sábado, 4 de setembro de 2021

Casa Verde e Amarela é muito pior que o Minha Casa Minha Vida, Rodrigo Zeidan FSP

 Cinco milhões de casas depois, mais de R$ 130 bilhões de subsídios diretos e R$ 100 bilhões do FGTS, o que podemos concluir do programa Minha Casa Minha Vida? A resposta não é simples, mas, em um país com péssimo uso do dinheiro público, o saldo é positivo.

Na discussão sobre déficit habitacional, até os Estados Unidos entraram no jogo. O governo americano acabou de anunciar um plano de subsidiar a construção de 100 mil casas populares. Lá, o déficit habitacional é gigantesco, mas concentrado geograficamente nas áreas mais produtivas do país, como Nova York e San Francisco. Há estimativas de que o país perca US$ 1,6 trilhão por ano por causa de regras de zoneamento ruins que impedem construção de imóveis nos lugares mais ricos.

No Brasil, a situação é mais complexa, pois a origem é em renda e crédito: quem é mais pobre tem muito mais dificuldade em conseguir um empréstimo imobiliário e se comprometer com o pagamento.

O presidente Bolsonaro visita unidade habitacional em Juazeiro do Norte (CE) - Marcos Corrêa/PR - 13.ago.2021/PR

Nesse ponto, o MCMV funcionou. Entregou crédito a quem não tinha acesso. Milhões de imóveis foram construídos. Ninguém foi obrigado a se mudar para áreas para as quais não queria ir. Para evitar muito desperdício, havia condições. Os terrenos deveriam estar totalmente regularizados, e a Caixa Econômica só liberava a construção depois de várias unidades estarem vendidas e com financiamento aprovado. Ou seja, não financiamos prédios fantasmas.

Os riscos operacionais não ficavam dentro do setor público. Legalização era problema da construtora, assim como oferecer imóveis onde as pessoas quisessem morar.

Todas as regiões do país foram contempladas pelo programa. Segundo relatório da Secap, os subsídios para o público de menor renda se concentraram nas regiões Nordeste e Sudeste, enquanto nas demais faixas de renda ficavam no Sul e no Sudeste.

[ x ]

O programa estava longe de ser perfeito e, como tudo no Brasil, foi feito na correria. Os subsídios públicos cresceram rapidamente até 2015, minguando desde então.

O programa tinha como meta construir 1 milhão de moradias, mas entregou cinco vezes mais. À primeira vista, isso pode parecer bom, mas não é. Por exemplo, para lidar com a explosão de novos imóveis, criaram-se até loterias para contemplar beneficiários.

Chagas e Rocha (2019) mostram que as loterias acabaram gerando incentivos para muitos beneficiários saírem do mercado de trabalho formal, por irem morar longe dos empregos onde poderiam estar trabalhando.

A falta de coordenação entre as esferas governamentais levou à perda de muitas oportunidades. Por exemplo, seria muito melhor a construção de milhares de moradias em áreas onde estados e municípios entrassem com a contrapartida de melhorar a infraestrutura local.

Bandeira e Reyes Junior (2021) mostram que o programa gerou mais valor nos municípios com melhor gestão de infraestrutura. Casa própria só é algo bom, a longo prazo, se a região se desenvolver junto; senão, vira um abacaxi.

Minha Casa Minha Vida acabou por decisão do governo, já que era dependente de despesas primárias discricionárias. Seu substituto, o Casa Verde e Amarela, é muito pior, com ínfimos recursos que agora também podem ser usados para reformas, retirando a essência do programa, que é reduzir o déficit habitacional.

O governo se preocupa com forma, não conteúdo. Um dia vamos aprender: não há melhor política pública que entregar dinheiro e crédito diretamente aos mais pobres, sem incertezas e com planejamento.


Golpe com Pix cria mercado ilegal de aluguel de contas para criminosos, FSP

 Rogério Pagnan

SÃO PAULO

Policiais civis de São Paulo foram acionados, no início de julho deste ano, para acompanhar o sequestro-relâmpago em andamento da filha de um diretor aposentado do Bradesco. A moça estava desaparecida havia seis horas e R$ 51 mil já tinham sido transferidos das contas dela, via Pix, para dois desconhecidos.

A investigação de documentos usados para abertura das contas levou os policiais a um endereço de Guarulhos. Lá, segundo registros oficiais, os investigadores encontraram Willian Anastácio da Silva, 24, que admitiu ter criado contas com nomes de laranjas para alugar a criminosos ligados a sequestro-relâmpago e ficar com parte do dinheiro dos crimes. Foi preso em flagrante.

O Pix tem sido usado por criminosos de São Paulo para tirar direito de vítimas de crimes - Rivaldo Gomes/Folhapress

Silva, segundo policiais ouvidos pela Folha, faz parte de um intenso mercado ilegal de aluguel de contas bancárias que impulsionam uma série de crimes cometidos em São Paulo com uso do Pix, como sequestro-relâmpagos, roubos e golpes cometidos após o desvio de aparelhos celulares.

Chamados de “conteiros”, eles ficam com parte do valor depositado pelos criminosos que executam os crimes.

A porcentagem varia de 5% a 20%, a depender do montante repassado pelos criminosos, segundo os policiais ouvidos pela reportagem. “A praxe, que se aplica no mundo criminoso, é 10% de tudo o que é depositado. Se o estelionatário deposita R$ 1.000, o dono recebe R$ 100”, disse o delegado Roberto Monteiro, delegado-seccional responsável pelos distritos do centro de São Paulo.

