quarta-feira, 28 de setembro de 2022

Hélio Schwartsman - Nas eleições proporcionais, excesso de opções nos empurra para voto enviesado, FSP

 Quanto mais opções, melhores nossas chances de fazer a escolha certa, não é mesmo? Não. O psicólogo Barry Schwartz, em "O Paradoxo da Escolha", mostra que nós temos um problema quando o supermercado da esquina oferece 285 variedades de biscoitos, 85 qualidades de suco, 95 opções de salgadinhos e 61 tipos de filtro solar. Não há a menor chance de estudarmos detalhadamente cada produto para descobrir de modo racional qual melhor supre nossas necessidades. Quanto tempo um consumidor pode dedicar à seção de bolachas?

Nossos cérebros "resolvem" o problema da multiplicação das opções simplesmente se agarrando ao viés cognitivo, isto é, ao atalho mental que estiver mais à mão. É mais provável que tomemos a decisão de compra baseados em coisas como reminiscências de infância, embalagem chamativa, marketing agressivo ou hábito do que nas qualidades intrínsecas do produto.

E a ala dos biscoitos fica no nível playground infantil quando comparada às seções de deputados federais e estaduais à disposição dos eleitores brasileiros, que votam num sistema de listas abertas. Paulistas, por exemplo, temos diante de nós 1.540 opções de deputado federal e 2.059 de estaduais. E, ao contrário dos itens de supermercado, eles não vêm com rótulo com informações técnicas confiáveis.

Assim, não surpreende que a maioria dos cidadãos postergue a decisão para os derradeiros instantes e, daqui a quatro anos, nem se lembre do nome escolhido. Também não surpreende que as pessoas, em vez de estudar a trajetória de cada candidato ou de uma amostra deles, recorra a atalhos como reminiscências, hábito, saliência nas propagandas, beleza, palpites de pastores, amigos etc.

Basicamente, nosso sistema eleitoral, em vez de encorajar o voto consciente, nos impõe uma tarefa cognitivamente impossível, que nos empurra para uma escolha enviesada. Já fui bem mais simpático às listas abertas do que sou hoje.

Quais são as sete maravilhas econômicas de um mundo preocupado, FSP

 

Ruchir Sharma

Presidente da Rockefeller Internacional

FINANCIAL TIMES

Em períodos sombrios como este, quando os comentaristas só veem defeitos na maioria dos países, vale a pena destacar os poucos que desafiam o pessimismo prevalecente. Aqui estão sete que se destacam em um mundo que caminha para a recessão e uma inflação mais alta: VietnãIndonésiaÍndiaGréciaPortugalArábia Saudita e Japão.

Eles compartilham de alguma forma de combinação entre crescimento relativamente forte, inflação moderada ou fortes retornos em seus mercados de ações –se comparados a outros países. Por uma fascinante coincidência, a maioria deles também desafia os preconceitos profundos que existem sobre as perspectivas supostamente medíocres de certos países, culturas e sistemas.

O nome menos surpreendente na minha lista é o do Vietnã, que serve como exemplo de comunismo que funciona. À medida que crescem as tensões geopolíticas com a China, as empresas do Ocidente optam por se defender por meio de uma estratégia de "China mais um" –e muitas vezes esse "um" país que serve como fonte adicional de abastecimento é o Vietnã.

Jovens na saída de uma loja varejista em que se lê na fachada Seven Eleven
Konbinis, pequenas lojas de cacarecos do Japão. País é um dos raros que ganham com o retorno da inflação, agora em torno de 2% ao ano. - Divulgação

Ao investir pesadamente na infraestrutura necessária a uma potência de exportação industrial, e ao abrir suas portas, o Vietnã vem crescendo em quase 7% ao ano, o ritmo mais rápido do mundo.

As críticas às dificuldades econômicas dos países muçulmanos há muito ignoram o mais populoso deles, a Indonésia. Rico em recursos, o país está se beneficiando do boom mundial nos preços das commodities, mas, com seu mercado interno de 276 milhões de consumidores, não depende excessivamente das exportações. Suas dívidas são excepcionalmente baixas em comparação com outras economias em desenvolvimento, e a moeda indonésia apresenta estabilidade excepcional em um ano no qual a maioria das divisas vem caindo acentuadamente diante do dólar.

