sábado, 9 de abril de 2022

Como morrem as cidades, Mauro Calliari, FSP

Na semana passada, visitei aquelas cidades que ficam na região da Estrada dos Tropeiros perto da Serra da Bocaina. Areias, São José do Barreiro e Bananal surgiram como rota de escoamento do ouro, cresceram com o café e foram minguando com o esgotamento do solo e a mudança da rota entre Rio e São Paulo, após a inauguração da Dutra.

A riqueza de outros tempos está expressa nos bonitos casarões, nas praças bucólicas e até na simpática Pharmacia Popular, em Bananal, a mais antiga em funcionamento no Brasil. A decadência foi retratada em Cidades Mortas, de Monteiro Lobato, que foi promotor público em Areias. No livro, a vida cotidiana do início do século XX é letárgica, pastosa, deslocada do resto do país, com uma atividade econômica de subsistência.

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A visita fez pensar. O que faz com que algumas cidades cresçam e outras desapareçam?

Vista aérea de zona residêncial em Mariupol, no sul da Ucrânia, em 3 de abril de 2022
Vista aérea de zona residêncial em Mariupol, no sul da Ucrânia, em 3 de abril de 2022 - Pavel Klimov/Reuters

A história está cheia de exemplos de cidades que surgiram e depois foram destruídas. Uma das primeiras grandes do mundo, Uruk, foi tragada pelo deserto após o rio Eufrates mudar seu curso. De Harapa, no vale do rio Indo, uma cidade com infraestrutura bem distribuída entre pobres e ricos, não sobrou nada. Cartago foi completamente destruída pelos romanos.

No livro Colapso o geógrafo e historiador americano Jared Diamond explica que grande parte do fim das civilizações do passado está ligada ao clima: falta d´água, mudanças climáticas ou esgotamento dos recursos ambientais. Tikal, uma das cidades mais importantes do império maia, desapareceu pelo crescimento populacional e erosão das terras após desmatamento. A população da Ilha de Páscoa consumiu todos seus recursos naturais num processo irracional que acabou com sua própria civilização.

O clima não explica todas as mudanças, há também a má gestão dos recursos e transformações econômicas.

Bruges, na Bélgica foi uma das cidades mais importantes do norte da Europa durante a Idade Média. Quando o acesso ao mar pelo canal foi barrado pelo lodo, seu porto perdeu importância econômica até ser reconstruído em outro lugar.

Recentemente o exemplo de Detroit dá a dica de como movimentos econômicos podem ser poderosos. A cidade é a sede da GM, Ford e Chrysler e declarou falência depois que a indústria automobilística americana perdeu espaço para a japonesa. A população caiu de quase dois milhões na década de 1950 para menos de 650 mil. Casas, escolas, estruturas e ruas se esvaziaram e hoje a cidade se esforça para retomar o uso desses espaços vazios transformando-os em hortas e espaços públicos.

As cidades também sucumbem pelas guerras. Na Segunda Guerra Mundial, Dresden sofreu um dos maiores bombardeios da história e Hiroshima foi aniquilada. Ambas foram reconstruídas e estão vivas.

Hoje, estamos assistindo atônitos à destruição sistemática das cidades ucranianas, como Mariupol, que perdeu 90% das estruturas urbanas – e torcendo para que um dia, os habitantes que fogem possam voltar e fazer reviver a cidade.

No Brasil, mesmo com uma história mais curta, não faltam exemplos de lugares que, em vez de crescer, minguam, desde as cidades que feneceram ao fim dos ciclos da cana e do ouro, até Fordlândia, que quase sumiu com o fim do projeto de plantar seringueiras, passando pelo incrível caso de Cococi, no Ceará, cuja população de 4 mil pessoas na década de 1960 foi migrando até chegar a seus atuais sete (!) habitantes.

Diante da constatação de finitude, vale a pena fazer o exercício de pensar nos cenários de eventos possíveis. Provavelmente, nosso maior risco deve estar mesmo nas mudanças climáticas. Desde a redução do ‘rio voador’ de umidade que vem do norte até a perda de cobertura vegetal que ameaça as nascentes, a falta d´água que vivemos em São Paulo em 2014 é um risco concreto.

