Ao invés da mão estendida para amizade, o gesto de arma apontada
Hoje é Natal. Mas ao invés da mão estendida para amizade, o gesto de arma apontada. O verbo matar já não dá conta. Falamos em torturar, fuzilar, abater. Gestos e palavras de ódio que precedem atos de ódio. Fallet fogueteiro, Paraisópolis, Amazônia, o extermínio em curso.
Mas é Natal. Porque uma criança nasceu em Belém, há tempos. Sua mãe é jovem, cheia de graça, e se chama Maria. Seu pai é o carpinteiro José. Ambos são migrantes, sem-teto. Jesus veio ao mundo, em meio ao feno, numa gruta onde animais se recolhem, para nos ensinar: ama o teu próximo como a ti mesmo. E a cada Natal somos convidados a relembrar a difícil regra.
"Falar que se passa fome no Brasil é uma grande mentira", "se o presidente da OAB quiser saber como o pai desapareceu no período militar, eu conto pra ele", "você tem cara de homossexual terrível, nem por isso te acuso", diz Bolsonaro, que também afirma: "costumo dizer que não falo o que o povo quer. Eu sou o que o povo quer".
Na sociedade do ódio acalentada pelo presidente, cada um cuida da sua família. Ao outro, resta a aversão, a desconfiança, o medo. No pânico social de fundo, a solução é a bala, o 38, número da aliança por um país sem futuro. A cotidiana erosão do nosso pacto civilizatório resulta. Segundo pesquisa CNI-Ibope, 50% dos brasileiros aprovam a agenda de segurança pública do governo. Aprovam a ausência de política. O Estado zero. A guerra de todos contra todos. E porque é Natal, recordemos que o Holocausto não começou com as câmaras de gás, mas com falas de ódio proferidas por extremistas, encarnações do Anticristo, cuja máxima é odeia o teu próximo como a ti mesmo.
Contra o horror, é Natal. Uma oportunidade de falarmos do Cristo da história, aquele da dignidade humana e dos direitos da vida, que veio ao mundo ser crucificado e ensinar que o amor vence a morte. Porque uma criança nasceu em Belém. Seus pés inventaram o caminho, sua boca proferiu a verdade.