terça-feira, 13 de julho de 2021

ROGÉRIO CEZAR DE CERQUEIRA LEITE Pátria amada, Brasil (se sobrar alguma coisa), FSP

 Mais de 530 mil brasileiros mortos pela Covid-19. Inadvertência, dizem uns; omissão ou negligência, dizem outros. Deliberação, digo eu. Não foi negligência que atrasou a compra das vacinas da Pfizer, não foi inadvertência que obstacularizou a importação da Coronavac e outras.

Foram atos deliberados. E com isso morreram cerca da metade dos 500 e tantos mil. A diferença entre genocídio e tragédia é o fato de a ação que provocou a mortandade ter sido deliberada ou não.

Pátria amada, Brasil.

A cloroquina e seus similares não são substâncias inócuas, inofensivas. Ao aderir ao tratamento precoce, o infeliz se sente inatingível, se expõe ao vírus e não toma vacina. A propaganda dessas drogas é, portanto, um crime, pois mata e já matou muitos brasileiros, muito provavelmente.

Pátria amada, Brasil.

A condenação sistemática de meios de proteção contra o vírus também constitui crime contra a humanidade. Não porque o presidente tenha um histórico, ou uma distinção qualquer, ou mesmo uma qualidade intelectual mínima que seja, mas antes porque é, por um desses equívocos do destino, o presidente do Brasil.

Pátria amada, Brasil.

A febre neoliberal culminou com a aprovação da medida provisória que autoriza a privatização da Eletrobras. Apenas países de pouca importância econômica fizeram algo similar. Nos EUA, por exemplo, onde até usinas nucleares são privadas, as hidroelétricas são estatais.

O Brasil está vendendo seus rios, pois as hidroelétricas controlam o regime fluvial, e, portanto, vendendo suas águas, e água é vida. Esse ingênuo silogismo diz que o governo Bolsonaro está vendendo a vida dos brasileiros.

Pátria amada, Brasil.

A Polícia Federal foi colocada em camisa de força. A prestigiada instituição, que ganhou antes a necessária autonomia, agora é manietada não por seus eventuais excessos, mas simplesmente para socorrer os filhos traquinas, para não dizer coisa pior, do presidente. Os laranjas, as raspadinhas, estão agora protegidos.

Pátria amada, Brasil.

Dois terços do Rio de Janeiro, que já foi a cidade luz, estão nas mãos de milicianos, traficantes e outros meliantes. É hoje a cidade das sombras. Eu sei que não é de hoje, mas o caos chegou ao seu ápice nesta administração, unicamente por causa da inequívoca afeição dos rebentos do presidente por milicianos.

Pátria amada, Brasil.

O presidente, o representante do povo brasileiro, confessa sua idolatria pelo torturador e facínora coronel Carlos Brilhante Ulstra, e propõe a tortura como instrumento legítimo para lidar com criminosos (provavelmente querendo dizer comunistas, socialistas, esquerdistas em geral).

Pátria amada, Brasil.

As universidades federais estão para fechar. Cortes sistemáticos na educação e na pesquisa só confirmam as tendências zoomorfas do presidente. Suas limitações mentais não convivem bem com intelectuais, artistas, pesquisadores.

Pátria amada, Brasil.

As Forças Armadas estão vilipendiadas. O Exército “do presidente” se rebaixa e violenta sua própria classe para isentar o submisso acólito Pazuello. Também, de que serviria um Exército digno, com autoestima, quando chegar a hora do golpe? Eis o que esperam o presidente e seus asseclas.

Pátria amada, Brasil.

Por miserável subserviência aos EUA, o Brasil passa a hostilizar China, Rússia, países vizinhos e outros. Além do mais, o Brasil vem a ser visto em todo o mundo civilizado como o grande poluidor, o destruidor do meio ambiente.

O desmatamento atinge picos inadmissíveis. Desmatadores clandestinos, criminosos, recebem benesses do Ministério do Meio Ambiente. Enquanto passa a boiada, produz-se um desequilíbrio ambiental que jamais será recuperado.

Pátria amada, Brasil, se sobrar alguma coisa.


Hélio Schwartsman - Semipresidencialismo é para valer?, FSP

A proposta de adotar o semipresidencialismo é para valer? A viabilidade prática me parece mínima, mas, como adoro discussões sobre modelos políticos, vamos a ela.

Começo chamando a atenção para uma patacoada do ministro do STF Ricardo Lewandowski. Segundo o magistrado, falar em semipresidencialismo às vésperas do pleito de 2022 "lembra a polêmica que levou à implantação do parlamentarismo antes da posse de Jango na Presidência em 1961, com as consequências que todos conhecemos".

Não, não lembra. A adoção do parlamentarismo em 61, após a renúncia de Janio Quadros, foi uma espécie de golpe, porque tirou poderes de um cargo para o qual Jango já havia sido eleito, ainda que na condição de vice. Ninguém foi ainda escolhido para ocupar a Presidência a partir de 2023. E, como FHC já ensinou, dá azar sentar na cadeira antes do pleito. Dado que a analogia é uma das fontes do direito, preocupa que um ministro de corte suprema faça comparação tão desleixada.

No mérito, porém, me aproximo de Lewandowski. Não gosto muito do semipresidencialismo. Embora tenha precursores mais antigos, esse sistema surge mesmo em 1958, com a 5ª República Francesa. Sempre me pareceu um coelho que De Gaulle tirou da cartola para ampliar seus poderes e reduzir focos de impopularidade, que poderiam ser jogados na conta do primeiro-ministro.