Se é difícil imaginar o que pode acontecer quando uma cidade tão grande sucumbe, vale lembrar de Roma. Quando foi invadida, tinha quase um milhão de habitantes. Na Idade Média, esse número era de 40 mil pessoas, 4% da população original. Se uma catástrofe acontecesse aqui, melhor não pensar no que seria a luta pela sobrevivência, o caos de uma fuga em massa e o cenário apocalíptico de pessoas morando em meio a edifícios, museus, shopping centers, parques e ruas abandonados.

O exercício de considerar a finitude poderia e deveria nos ajudar a refletir sobre a importância de políticas públicas com relação ao clima, desde cuidar da Amazônia e do Cerrado até tomar conta das nascentes ao redor da cidade ou aumentar a cobertura verde. As eleições estão aí e o tema está soterrado embaixo de arranjos políticos e dezenas de pautas extemporâneas.

85% dos brasileiros vivem em regiões urbanas, que são menos de 1% do território brasileiro. Como seres vivos, as cidades nascem e crescem. Naturalmente, porém, como os seres vivos, também adoecem e podem até morrem. Cuidar delas e do ambiente que as alimenta parece ser o único caminho para garantir um futuro para quem vier depois de nós.

 

sexta-feira, 8 de abril de 2022

Lucro com Pix atrai PCC para roubos de celular em bairros nobres de SP, OESP

 Ítalo Lo Re, O Estado de S.Paulo

08 de abril de 2022 | 05h00

Os altos lucros obtidos por quadrilhas que fazem roubos por meio do Pix, ferramenta de pagamento instantâneo, atraíram a atenção do Primeiro Comando da Capital (PCC), conforme investigação da Polícia Civil de São Paulo. O Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic) identificou que a facção atua no controle de crimes de transferência de dinheiro com celulares roubados em bairros de classe média alta da capital.

Conforme os investigadores, a quadrilha tem uma célula na Bela Vista, região central, para desbloquear aparelhos roubados no bairro ou em áreas próximas, como a Paulista, Consolação e Jardins. Os ladrões levam os telefones rapidamente para quartos de pensões em pontos estratégicos, onde transferem valores antes que os donos tomem providências de bloqueio de senhas e comunicação do crime. “Você vê movimentações de R$ 50 mil, de mais de R$ 100 mil. Teve uma vítima que veio aqui e, em um só Pix, o cara fez um empréstimo de R$ 26 mil e transferiu tudo”, diz Anderson Honorato, delegado assistente da 2.ª Delegacia do Patrimônio. Segundo ele, o lucro obtido com as transferências efetuadas após os roubos é, em média, de cerca de R$ 50 mil por aparelho.

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Roubos dessa quadrilha específica envolvem ações simples, como pegar o celular no carro ou da mão do usuário e evitar o bloqueio Foto: DANIEL TEIXEIRA/ ESTADÃO

“Geralmente, quem rouba o celular ganha uma porcentagem do que eles conseguem desviar a partir do aparelho. Uma parte fica com o laranja da conta, uma parte fica com o chefão, uma parte com quem faz o trabalho. Vai fatiando: uma porcentagem para cada um”, explica o delegado.

A suspeita é que quando esse roubos começaram a ganhar força, no ano passado, não havia muito envolvimento de membros do PCC, uma vez que seriam crimes que atraem a atenção da polícia e atrapalham o tráfico. Com o tempo, contudo, viu-se que poderia ser algo lucrativo pelo valor das transações, e a organização criminosa cooptou a quadrilha que atua nas proximidades da Bela Vista. “Mais ou menos um mês atrás, a gente fez uma incursão”, relata Honorato. Cinco suspeitos de cerca de 20 anos foram detidos. O delegado relata, então, que eles explicaram o esquema e indicaram a intervenção do PCC. Posteriormente, o membro da facção que comandaria a quadrilha na Bela Vista foi detido pelos policiais, mas solto por falta de provas. Os investigadores aguardam autorização do Judiciário para analisar informações no celular do suspeito.

