Apontado como um dos principais "candidatos a papa" do primeiro conclave do século 21, aquele que se seguiu à morte de João Paulo 2º em 2005, o cardeal brasileiro acabou se tornando o inspirador de um dos nomes papais mais surpreendentes da história da Igreja Católica, o escolhido pelo argentino Jorge Mario Bergoglio, em 2013.
Hummes recontou a história da seguinte maneira ao jornal italiano "La Stampa": "Os votos convergiam para ele [Bergoglio]. Ele estava muito introspectivo, silencioso. Quando as coisas começaram a ficar um pouco mais perigosas para ele, eu o confortei. Depois, houve o voto definitivo e começou um grande aplauso. Eu logo o abracei e beijei. E lhe disse aquela frase, ‘Não se esqueça dos pobres’. Eu não tinha preparado nada, mas naquele momento me veio do coração, com força, dizer-lhe isso."
É assim que dom Cláudio Hummes provavelmente entrará para a história: como o cardeal que ajudou o novo papa a escolher o nome Francisco, em homenagem ao "santo dos pobres" são Francisco de Assis, na primeira vez que um pontífice se arriscou a usar essa designação.
Lembrar-se dos pobres e de são Francisco foi algo extremamente natural vindo de um membro da ordem franciscana (fundada pelo santo de Assis), como era o caso de Hummes.
Nascido em 8 de agosto de 1934 numa família de lavradores de origem alemã de Montenegro, interior gaúcho, Auri Affonso Hummes se tornou Cláudio Hummes ao virar franciscano e receber a ordenação sacerdotal, poucos dias antes de completar 24 anos.
Professor de filosofia em seminários e universidades gaúchas, o frade se especializou na questão ecumênica (o diálogo entre as várias igrejas cristãs) e ocupou cargos importantes na estrutura de sua ordem e na CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) nos anos 1960 e 1970.
Mas foi a partir de 1975, com sua ordenação como bispo coadjutor de Santo André, na Grande São Paulo, que o jovem prelado passou a entrar em contato com o movimento sindical de operários da região, que tentavam se organizar em desafio às limitações impostas pela ditadura militar.
Oferecendo espaços da diocese de Santo André para que os operários pudessem se organizar, o bispo se tornou amigo do metalúrgico e futuro presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de se aproximar da Teologia da Libertação, corrente de pensamento que defendia a união entre fé e compromisso social e político.
Apesar do uso, por parte do governo militar, de algumas táticas de intimidação —como o sobrevoo de helicópteros do Exército num estádio onde o bispo celebrava uma missa, em 1978—, a aliança entre o religioso e os militantes sindicais nunca chegou a ser atacada frontalmente pela ditadura.
Com a democratização, o bispo franciscano passou a ser um crítico dos abusos do capitalismo e da globalização, antecipando, em parte, a pregação que o papa Francisco faria na segunda década do século 21.
Ao mesmo tempo, por se manter próximo da doutrina tradicional da Igreja Católica em temas envolvendo a moralidade sexual, como o aborto e uso de anticoncepcionais, seu prestígio durante o papado de João Paulo 2º se manteve intacto e até aumentou.
Tornou-se arcebispo de Fortaleza em 1996 e, dois anos depois, arcebispo de São Paulo. Em 2001, recebeu o chapéu de cardeal das mãos de João Paulo 2º, sendo convidado, no ano seguinte, para conduzir os exercícios espirituais anuais promovidos pelo papa (sua pregação na ocasião viraria um livro, intitulado "Sempre Discípulos de Cristo").
Embora tenha comemorado a ascensão do PT ao poder e reiterado sua admiração por Lula, Hummes não hesitou em criticar os escândalos de corrupção envolvendo o partido do então presidente.
Em sermão, chegou mesmo a afirmar que o povo tinha razão em desenhar o rosto de políticos nos Judas destruídos durante a tradicional malhação do Sábado de Aleluia, avaliando que, ao chegar ao poder, o PT estava sendo menos zeloso do que se esperaria do partido no combate às desigualdades sociais do país.
O corpo do cardeal será velado na Catedral Metropolitana de São Paulo, na Sé.