quarta-feira, 7 de julho de 2021

Antonio Delfim Netto - Investimento público, FSP

 Temos insistido na importância da surpresa positiva com a recuperação cíclica da economia brasileira. Mesmo em meio ao ambiente de turbulência política permanente, os números da atividade têm sido robustos e disseminados entre setores, um passo importante na retomada.

As projeções apontam para crescimento em torno de 5,5% para o PIB do ano, o que, obviamente, não apaga os conhecidos problemas estruturais do país que levaram ao nosso processo de empobrecimento relativo, tanto em relação a nossos pares quanto a países desenvolvidos nos últimos 35 anos.

Na semana passada, foi divulgado um cuidadoso relatório (Infra2038) sobre um desses entraves: a carência crônica de investimentos —em particular do investimento em infraestrutura—, que compromete o crescimento econômico futuro e restringe os ganhos de produtividade. O estudo ilustra o tamanho do déficit de infraestrutura nacional e o quanto ainda nos falta caminhar em relação ao mundo.

Os dados complementam e confirmam o alarmante estado geral dos investimentos. Segundo a atualização das séries de estoque de capital feita pelo Ipea em maio, entre 2016 e 2019 o investimento líquido sequer recompôs a depreciação do capital, o que resultou inclusive na queda do estoque, também o de infraestrutura, em proporção do PIB. Estamos num processo de autofagia, comendo nossas próprias entranhas...

É preciso lembrar que o investimento público é o que dá ao setor privado a expectativa de que haverá crescimento e o induz a investir. Enquanto não houver a crença de que as condições objetivas para a aceleração do crescimento estão dadas, o setor privado não participa, principalmente quando o governo se esforça para tornar o futuro mais opaco.

A crise de 2015/16 agravou o quadro e produziu um desequilíbrio fiscal do qual não nos livramos totalmente, mesmo com a implementação do teto de gastos. A nossa recusa em rediscutir o Orçamento e reorganizar as contas públicas nos trouxeram até aqui.

[ x ]

O Ministério da Infraestrutura faz um excelente trabalho, principalmente na conclusão de obras paradas, "descongelando" capital produtivo que passa a ter taxa de retorno positiva, mas tem que "comemorar" quando consegue ampliar seu orçamento em ínfimo R$ 1 bi e lutar pelos imprescindíveis R$ 2,4 bi que faltam para concluir seu cronograma para o ano.

Sem um instrumento de revisão dos gastos públicos para priorizar e aferir a qualidade das despesas que estão no Orçamento, e sem o equacionamento da dinâmica endógena dos gastos obrigatórios, o destino do investimento público é mesmo ser uma nota de rodapé.


Hélio Schwartsman O medo como remédio, FSP

Sempre que escrevo sobre a cloroquina, leitores simpáticos ao uso "off-label" do fármaco me contestam. Até aí, normal. Mas usam muito amiúde um argumento que, penso, merece reflexão. Dizem que a droga deve ser prescrita, entre outras razões, porque a ciência não oferece outro tratamento contra a moléstia.

A afirmação não é 100% verdadeira, mas deixemos passar. A base do argumento é a ideia de que os médicos precisam fazer alguma coisa, mesmo quando não há nenhum remédio efetivo disponível. Soa estranho, mas a tese não é absurda.

O efeito placebo, afinal, é um fenômeno real e poderoso. Numa série de afecções, o simples fato de o paciente julgar que está recebendo tratamento já tem impacto positivo para a cura.

Se os placebos são assim tão bacanas, por que a medicina não os utiliza mais? A discussão aqui se torna ética. Apesar de meus pendores consequencialistas, defendo uma medicina bem kantiana, em que a transparência nas comunicações e a autonomia do paciente possam se materializar em grau máximo.

Nesse paradigma, o médico, quando diretamente questionado, não tem direito de mentir nem pode impor ao paciente nenhuma terapia com a qual este não concorde (exceção feita a quadros de psicose). O uso do placebo nubla em algum grau a transparência.

Admito, porém, que meu paradigma não é universalizável. Há pacientes que preferem ser poupados de más notícias e de decisões difíceis. O bom médico é justamente aquele tem sensibilidade para perceber quanta informação o paciente quer receber e dispensá-la na dose exata.