“A gente acredita que continua controlando a molecada que faz isso aí (roubos com Pix). Na quarta-feira, recebemos mais uma informação: um dos meninos que faz as transferências, ou os desbloqueios, teria acabado de receber um celular roubado”, conta o delegado. Com base na suspeita, os policiais do Deic flagraram na quarta-feira o suspeito da quadrilha em uma rua da Bela Vista.

O jovem de 22 anos, suspeito de ser um dos responsáveis por fazer o desbloqueio dos celulares, teria sido encontrado com um aparelho roubado na região do Parque do Ibirapuera. Conforme o delegado, ele estava saindo de uma pensão, local utilizado pelos criminosos que desbloqueiam o celular e fazem as transferências. Honorato aponta ainda que os roubos dessa quadrilha específica são concentrados na região da Bela Vista, o que facilita a execução das transferências por Pix. “O crime mais fácil para eles é pegar o celular aberto (destravado). A pessoa está lá vendo Google Maps no carro, quebram o vidro, pegam o celular e não deixam ele bloquear”, explica. “A quadrilha aproveita muito o trânsito parado para atuar. Na Paulista, tem o pessoal falando no celular, aí passa o cara de bicicleta, tem cara que se especializa em quebrar vidro de carro.”

No caso do suspeito preso nesta quarta, o delegado aponta que a técnica utilizada para desbloqueio de celular das vítimas era “bastante rudimentar”. “Ele tira o chip e coloca em um outro iPhone dele, que aí não tem senha. Em seguida, manda mensagem para a vítima, tentando enganá-la para clicar em alguma coisa para desbloquear o iCloud”, explica. “Desbloqueando o iCloud, ele derruba todo o resto. Troca a senha do celular original, volta o chip e aí começa.”

Honorato relata que essa é uma das técnicas, mas não a única. Ao conseguir desbloquear os celulares, segundo o delegado, os criminosos entram em contato com os responsáveis por conseguir as contas laranjas para onde o dinheiro é desviado – os chamados “tripeiros”. Eles seriam os que mais lucram no crime. “Um dos meninos falou que ele ficava com 10% e o tripeiro ficava com mais de 30%”, explica, em alusão ao primeiro grupo detido.

O membro do PCC que atua na Bela Vista, em meio a isso, tem a função de coordenar o fluxo de crimes e de puxar uma parcela do lucro para a facção, segundo a polícia. Após as transações serem efetuadas, há ainda uma outra etapa, de destinação dos celulares. Nessa parte, entrariam no processo quadrilhas com atuação no centro. Eles enviam, segundo a polícia, os aparelhos para serem vendidos fora do País. Até o momento, essa parte ainda está incipiente na investigação, mas o delegado informou que os policiais têm atuado para entender transações e o “caminho do dinheiro”.

Segurança reforçada

Em agosto do ano passado, o Banco Central fez uma série de mudanças no Pix após os casos de roubo e sequestros relâmpago dispararem em São Paulo e outras capitais. Depois disso, o sistema de pagamentos que opera em tempo real passou a ter limite de R$ 1 mil para operações entre 20 horas e 6 horas. Além do Pix, o limite também passou a ser aplicado em outras operações entre pessoas físicas, como compras pelo cartão de débito e em TEDs (Transferência Eletrônica Disponível) para reduzir a vulnerabilidade dos sistemas às ações de criminosos. Não há restrição para transferências e pagamentos a empresas nesse horário, apenas entre pessoas físicas e MEIs (Microempreendedores individuais).

