Há dois anos, quando comecei a dizer aqui que a cooptação por Jair Bolsonaro de militares, policiais e civis armados era a preparação para um golpe em caso de derrota na eleição, ouvi que estava vendo fantasmas debaixo da cama. No passado, essa imagem se aplicava aos comunistas, que, solertes, esperavam a hora de se pôr de pé, acender a luz e render os inocentes de pijama e camisola. Passaram-se 60 anos. Os comunistas seguem debaixo da cama, de onde nunca saíram, e quem hoje prepara o golpe —oautogolpe, como o definiu, com descaro, um general— é quem já está no poder.
É um golpe preparado às claras, com direito a ser pregado em carreatas, motociatas, cavalatas e outras atas bancadas com dinheiro público, sob a indiferença de instituições também pagas para coibi-las. E é tão ostensivo que, desde há algumas semanas, passou a ser abertamente denunciado pelos jornais e demais veículos de opinião, e nem assim os suspeitos de tramá-lo se dão à pachorra de desmenti-lo. É como se já o déssemos de barato —algo previsto para acontecer entre a eleição e o Dia de Finados.
Os golpes são dados para manter ou derrubar o status quo. O golpe que se anuncia pertence à primeira categoria. Significa que seus adeptos militares e civis estão contentes com o Brasil de Bolsonaro. Para eles, não há alta corrupção, destruição do meio ambiente, estupro e assassinato de indígenas, dissolução das instituições e afronta à autoridade por mandriões bombados açulados pelo mandrião mor.
É normal que nada disso diga respeito aos empresários. Mas eles parecem não se alterar também pelo desemprego, inflação, miséria, asco administrativo e estagnação da economia. A Bolsa não acaba de perder R$ 7,7 bi de investimento estrangeiro e o Brasil não continua fora do G7 nem cada vez mais esnobado pela comunidade internacional.
A solução? Ditadura com Bolsonaro —é o que nos prometem a seguir.
Com o enfraquecimento da Presidência nos últimos anos, o Congresso assume poder crescente sobre o gasto federal; sob Jair Bolsonaro (PL), a aliança com o centrão impulsiona despesas incluídas por deputados e senadores no Orçamento; graças a essas emendas parlamentares, elevam-se os recursos da estatal Codevasf.
Siga o dinheiro —a recomendação consagrada em língua inglesa para investigações intrincadas— e será constatado que os contratos da Codevasf privilegiam duas empreiteiras maranhenses pouco conhecidas e de práticas no mínimo heterodoxas, reveladas pela Folha.
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A primeira delas é a Engefort, para a qual estavam reservados R$ 620 milhões em verbas orçamentárias até o início do mês passado. Em 2021, a empresa venceu 53 de 99 licitações por pregão eletrônico para obras de pavimentação, por 10 vezes disputando sozinha e 9 ao lado de uma empresa de fachada de um irmão de seus sócios.
A outra é a Construservice, dona de R$ 140 milhões em contratos firmados durante o governo Bolsonaro —antes de 2019, ela não tinha transações com a administração federal. As credenciais dessa empresa são ainda mais nebulosas.
Seus dois donos no papel já declararam não sê-lo de fato, numa investigação policial de 2015. O verdadeiro mandachuva seria Eduardo José Barros da Costa, réu nas Justiças Estadual e Federal em ações referentes a casos de corrupção.
Corrupção, claro, é a primeira suspeita a vir à mente em casos de transações mal explicadas entre governo e empreiteiras —e há elementos para dar início a uma apuração rigorosa. Mas há outros danos ao Orçamento e à política pública em jogo. Cumpre fazer de volta a trilha do dinheiro.
As verbas da Codevasf subiram de R$ 1,7 bilhão (valores corrigidos), em 2018, para R$ 2,1 bilhões neste ano, mais da metade oriundos de emendas parlamentares. O aumento se deu num período em que os investimentos federais como um todo minguaram. Antes mais voltada à irrigação, a estatal diversificou seus projetos.
Mais recursos não significaram bons serviços, como mostram o asfalto esfarelado em Petrolina (PE) e as crateras em Imperatriz (MA). A pulverização do gasto público em obras paroquiais, sem análise de relevância, tende a reduzir sua eficiência econômica e social.
É desejável, numa democracia, que o Congresso seja decisivo na elaboração do Orçamento. Mas tal papel deve implicar responsabilização e prestação de contas.
Folha de S. Paulo – Três meses depois do acidente em uma obra da linha 6-laranja do metrô que provocou a abertura de uma cratera na marginal Tietê, o governo do estado de São Paulo anunciou que os trabalhos de limpeza dos túneis estão concluídos.
