sexta-feira, 1 de maio de 2020

Receita Federal aplica multas milionárias a igrejas após descobrir irregularidades, OESP

Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo
30 de abril de 2020 | 06h00


BRASÍLIA - A Receita Federal descobriu que as igrejas estavam usando a remuneração do pastor, que é isenta de tributos, para distribuir participação nos lucros ou pagar remuneração variável, concedendo os maiores valores a quem tem os maiores “rebanhos” de fiéis. A fiscalização aplicou multas milionárias, abrindo a discórdia entre o Fisco e as igrejas.
Mesmo com uma mudança na lei em 2015 para tentar conter a fiscalização, muitas autuações continuam de pé ainda no âmbito da Receita. Por isso, as igrejas pressionam o Palácio do Planalto e a Receita Federal para conseguir afrouxar regras e afastar as cobranças.
Jair Bolsonaro e Edir Macedo
Igreja do bispo Edir Macedo, à direita, tem seis processos em andamento no Carf. Foto: Alan Santos/Presidência da República
A pressão de Bolsonaro em favor das igrejas vem num momento em que o presidente tenta aproximação com o Centrão, bloco de partidos que reúne, entre suas lideranças, parlamentares ligados à bancada evangélica, que tem 91 membros, segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Emissários das igrejas estão em contato com o Ministério da Economia na tentativa de ampliar a pressão sobre o ministro Paulo Guedes por uma solução. Dentro da pasta, auxiliares inclusive atribuem ao impasse com as igrejas a veiculação de uma reportagem pela TV Record, cujo proprietário é Edir Macedo, tachando Guedes como insensível com os mais pobres durante a crise da covid-19. A Universal disse que esse tema deveria ser tratado diretamente com a emissora, que não se pronunciou.
A Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo, também tem seis processos em andamento no Carf, última instância administrativa para recorrer às autuações do Fisco. Segundo apurou a reportagem, existem ao menos 12 processos em âmbito administrativo na Receita envolvendo impasse com igrejas. Procurada, a Universal diz que “paga rigorosamente todos os tributos que são devidos e, assim, não deve qualquer valor à Receita Federal”. A igreja diz ainda que “questionamentos sobre eventuais autuações abusivas são um direito dos contribuintes”. Não houve resposta sobre o valor das autuações.

Autuações milionárias

As igrejas são alvos de autuações milionárias por driblarem a legislação e distribuírem lucros e outras remunerações “vultosas” a seus principais dirigentes e lideranças sem efetuar o devido recolhimento de tributos. Embora tenham imunidade no pagamento de impostos, o benefício não afasta a cobrança de contribuições (como a CSLL ou a contribuição previdenciária). Na avaliação de fontes ouvidas sob a condição de anonimato, as igrejas também infringem a lei ao distribuir parte dos seus lucros obtidos com o dízimo dos fiéis, mesmo que de forma disfarçada por meio de contratos de prestação de serviços. O Código Tributário Nacional (CTN) condiciona a imunidade tributária à não distribuição de “qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título”. 
Mas a Receita identificou uma série de mecanismos para burlar as regras e remunerar seus dirigentes, com pagamentos a empresas e escritórios de advocacia, o que gerou outra leva de autuações.

Subsídio abortado

Essa não é a primeira vez que Bolsonaro faz aceno aos templos religiosos. Em janeiro, o presidente encomendou ao Ministério de Minas e Energia um decreto para conceder subsídios à conta de luz de templos de grande porte, contrariando o ministro da Economia, defensor da redução desse tipo de incentivo. A medida acabou sendo abortada diante das críticas deflagrada após a revelação pelo Estadão/Broadcast. 
A reportagem também mostrou no início de abril que as igrejas ocupam 663 imóveis da União e pagam, no máximo, 2% do valor do terreno. 

 

Prebenda é que gera a disputa 

Um dos pontos centrais da discórdia é a prebenda, como é chamado o valor recebido pelo pastor ou líder do ministério religioso por seus serviços. A lei diz que a prebenda não é considerada remuneração, ou seja, é isenta de contribuições à Previdência. Mas o próprio texto condiciona o benefício ao pagamento de um valor fixo, sem parcela variável conforme a natureza ou a quantidade do trabalho.
A Receita começou a identificar nos últimos anos que igrejas se valiam da prebenda para distribuir participação nos lucros e pagar remuneração variável de acordo com o número de fiéis ou conforme a localidade do templo. A lógica é conceder pagamentos mais gordos a quem tem os maiores “rebanhos”. O Fisco começou então a lançar autos de infração e cobrar os tributos devidos com multas e encargos sobre a parcela variável da prebenda.
Em um vídeo publicado nas redes sociais em outubro de 2016, o missionário R. R. Soares, fundador da Igreja Internacional da Graça de Deus, agradece ao então presidente da Câmara Eduardo Cunha, ligado à bancada evangélica, pela aprovação de uma lei em 2015 que buscou colocar um ponto final às cobranças. Nessa lei, criticada pela Receita, o Legislativo tentou frear as autuações dizendo que valores pagos a título de ajuda de custo de moradia, transporte e formação educacional são isentos de tributação.
O Fisco reagiu exigindo a comprovação desses gastos e continuou aplicando multas nos casos sem a devida documentação ou sobre outros tipos de parcelas pagas aos pastores. Enquanto isso, abriu-se uma verdadeira queda de braço em torno do passivo acumulado. Os templos querem anulação automática de multas aplicadas antes da nova lei, mas a interpretação da Receita é que a norma não retroage, ou seja, as cobranças anteriores continuam valendo.

Hélio Schwartsman Brasil fracassa na pandemia, FSP

Fracassamos no preparo, nos testes e até na contagem mortos

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Hesitei muito antes de escrever esta coluna, mas acho que não há mais como adiar: a forma como o Brasil vem enfrentando a Covid-19 só pode ser classificada como um fracasso completo. Para mencionar apenas os pontos mais essenciais, fracassamos no preparo para lidar com a pandemia, fracassamos em testar nos níveis necessários para identificar os doentes e eliminar cadeias de contágio e fracassamos até mesmo em contar os mortos direito e enterrá-los com dignidade.
Não ignoro que a dificuldade é global. Faltam insumos no mundo inteiro. A carência atinge desde os sempre lembrados ventiladores até reagentes para os testes e itens de proteção pessoal como máscaras e viseiras. Faltam também produtos menos óbvios, como o swab, o "cotonete" usado nos exames moleculares.
Onde estão o governo e os engenheiros de produção? Por que o poder público não negociou com setores da indústria que estão ociosos a conversão de suas linhas para a produção emergencial de alguns desses itens?
Tampouco desconsidero o esforço, com enorme risco pessoal, das equipes de saúde. Minha mulher, Josiane, que é médica intensivista e cardiologista, já pegou o bicho e se recuperou, mas vários de seus colegas estão internados em estado crítico. A incapacidade das autoridades em fornecer equipamentos adequados de proteção custa vidas e desfalca as equipes num momento em que isso não poderia ocorrer.
Profissionais de saúde treinados para atuar em ambiente de UTI são outro gargalo importante.
O mais grave, porém, é nosso fracasso em testar de forma ampla para produzir números que permitam entender o que está acontecendo em cada área do país. Sem boas estatísticas fica impossível planejar os próximos passos, seja para ampliar o isolamento, seja para relaxá-lo, conforme a necessidade. Pior, sem testes em profusão, fica muito mais difícil promover uma estratégia de retomada controlada.
Hélio Schwartsman
Jornalista, foi editor de Opinião. É autor de "Pensando Bem…".