Os bancos também passaram a respeitar um prazo mínimo de 24 horas e máximo de 48 horas para a efetivação de pedido do usuário, feito por canal digital, para aumento de limites de transações com TED, DOC (Documento de Ordem de Crédito), transferências entre bancos, Pix, boleto, e cartão de débito, impedindo o aumento imediato em situação de risco. 

quinta-feira, 7 de abril de 2022

Exportações do agronegócio rendem US$ 131 bilhões em 12 meses, FSP

 

As exportações do agronegócio atingiram o recorde de US$ 131 bilhões (R$ 621,2 bilhões) nos últimos 12 meses, um valor financeiro 28% superior ao de igual período anterior, conforme dados da Folha, com base em informações da Secex (Secretaria de Comércio Exterior).

Preços elevados dos produtos no mercado externo garantiram um montante tão alto. Em vista desse novo patamar de preços das commodities, a inflação se espalha por todos os países.

Máquina agrícola deposita grãos de soja no Distrito Federal
Máquina agrícola deposita grãos de soja no Distrito Federal - Lucio Tavora - 18.fev.22/Xinhua


O principal mercado brasileiro, de longe, continua sendo a China. Eles deixaram US$ 45 bilhões (R$ 213,4 bilhões) no país nos últimos 12 meses. Estados Unidos vieram a seguir, com US$ 9,5 bilhões (R$ 45,1 bilhões).

A Ásia é uma das regiões que mais se interessaram pelos produtos brasileiros. Dos dez primeiros países da lista dos principais importadores do Brasil, cinco são da região, todos com importações superiores a US$ 2,5 bilhões (R$ 11,9 bilhões) no período.

Entre os produtos mais exportados, a liderança continua com a soja em grão, que atingiu US$ 45 bilhões (R$ 213,4 bilhões). As proteínas somaram US$ 19,6 bilhões (R$ 92,9 bilhões) em receitas no período.

Isso ocorre apesar de a China ter ficado fora do mercado brasileiro por três meses na compra de carne bovina e de ter reduzido o volume adquirido de carne suína.

O açúcar, com oferta menor no mercado mundial, e consequente aceleração dos preços, também foi destaque. As receitas com o produto somaram US$ 9,3 bilhões (R$ 44,1 bilhões) de abril do ano passado a março deste.

As exportações de cereais não atingiram o patamar de anos anteriores, devido ao milho, que teve retração nas receitas, provocada pela seca e por geadas que afetaram a safrinha do ano passado. As receitas ficaram em US$ 5,62 bilhões (R$ 26,7 bilhões), com queda de 16%.

Em parte, a ausência do milho foi compensada pelo trigo, principalmente neste ano. Nos três primeiros meses, as exportações do cereal somaram 2,2 milhões de toneladas, com rendimento de US$ 663 milhões (R$ 3,14 bilhões).

Apesar de o país ser um tradicional importador de trigo, as exportações deste ano superaram as importações. O volume exportado neste ano foi 289% acima do de janeiro a março de 2021.

O setor de madeira, principalmente a do tipo bruto, manteve tendência ascendente. Nos últimos 12 meses, as exportações renderam US$ 4,9 bilhões (R$ 23,2 bilhões), 47% a mais do que em igual período anterior.





Carnes Sobre a liderança do Brasil nas exportações de carne bovina para os Estados Unidos. Antônio Camardelli, da Abiec (Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes), diz que é um bom sinal.

Parceiros As indústrias norte-americanas reconheceram que o Brasil não é um competidor, mas um parceiro para complementar a demanda interna de carne deles. Já a Europa ainda considera a indústria brasileira como competidora, afirma ele.

Líder Dados do Usda (Departamento de Agricultura dos Estados Unidos) de quarta-feira (6) indicaram que o Brasil desbancou o Canadá, a Austrália e o México nas exportações de carne bovina no primeiro bimestre deste ano para o mercado norte-americano.

Trigo A área semeada na safra 2022/23 soma 3,4 milhões de hectares, o que representa um aumento de 21% em relação à anterior. Paraná e Rio Grande do Sul lideram esse crescimento.

Trigo 2 As estimativas são da consultoria StoneX, que prevê uma produção recorde de 10 milhões de toneladas de trigo no período. Os preços incentivam o plantio, segundo a empresa.