Charles de Gaulle em visita à Escola Nacional de Administração, em 1945 - AFP

É verdade que funciona razoavelmente bem em várias nações, mas não me parece o mais adequado para o Brasil. No país do "fui traído" (Lula, 2005), do "fui vítima de uma conspiração" (Temer, 2017) e do "não posso tomar providências sobre tudo" (Bolsonaro, 2021), parece-me um erro oferecer mais possibilidades institucionais para governantes se eximirem de obrigações.

A maior virtude da democracia é simplificar os processos pelos quais o eleitor despacha maus governantes para casa. Assim, vejo com um pé atrás tudo o que dilua ou obnubile responsabilidades.

 

Biomassa já responde por quase 10% de toda a matriz energética do Brasil, Por André Trigueiro , Jornal da Globo, Edição do dia 29/10/2014

 André Trigueiro

00:00/05:43

A biomassa já responde por quase 10% da matriz energética brasileira e hoje é uma das principais linhas de pesquisa no país. Inclusive, já tem empresa produzindo a própria energia a partir da casca de arroz e de aveia.

A maioria dos brasileiros pode até não saber o que é biomassa, mas ela está pertinho da gente, todo santo dia. 

"Biomassa é toda matéria de origem vegetal ou animal que inclui resíduos, inclui plantações energéticas, inclui plantações de árvores, que podem ser também aproveitadas energeticamente e, até mesmo, resíduos sólidos urbanos, como, por exemplo, o lixo das cidades, resíduos rurais e resíduos de animais", explica Suani Coelho, coordenadora do Centro Nacional de Referência em Biomassa da USP (Universidade de São Paulo).

É difícil imaginar um país com mais biomassa que o Brasil e com tanto potencial. A biomassa responde por 9,53% da matriz energética brasileira.

Destaque para o bagaço de cana, resíduos florestais, lichivia, que é um subproduto da indústria papeleira, biogás do lixo e de resíduos agropecuários, casca de arroz, entre outras fontes. Mas, segundo os cientistas, o potencial de exploração energética da biomassa do nosso país equivaleria em uma conta conservadora a pelo menos quatro hidrelétricas de Itaipu.

Apenas a queima do bagaço de cana gera 10 mil megawatts. "Metade disso é para consumo próprio das usinas, mais ou menos metade é usada para ser exportada para a rede. Mas nós temos um potencial para dobrar essa exportação para a rede, portanto podemos ter mais de  uma Itaipu sendo produzida e sendo injetada na rede", aponta Suani Coelho.

É recente no país a exploração do gás do lixo, como já existe nos dois principais aterros de São Paulo. O Bandeirantes e o São João já foram desativados, mas continuam gerando aproximadamente 3% de toda a energia elétrica consumida na maior cidade do país. Mas se lixo urbano gera energia, o que dizer do lixo agrícola?

Uma fábrica de aveia no Rio Grande do Sul descobriu há três anos que a casca do cereal, descartada como resíduo, poderia substituir o gás natural. Desde então, 2.500 kg de casca são queimados por hora, uma economia de 30% no consumo de energia.

"Essa economia, além das mais de mil toneladas de gás efeito estufa que nós deixamos de pôr no ambiente, acaba tendo também uma economia real monetária e este é um bom exemplo em que nós produzimos de uma forma mais limpa e temos também o beneficio econômico", afirma Manuel Ribeiro, vice-presidente de operações da PepsiCo Brasil.

A matriz da multinacional festeja o feito da filial brasileira. É a primeira unidade deles no mundo que apostou na casca de aveia e se deu bem. E o que vale para a casca de aveia, vale também para a casca de arroz.

Uma fábrica na cidade gaúcha de Alegrete recebe todo o arroz produzido emum raio de 200 km.
A montanha de grãos que chega lá tem dois destinos. O miolo do arroz vira alimento. A casca se transforma em 5 megawatts de energia, o suficiente para abastecer a fábrica inteira e ainda cerca de 14 mil residências.

E do processo, patenteado pela empresa, saiu ainda um novo produto: a sílica ecológica, usada para engrossar a mistura de concreto e argamassa.  

"Hoje essa sílica é uma realidade da empresa e nós já  estamos comercializando em todos os estados da Região Sul e, inclusive, no estado de São Paulo", informa Lucas Matel, engenheiro químico da empresa.

O poder energético da biomassa é tão importante que se tornou uma das principais linhas de pesquisa da Embrapa Bioenergia, em Brasília.

Em uma parte do laboratório são guardadas amostras de biomassa que estão sendo investigadas pelos pesquisadores da Embrapa. O cavaco de madeira é um resíduo muito comum na  indústria de papel e celulose no Brasil. Tem ainda o capim elefante, que já é fonte de energia na Bahia.

Os gaúchos conhecem a casca de arroz queimada que vira energia renovável e a estrela de todas as biomassas de origem vegetal: o bagaço de cana. O objetivo das pesquisas é abrir novos caminhos no mercado para essas e outras fontes de energia vegetais.

Todas as amostras do laboratório são trituradas em máquinas especiais. Depois, esses equipamentos medem o quanto de energia cada uma é capaz de gerar. Os resultados são animadores.

"A grosso modo, falando, a gente poderia, com as tecnologias que temos hoje, talvez ter mais duas ou três ou mesmo quatro Itaipus de biomassa. Em uma época em que a energia está tão cara e tão escassa, isso faz diferença", diz José Dilce Rocha, pesquisador da Embrapa Agroenergia em Brasília.

No país do pré-sal, não é preciso buscar nem muito fundo, nem muito longe, energia limpa e renovável barata e farta. Basta prestar atenção no que está por aí.