[ x ]

Conforme reportagem da Folhaexplodiu a quantidade de crimes praticados com o uso do Pix. De dezembro de 2020 a julho deste ano, foram 202 crimes entre roubos e sequestros-relâmpagos.

Ainda segundo Monteiro existem duas modalidades de contas usadas pelos “conteiros” nesse mercado criminoso. As contas quentes, em que a pessoa empresta a própria conta para receber o dinheiro, e as frias, criadas pelos criminosos com o uso de dados de pessoas inocentes.

“A proporção estimada aí é de 70% de aluguel de contas [quentes], contra 30%, em média, de pessoas que são realmente inocentes e que acabam tendo os nomes utilizados para abertura de contas fraudulentas. Isso é uma estimativa”, completou o policial.

Para o delegado, as contas fraudulentas são abertas, quase sempre, em bancos digitais. “Eles apresentam muitas falhas na validação de correntistas. Pedem os documentos, identificação por foto. Aí, comparam as fotos, mas os bandidos trocam as fotos pelo rosto de outras pessoas. Fraudam."

De acordo com o delegado Gilberto Tadeu Barreto, cuja equipe identificou e prendeu parte de uma quadrilha especializada em sequestros-relâmpagos na zona sul da capital, há criminosos especializados no aliciamento de possíveis “conteiros” —até as redes sociais são usadas para isso.

“Eles chegam a colocar postagens no Instagram e Facebook: ‘Está precisando de dinheiro? Tem conta corrente? Entre em contato’. Então, eles fazem esse tipo de aliciamento oferecendo um percentual sobre o valor. Eles dizem: ‘Olha, vai entrar X na sua conta, você fica com 10%, fica com 5%’. No fundo, no fundo, a pessoa sabe que a origem não pode ser lícita”, disse.

Ainda segundo o delegado, as pessoas que emprestam suas contas alegam à polícia que precisavam de dinheiro e, ainda, que não sabiam que os criminosos praticariam crimes graves. Consideravam ser algo imoral, mas não ilegal. Essa alegação, porém, não os livra de problemas.

De acordo com o delegado Ronaldo Sayeg, da divisão antissequestros, a Polícia Civil de São Paulo tem atacado os “conteiros” como forma de combater os sequestradores —que têm usado o Pix para receber o pagamento de resgate das vítimas.

“A partir de um olhar técnico e jurídico, nós entendemos que pessoas que emprestam as contas para criminosos são coautores do sequestro. É um elo de uma corrente sem o qual o crime não ocorreria. Não é simplesmente um receptador que se beneficia dos proventos do crime. Não, o ‘conteiro’ é um elo da própria quadrilha”, afirma.

Ainda de acordo com o delegado, muitas das pessoas que emprestam as contas são ligadas aos criminosos —como amigos e parentes. Assim, ao serem identificados, também respondem pelos crimes de extorsão e de associação criminosa, com penas que podem chegar a 16 anos de prisão.

Pelas investigações feitas pela polícia até agora, ainda segundo Sayeg, os “conteiros” ganham, em média, de R$ 1.000 a R$ 2.000 pela participação dos crimes. “Para a pessoa que só teve o trabalho de sacar o dinheiro no banco e ficar com R$ 1.000, pode parecer uma boa. Mas vai custar caro. Não paga nem parte do advogado e o tempo de cadeia. E, na verdade, eles são os mais fáceis de serem identificados”, disse.

O especialista em segurança Rafael Alcadipani, professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas), elogia a estratégia da polícia de ir atrás dos “conteiros”.

“Na medida que a pessoa sabe que está fornecendo a conta para uma atividade ilícita, ela faz parte da quadrilha. Porque acabou aquela imagem da quadrilha que se reúne no mesmo lugar e diz: ‘Vamos todos fazer a fita’. Hoje é tudo articulado por tecnologia, por telefone, por mídia social. Mesmo esse caso de Araçatuba, muitos não apareceram na hora da fita. Deu suporte anterior”, disse.

“Nesses casos, o ‘conteiro’ é fator determinante para o crime acontecer”, disse.

De acordo com Gustavo Monteiro, CEO do AllowMe, empresa especializada em proteção de identidades digitais, muitas contas laranjas são criadas com informações vazadas na internet, mas não existe uma central que o cidadão possa consultar para saber se seu nome foi usado de forma irregular.

Por isso, segundo ele, é importante ficar atento a indícios, como recebimento de SMS no nome de terceiros. “As empresas podem criar mecanismos de checagem para garantir que é mesmo o usuário que está realizando aquele cadastro”, diz.

Ainda de acordo com o especialista, o Banco Central disponibiliza uma ferramenta para consultar contas bancárias abertas no mesmo CPF.

Procurada, a Febraban disse em nota que “acompanha permanentemente todos os temas relacionados à segurança cibernética, ainda que eles não tenham origem no sistema financeiro”.

“Os bancos associados seguem à risca a resolução 4.753 do Banco Central, que dispõe sobre a abertura, a manutenção e o encerramento de conta de depósitos, e também consulta bases públicas para checagem de documentações usadas para a abertura de contas correntes”.

A entidade afirma ainda que os “bancos associados contam com o que há de mais moderno em relação à segurança cibernética e prevenção a fraudes”.

“A Febraban ressalta que as contas são pessoais e intransferíveis e jamais devem ser compartilhadas com ninguém, e eventuais crimes cometidos com o uso destas contas ocasionarão responsabilizações ao titular da conta”.