Voltando à cloroquina, o efeito placebo funciona mais para moléstias com forte componente psicossomático e quase nada para doenças infecciosas, nas quais pode ser um risco. Numa epidemia, uma das principais linhas de defesa coletiva é o medo, que faz com que as pessoas evitem situações de contágio. Sugerir tratamentos ilusórios mina essa defesa. 

Pela primeira vez na pandemia, Amazonas tem um dia sem registro de morte por covid-19, OESP

 O Amazonas não registrou nenhuma morte por covid-19 nesta terça-feira, 6, segundo dados divulgados pelo governo local. É a primeira vez que isso ocorre em 16 meses de pandemia. No período, o Estado assistiu a crises severas, como o cenário de falta de oxigênio em janeiro, com estatísticas elevadas de mortalidade. 

Os dados de óbitos causados pela doença vêm em queda desde o fim de fevereiro, após o pico recorde. O início do ano foi o período de alta da doença na região. Em 30 de janeiro, por exemplo, foram registradas 225 mortes no Amazonas pela covid-19. A média, em seu ponto mais elevado, chegou a ficar em 149 mortes por dia, em 4 de fevereiro. 

ctv-vuh-51295357895 755dae4845 c
Vacinação contra covid-19 realizada pela prefeitura de Manaus nesta terça-feira Foto: João Viana/Prefeitura de Manaus

A partir da metade de fevereiro, os registros começaram a cair consecutivamente até o ponto desta terça-feira. "Essa notícia nos enche de esperança. Vamos continuar trabalhando para avançar ainda mais na vacinação, o caminho mais seguro para sairmos dessa pandemia; e não podemos descuidar dos protocolos de prevenção", disse em nota o governador Wilson Lima (PSC).

O Estado registrou nesta terça-feira o diagnóstico de 719 novos casos de covid-19, o que fez o total chegar a 405.066 testes positivos. Já o total de óbitos seguiu inalterado em 13.349 vítimas. Na capital Manaus, houve um sepultamento de vítima de covid-19 na segunda-feira, 5, segundo a prefeitura. Outras 44,1 mil pessoas com diagnóstico positivo seguem sendo acompanhadas. 

 

Especialista chama atenção para ocupação de leitos e registro de casos

Para Jesem Orellana, epidemiologista e pesquisador da Fiocruz Amazonas, o número não representa um enfraquecimento da pandemia no Estado, já que existe uma diferença entre as mortes notificadas no dia e as que de fato ocorreram. "Uma coisa é o que os sistemas de informação dizem e outra completamente diferente é o que acontece no mundo real. Daqui a alguns dias, quando os dados forem atualizados, é provável que tenhamos registro de óbito hoje, por exemplo", explica. 

Cemitério Parque Taruma, em Manaus, Amazonas.
Cemitério Parque Taruma, em Manaus, Amazonas. Foto: Bruno Kelly/REUTERS

Orellana aponta ainda que, apenas nesta terça, Manaus voltou a ter mais de 200 leitos de UTI ocupados por pacientes de covid, além do aumento de casos. Entre 6 e 26 de junho, houve um crescimento de 43,8% no total de casos registrados, quando comparado ao período de 18 de abril a 15 de maio, mesma época em que a "segunda onda" eclodiu pelo País. 

"Tenho a impressão que estamos mergulhados em uma nova ilusão, a das vacinas. Foi assim em 2020 com a suposta imunidade de rebanho pela via natural. O ritmo lento da vacinação gera uma expectativa de curto prazo irreal na população", observa Orellana. Ele  aponta também para um alto número de pessoas com esquema vacinal incompleto se infectando, ao mesmo tempo em que novas variantes começam a circular pela região. 

"As pessoas se expõem, fazem o vírus circular e mutar, contribuindo assim para o desperdício de vacinas. Esse problema se torna ainda mais desafiador quando temos uma alta circulação viral ao longo do tempo", diz. "Só poderemos pensar em alívio parcial depois de termos pelo menos 50% da população vacinada com a segunda dose."

De acordo com os dados do consórcio de imprensa, apenas 13,70% da população do Amazonas já tem a imunização completa contra o coronavírus, percentual acima da média do País, de 13,13%. "Estar com a porcentagem um pouco acima da média em um país que ainda vacinou pouco é motivo de preocupação e não de euforia. Relaxamentos e atitudes que favoreçam a circulação viral seguirão nos deixando no topo da má gestão da epidemia."