terça-feira, 4 de agosto de 2020

Alvaro Costa e Silva Witzel e o impeachment, FSP


Dois bicudos que hoje não se beijam, Jair Bolsonaro e Wilson Witzel têm mais coisas em comum do que imaginam. Ambos adotaram o militarismo como estratégia para alcançar o poder, mas suas trajetórias nas Forças Armadas estão longe de servir como modelo. De Bolsonaro, ficou o registro definitivo do general Ernesto Geisel: “Mau militar”.

Na revista Piauí de julho, o repórter Allan de Abreu, ao traçar o perfil do governador do Rio, revela o ponto alto de sua passagem pela Marinha. De apelido Rambo, pelo hábito de sempre levar uma faca presa na panturrilha, o tenente Witzel, liderando um grupo de fuzileiros, viu-se numa encruzilhada durante um exercício na zona da mata de Minas Gerais: “Vocês todos vão para aquele lado, e eu vou sozinho por esse aqui”, decidiu. Só reapareceu dali a dois dias, assustado, envergonhado, coberto de lama e morto de fome: “Escorreguei num barranco e me perdi”.

Depois de escorregar e enlamear-se com denúncias de desvio de dinheiro na Saúde, num esquema que segundo os investigadores já existia antes da Covid-19, mas que se intensificou durante a pandemia, o “naval” —como o chamava Bolsonaro no início do namoro político— está de novo perdido, enfrentando um processo de impeachment.

Perdido e sozinho na selva escura. Será que ele ainda tem a faca do Rambo? Quase todos os que estiveram ao seu lado na surpreendente vitória eleitoral —dois meses antes do primeiro turno, o desconhecido candidato tinha 1% das intenções de voto— o abandonaram. O empresário Mário Peixoto, dono de contratos suspeitos com o governo estadual desde a época da quadrilha do Cabral, está preso. Bolsonaro usa a máquina para derrubá-lo. A Igreja Universal e a milícia, antigos aliados, hoje lhe mostram a língua.

O seu vice, Cláudio Castro, é um novo Temer: trabalha em silêncio. Ex-cantor gospel, já foi mordido pela mosca azul.

Alvaro Costa e Silva

Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

Hélio Schwartsman Estupro jurisdicional, FSP

É fácil ver que o caminho escolhido por Alexandre de Moraes, no caso das fake news, não passa no teste kantiano da universalização da regra

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É preocupante a pretensão do ministro Alexandre de Moraes, do STF, de fazer com que suas decisões no chamado inquérito das fake news valham não apenas para a operação brasileira de empresas como Facebook e Twitter mas também para a internacional. Aqui, o ministro extrapola sua jurisdição e o faz com um viés autoritário.

É fácil ver que o caminho escolhido por Moraes não passa no teste kantiano da universalização da regra.

Em vários países da África e do Oriente Médio, a homossexualidade é crime. Se juízes dessas nações podem estender sua jurisdição para aplicativos sediados no exterior, então teríamos de aceitar como legítima a ordem de um magistrado da Arábia Saudita para derrubar sites americanos de pornografia e de encontros. A moral prevalecente na internet seria a da mais retrógrada das nações.

Obviamente, esse raciocínio não vale apenas para questões relativas a sexo, aplicando-se também a opiniões políticas, estudos científicos, peças artísticas etc. Se é o Taleban que está no poder no Afeganistão, então até o site do Louvre poderia ser censurado, já que traz imagens de estátuas que, na interpretação das autoridades judiciais daquele país, seriam ilegais.

Não há dúvida de que certas fake news e radicalismos, incluindo falas de bolsonaristas, são socialmente nocivos. Por vezes, constituem crimes, que podem e devem ser combatidos. Se a ofensa for séria o suficiente, será um ilícito em qualquer nação, abrindo caminho para a cooperação judicial entre países.

Caso contrário, acabarão prevalecendo as normas das nações mais liberais, pois é nelas que as empresas globais de internet tendem a estabelecer-se. E esse é um dos milagres da rede. Ela cria uma espécie de concorrência entre legislações nacionais capaz de gerar um círculo virtuoso de promoção da liberdade e do cosmopolitismo. A pretensão de Moraes de enquadrar o Facebook é a negação disso.

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Hélio Schwartsman

Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".