Com isso, a concessionária Linha Uni disse ter iniciado o conserto das tuneladoras.
No dia 1º de fevereiro, uma tubulação de esgoto se rompeu na altura da ponte da Freguesia do Ó durante a passagem do equipamento que perfura os túneis do metrô, popularmente chamado de tatuzão. O acidente foi no canteiro de obras sentido rodovia Ayrton Senna. Ninguém ficou ferido.
Segundo a concessionária estão sendo reparadas ou trocadas peças eletroeletrônicas, hidráulicas e metálicas do tatuzão.
A Linha Uni é a atual responsável pela PPP (Parceria Público Privada) de construção e gerenciamento da linha. O contrato está orçado em R$ 15 bilhões.
Em vista aérea é possível ver peças dos tatuzões, como a roda de corte do equipamento, e túneis limpos. Não foi informada a quantidade de dejetos retirada no processo de limpeza.
A obra tem dois tatuzões que estão parados por causa do acidente. O que se envolveu no acidente tinha previsão de perfurar de 13 a 14 metros por dia, sentido centro. O outro, que também precisou passar por reparos, deve percorrer entre 8 e 9 metros por dia em direção à zona norte.
Ao todo, o equipamento que se acidentou deverá escavar um trecho de dez quilômetros, possibilitando o acesso a uma dezena de estações. A previsão para a conclusão desta fase da obra era de 17 meses, quando a tuneladora começou a operar às vésperas do Natal do ano passado.
Para fazer a escavação, é usado um tatuzão com cabeça de corte de 10,6 metros de diâmetro, revestida com chromium carbide. Como um todo, o equipamento tem cerca de cem metros de comprimento.
O tatuzão não é apenas uma máquina de escavação. Dentro do equipamento com 109 metros de comprimento, 10,61 metros de diâmetro e que pesa 2.000 toneladas, há uma estrutura completa de apoio aos operários, com refeitório, unidade de enfermagem, esteira para retirada do material escavado, cabine de comando, além de outros equipamentos.
“As operações de escavação serão retomadas assim que todas as operações de montagem e reparo do equipamento forem concluídas”, afirmou a Linha Uni, em nota, que não citou custos do conserto do equipamento.
Questionado se precisará fazer alterações no projeto por causa do acidente, o consórcio não respondeu.
O surgimento do buraco causou transtornos. As pistas local e central, no sentido rodovia Ayrton Senna, tiveram de interditadas para veículos e a prefeitura chegou a abrir um caminho alternativo em terrenos particulares. O trânsito foi totalmente liberado em 22 de março.
No dia do acidente, o secretário dos Transportes Metropolitanos, Paulo Galli, apontou o rompimento de uma galeria de esgoto como o motivo do alagamento e da abertura da cratera.
Galli disse também que a tuneladora passava três metros abaixo dessa galeria. Portanto, segundo ele, não houve um choque entre o equipamento e a tubulação de esgoto.
O rompimento da tubulação de esgoto ocorreu quando o tatuzão passava cerca de três metros abaixo. O esgoto inundou o poço de ventilação da obra e fez ceder parte do asfalto da pista local da marginal, entre as pontes do Piqueri e da Freguesia do Ó.
A cratera foi preenchida com 4.000 m³ de concreto, o equivalente a 650 caminhões betoneira. Além disso, foram despejados 12 mil m³ de pedras no poço de ventilação da linha 6-laranja, o que corresponde a 1.200 caminhões basculantes.
A secretaria afirmou que segue acompanhando o andamento dos trabalhos do IPT (Instituto de Pesquisas Tecnológicas) para apurar os fatos e possíveis causas do acidente. Laudos ainda não foram divulgados.
Conforme o projeto, o túnel sob o rio Tietê tem 250 metros de extensão entre os poços de verificação de cada margem e passa cerca de 14 metros abaixo do leito.
O terreno onde foi escavado é formado por areia e argila. Quando em operação, haverá uma espécie de estacionamento de trens no local, em um túnel paralelo, com capacidade para duas composições.
Com 15 quilômetros de extensão, a linha terá 15 estações e irá ligar a Brasilândia, na zona norte, à estação São Joaquim, na região central. A expectativa é que sejam transportadas cerca de 630 mil pessoas por dia. Por passar perto de grandes instituições de ensino superior na capital, a linha ficou conhecida como “linha universitária”.
As obras foram retomadas em outubro de 2020 após quatro anos paradas. A entrega da linha foi prometida inicialmente para 2013.
Segundo o governo Rodrigo Garcia (PSDB), como as obras das estações, que ocorrem simultaneamente, não pararam, continua a previsão de que a linha será entregue em 2025, mesmo sem a estimativa de quando os tatuzões voltarão a perfurar a terra.