Projeto Ocupa Rua permite que estabelecimentos comerciais do centro de São Paulo construam extensões dos negócios na rua
A primeira vez em que eu duvidei de pesquisas de opinião foi quando assisti, estupefata, à vitória do Donald Trump em 2016.
Quase todo mundo achava que a Hillary Clinton ganharia a Presidência —eu, inclusive— porque era o que previam os números publicados nos jornais e citados na tevê e nas mídias sociais.
Como a própria Associação Americana para a Pesquisa da Opinião Pública (AAPOR) admitiu em um comunicado à época, "as pesquisas claramente erraram". O New York Times, minha principal fonte de notícias dos Estados Unidos, fez vários mea-culpas buscando explicar porque suas pesquisas previram tão mal o resultado das eleições.
Os números publicados em quase toda a mídia durante a campanha passavam a mensagem "já ganhamos" a Clintou e seus apoiadores —e o erro de cálculo lhes custou a eleição.
Pagamos o preço dessa derrapagem todos os dias em que Trump desgoverna seu país e faz barbeiragens que respingam e repercutem pelo mundo, inclusive no Brasil.
Doeu.
Semana passada senti pela segunda vez a picada ardida de uma pesquisa equivocada.
O Datafolha quis saber se a população aprova a expansão do projeto piloto Ocupa Rua que criei em parceria com a Prefeitura de São Paulo, a chef Janaína Rueda e a Metro Arquitetos no centro do São Paulo.
Um projeto baseado no decreto de 5 de agosto que permite que estabelecimentos comerciais em um determinado pedacinho do centro de São Paulo construam extensões de seus negócios na rua, substituindo vagas de estacionamento.
O objetivo principal do piloto era compensar a perda de faturamento de bares e restaurantes que, além de menos frequentados pelo público, tiveram que eliminar boa parte dos assentos de seus salões por ordem da vigilância sanitária, para evitar a transmissão da Covid-19.
Essas extensões ocupando vagas de estacionamento são terraços protegidos dos carros por imensas jardineiras repletas de vegetação.
Ali os paulistanos podem comer ao ar livre (nos restaurantes Bar do Buraco, Sertó, Boi na Brasa, Berton Grill e Casa do Porco, entre outros) e beber com amigos (no karaokê Celeiro das Tribos ou no bar Tokyo). Ou podem, simplesmente, sentar em um banco para ler o jornal ou jogar conversa fora, como fazem no belo terraço construído pelo projeto em frente à Escola da Cidade (de máscara, claro).
Nenhuma única rua foi fechada, o trânsito circula normalmente. As restrições sanitárias são inúmeras e respeitadas à risca, a começar pelo grande espaçamento entre as mesas.
Eis que uma pesquisa do Datafolha distorceu o conceito do projeto perguntando ao público se "o fechamento das ruas para colocação de mesas de bares e restaurantes deveria ocorrer em todos os bairros da cidade ou só na região central".
Se alguém me ligasse perguntando se eu achava boa ideia fechar as ruas para, como diz o título da reportagem publicada no último dia 23, "pôr mesas de bar", eu exclamaria, enfurecida: "Claro que não!".
A maioria pensa como eu.
Dos 1204 entrevistados, 77% disseram que são contra. Só que eles opõem-se a algo que jamais foi proposto e muito menos aprovado por decreto.
Essa invasão das ruas —"prepare-se, seu bairro vai virar um barzão a céu aberto!!"— foi imaginada pelo(a) criador(a) da pesquisa de opinião. Não aconteceu no centro nem acontecerá em parte alguma da cidade no que depender do atual prefeito.
Pode parecer ridículo comparar as gravíssimas consequências dos erros dos pesquisadores políticos que previram a vitória da Hillary Clinton com esse recente escorregão do Datafolha. Mas para os milhares de donos de bares, lanchonetes e restaurantes paulistanos que aguardam ansiosamente a ampliação do projeto-piloto Ocupa Rua ou, ao menos, a liberação do uso das calçadas, é uma questão de vida ou morte para seus negócios.
Uma pesquisa enganosa tem o poder de influenciar a opinião pública. E a opinião pública —em época de campanha principalmente— influencia o prefeito que concorre à reeleição.
Se Bruno Covas ainda não soltou o decreto que expande o projeto para outros bairros nem mesmo o uso das calçadas é em parte por temer que a maioria dos eleitores seja contra, como dava a entender a pesquisa.
Aos que disseram ao Datafolha que não querem que ruas transformem-se em bares a céu aberto eu digo: não se preocupem, esse risco não existe.
E a todos que não compreenderam o quanto algumas mesinhas na rua ajudam a salvar negócios nestes tempos bicudos eu recomendo que visitem as ruas General Jardim, Major Sertório e Bento Freitas, de preferência em um dia de sol.
Não só os negociantes estão aliviados pelo aumento do faturamento, o que evita a demissão de funcionários, como os terraços verdejantes do projeto piloto deixaram o pedaço mais seguro, limpo e alegre.
Os sorrisos nos rostos dos visitantes cada vez mais numerosos, o papo animado ao redor das mesas, os instagrammers que postam elogios ao colorido e às plantas e os moradores que passeiam por ali tranquilos pintam um retrato da reação do público ao projeto bem mais fiel do que a pesquisa mal concebida que o manchou.