipes”, explicou Fernanda à época. Hoje, mais de 10 anos depois, ela se tornou apresentadora e locutora oficial dos jogos do Botafogo no estádio Nilton Santos.