Clarissa Garotinho, do União Brasil, veio com tudo no lançamento de sua campanha ao Senado pelo Rio de Janeiro. Castração química de estupradores, ela bradou na estreia do programa eleitoral, à frente de uma multidão de bandeiras. Nas pílulas da propaganda, a proposta se completa com castração química de estupradores... E pedófilos.
Escrever sobre a castração de Clarissa já é ponto para Clarissa. Castração química de estupradores é meme nascido para se replicar. As três palavras bem encaixam na métrica, têm ritmo, e cada termo, em separado, traz em si um escândalo. Castração química de estupradores. Foi ouvir o trava-língua, para repeti-lo em moto perpétuo.
Ao fundir a pauta de combate à violência contra a mulher com a do bandido bom é bandido morto, Clarissa mostra que herdou o oportunismo político do pai.
Qualquer ressalva à proposta transforma o crítico em cúmplice de estupradores e pedófilos. Quem se habilita?
Eu não condeno o tratamento psiquiátrico de perversos com transtorno grave de comportamento e creio que já existem dispositivos legais para medicar criminosos com distúrbios mentais irreversíveis. O que temo é o espírito de Savonarola da candidata em marcha, à frente de um exército impoluto, pedindo a cabeça dos degenerados.
A castração química de estupradores e pedófilos é prima da lobotomia de assassinos e infratores; irmã da esterilização de moradores de rua e drogados e tia do troque o feminicídio pelo homicídio, armando a mulher com uma pistola. A castração de estupradores é parente distante da pena de morte.
Se 2013 serve de marco, ano que vem completamos dez anos de manifestações de rua, escândalos de corrupção, recessão e golpes; de tem que manter isso aí, de Jair se acostumando e de se acostumar com as hemorroidas, tobas e trozobas do capitão do Planalto. Embrutecemos. Os dez anos de atoleiro republicano pariram o populismo feminista totalitário de Clarissa Garotinho, estranho fruto transgênico da famigerada polarização.
Aliada à direita bolsonarista, Clarissa não vê contradição em abraçar pautas ligadas aos direitos da mulher e apoiar um candidato com rejeição recorde entre o eleitorado feminino. Pressionada pela disputa com Romário, ela busca votos fora do próprio cercado. A proximidade das eleições torna inevitável a invasão desse campo mal arado, onde pasta a terceira via.
No debate da Band com os candidatos à presidência, Messias não suportou ser interpelado por mulher e agrediu Vera Magalhães, após a pergunta da jornalista sobre a queda da cobertura vacinal no país.
"Vera, não podia esperar outra coisa de você. Você dorme pensando em mim. Tem alguma paixão por mim. Você não pode tomar partido num debate como este, fazer acusações mentirosas a meu respeito. Você é uma vergonha para o jornalismo brasileiro", disse o presidente.
Ciro tinha direito ao comentário e ignorou o machismo e o destempero de Bolsonaro, preferindo apontar para a militância petista. Respeito Ciro Gomes, talvez não lhe reste alternativa que não a de mirar no eleitorado à esquerda, mas, a esta altura, comparar Bolsonaro a Lula, como se os dois candidatos operassem segundo as mesmas regras, é um desserviço público.
Não existe antagonismo entre Lula e Jair, o antagonismo é entre Jair e o resto da bancada presente, Lula incluído.
Quando Lula propôs, em rede aberta, uma aproximação com o PDT, Gomes sorriu e recusou, chamando o oponente de encantador de serpente. A política exige estômago para digerir traições. Gomes se apresenta como a saída para a polarização, mas precisa dela para continuar no páreo.
O problema dos que disputam a terceira via é que ela já foi costurada com Geraldo Alckmin. Na entrevista que concedeu ao Jornal Nacional, Lula deixou claro que o ex-governador de São Paulo não será um vice
decorativo. Em 2018, Alckmin foi sonho de consumo de parte dos eleitores da terceira via, mas não pontuou nem com um capítulo inteiro de tempo de novela, no horário nobre da televisão.
Alckmin se aliou ao carisma de Lula, único capaz de vencer o pleito, e fez o primeiro movimento por uma frente democrática. Para os que preferem morrer a votar no petista, sugiro que apertem a opção Alckmin nas urnas e, em caso de vitória, cobrem do vice o poder de voz.
Com as pesquisas estacionadas no núcleo duro dos dois líderes da corrida, Lula na dianteira e Bolsonaro subindo lenta e gradualmente, como num sonho persecutório, as chances de definição no primeiro turno são improváveis. Mas que seria bom tentar dar por encerrado no dia 2 de outubro, num gesto não de submissão ao PT, mas de basta ao desvario de uma década, ah... isso seria.