O resultado é uma mistura benigna de 5% de crescimento com menos de 5% de inflação, que faz da Indonésia um exemplo brilhante de islamismo economicamente competente.

Embora os números do crescimento da Índia sempre pareçam melhores do que de fato são por conta de sua base baixa, a economia do país continuará a ser uma das que mais crescem no mundo. As autoridades econômicas adotaram reformas suficientes para atrair os investidores que, assustados com a campanha de repressão regulatória na China, agora estão gravitando para a segunda maior economia emergente. Novos investimentos em serviços digitais e na indústria estão dando frutos e o vasto mercado interno isola a Índia da recessão global.

Alguns dos chamados "PIGs" [Portugal, Itália e Grécia] –os países que tiveram posição central na crise da dívida da zona do euro há uma década– agora estão revivendo. Grécia e Portugal reduziram seus déficits governamentais em mais de 50%, e estão menos expostos que a maioria da Europa aos choques no abastecimento do gás natural proveniente da Rússia.

A Grécia vem recebendo estímulo do renascimento do investimento estrangeiro –e do turismo, cuja parcela em seu PIB (Produto Interno Bruto) a Covid havia reduzido de 20 para 15%. O índice de inadimplência nos empréstimos bancários é de menos de 10%, ante 50% durante a crise. Agora crescendo em mais de 4% anuais e com a inflação caindo rapidamente, a Grécia está desfrutando de uma das recuperações mais saudáveis da região.

Portugal está em posição semelhante. O governo investe sabiamente as verbas de apoio da União Europeia, e está reformando um dos sistemas de aposentadoria mais generosos do continente, enquanto um "visto dourado" especial atrai uma maré de novos imigrantes ricos. Talvez não por acaso, o mercado de ações com melhor desempenho no mundo desenvolvido este ano é o de Lisboa. O acrônimo PIGs ficou no passado.

A Arábia Saudita está liderando um movimento entre os países do Golfo Pérsico para diversificar sua economia para além do petróleo. As reformas, que incluem o afrouxamento das restrições impostas às mulheres, trabalhadores, turistas e vida noturna, ajudaram a impulsionar o crescimento projetado para quase 6% anuais, nos próximos dois anos.

O regime está investindo o dinheiro do petróleo em infraestrutura, o que inclui dez cidades inteligentes que prometem uma versão futurista e sem carros da vida urbana. Embora duramente criticado por conta da repressão política, e com alguma distância a percorrer quanto aos direitos civis, o reino também está expandindo as liberdades econômicas, o que coloca esse país petroleiro na vanguarda do desenvolvimento urbano ecológico.

O país mais surpreendente da minha lista é o Japão, onde o crescimento está realmente passando por uma retomada. Depois de ter sido perseguido pela deflação durante anos, o Japão é também um dos raros países que ganham com o retorno da inflação –que agora passa um pouco dos 2% anuais. Sua cultura empresarial supostamente fraca vem aumentando as margens de lucro.

Os custos de mão de obra são agora mais baixos no Japão do que na China. O iene barato está impulsionando as exportações e poderia reavivar o vigor animal do mercado, à medida que o cancelamento das restrições da Covid, que demorou muito a acontecer, atraia de volta os visitantes.

Qualquer uma destas economias poderia, é claro, sofrer tropeços, e entrar em reversão por uma reviravolta em sua liderança, situação política ou por efeito da complacência. Ainda assim, esses países já estão os mercados de ações de melhor desempenho este ano. Em meio à preocupação bem fundamentada sobre as perspectivas globais, estamos vendo surgir um novo conjunto de vencedores.

Tradução de Paulo Migliacci

sábado, 24 de setembro de 2022

Fernando Reinach :Rumo a uma agricultura sustentável, OESP

 

Foi descoberta uma maneira eficiente de produzir adubos nitrogenados sem utilizar combustíveis fósseis, isso vai tornar a agricultura sustentável.

Plantas precisam de nitrogênio para crescer, e apesar de o nitrogênio ser o elemento mais comum na atmosfera, elas não conseguem utilizá-lo diretamente, pois dependem de microrganismos presentes nas raízes de algumas plantas (como a soja e o feijão) para transformar o nitrogênio gasoso em compostos nitrogenados.

Produzir adubo de forma sustentável é um dos desafios para a agricultura (Jenne Roriz/Estadão)
Produzir adubo de forma sustentável é um dos desafios para a agricultura (Jenne Roriz/Estadão) 

As plantas que não possuem esses seres (a maioria) precisam retirar os compostos do solo. Como existe pouco do elemento ali, precisa ser adubado. É aí que entram os compostos nitrogenados utilizados como adubo. Hoje, esses materiais são produzidos a partir da amônia, obtida em um processo industrial chamado de Haber-Bosch, inventado no início do século XX. Neste método, o nitrogênio do ar é combinado com hidrogênio vindo de combustíveis fósseis.

A utilização dessas fontes de energia para produzir a enorme quantidade de adubo que a humanidade utiliza que torna a agricultura menos sustentável. Para se ter uma ideia do tamanho do problema, basta lembrar que 175 milhões de toneladas de amônia produzidos anualmente são responsáveis por aproximadamente 2% de todo o gás carbônico liberado na atmosfera.

Faz algumas décadas que os cientistas tentam produzir amônia sem utilizar combustíveis fósseis. Um dos métodos mais promissores consiste em usar eletricidade (que pode vir de fontes renováveis como a eólica ou solar) para combinar íons de lítio com o nitrogênio gasoso, produzindo nitreto de lítio. No segundo passo, os três átomos de lítio são substituídos por três de hidrogênio, produzindo amônia.

Neste processo, o lítio funciona somente como um auxiliar na reação, uma vez que é consumido e depois regenerado. O resultado final é que se usam os elétrons da corrente elétrica para permitir a ligação dos hidrogênios aos átomos de nitrogênio. Esse é um processo absolutamente limpo e sustentável. O problema até agora é que ele não era economicamente viável, pois somente uma pequena parte da energia proveniente da eletricidade era utilizada.

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A técnica é muito parecida com uma eletrólise: aquele experimento que fazemos na escola, onde passamos uma corrente elétrica em uma solução aquosa para separar os átomos de hidrogênio e oxigênio presentes em uma molécula de água (não tente fazer em casa). Manipulando a composição dos íons presentes na solução em que ocorre a reação e os eletrodos imersos na solução, os cientistas conseguiram melhorar muito a eficiência do processo.

Com o novo método, 100% da energia presente na eletricidade consumida é retida nas moléculas de amônia. Com esse aumento de eficiência, e consequente diminuição dos custos, os cientistas acreditam que será possível construir fábricas de amônia totalmente sustentáveis, usando como fonte de energia a eletricidade renovável, em vez dos combustíveis fósseis.

Outra vantagem desse processo é que o capital necessário para construir as fábricas é muito menor e, portanto, poderão ser menores e instaladas em locais próximos das que produzem a energia elétrica. Podemos imaginar um futuro em que parques de energia solar serão instalados no Cerrado brasileiro, junto a fábricas de fertilizantes. Essa produção local, distribuída e de menor escala, vai permitir cortar os custos de importação e transporte.

Quando essas fábricas estiverem produzindo toda a amônia necessária para fabricar os compostos nitrogenados utilizados como adubo, a produção de alimentos vai deixar de contribuir com os 2% da emissão de gás carbônico liberados na atmosfera todos os anos. No entanto, lembre que essa descoberta ainda está nos laboratórios e não sabemos com precisão quando as primeiras fábricas-piloto serão construídas, mas pode ter certeza de que, caso as fábricas atuais de amônia tiverem de pagar pelo carbono liberado na atmosfera pela queima de combustíveis, essa transição será bem mais rápida.