quinta-feira, 13 de junho de 2019

Bolsonaro demite general Santos Cruz, e outro militar assume Secretaria de Governo, FSP

Militar que comanda a pasta teve atritos com filhos e guru do presidente

Thais ArbexDaniel CarvalhoTalita Fernandes
BRASÍLIA
O general Carlos Alberto dos Santos Cruz foi demitido nesta quinta-feira (13) da Secretaria de Governo da Presidência da República pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL).
A queda do ministro, antecipada pela Folhaé a terceira no primeiro escalão em menos de seis meses de mandato
O porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros, confirmou que Santos Cruz será substituído pelo general Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira, que é comandante militar do Sudeste.
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Desde que chegou ao Planalto, em janeiro, Santos Cruz se envolveu em seguidas crises com os filhos do presidente, além de um embate com o escritor Olavo de Carvalho, guru de Bolsonaro. A comunicação de governo era um dos principais pontos de embate. ​
O vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), estrategista do presidente nas redes sociais, chegou a fazer ataques públicos a Santos Cruz nos últimos meses. 
Nesta quinta, o general divulgou uma carta com agradecimentos e desejou  "saúde, felicidade e sucesso" a Bolsonaro "e seus familiares". O presidente, por sua vez, informou que a demissão "não afeta a amizade, a admiração e o respeito mútuo".
O ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro, General Santos Cruz
O ministro da Secretaria de Governo de Bolsonaro, General Santos Cruz - Pedro Ladeira/Folhapress
Santos Cruz foi avisado de sua demissão em reunião com o presidente e com o ministro Augusto Heleno, chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), que ocorreu 12h20 no Palácio do Planalto, pouco antes de Bolsonaro decolar para Belém para uma agenda de governo.
Antes de Santos Cruz, já haviam sido demitidos por Bolsonaro os ministros Gustavo Bebianno (Secretaria Geral), por causa da crise dos laranjas do PSL, e Ricardo Vélez Rodríguez (Educação), pelas falhas de gestão na pasta.
No caso de Bebianno, a queda também ocorreu em meio a embate com a ala ideológica do governo e após ataques de Carlos Bolsonaro. 
Auxiliares do presidente disseram que a decisão de demitir Santos Cruz já estava tomada no início desta semana e que pesou a avaliação de que ele se opunha às decisões do núcleo duro do governo.
Pessoas próximas a Bolsonaro, principalmente as ligadas aos filhos do presidente, diziam haver um desalinhamento quanto à comunicação e uma visão diferente da dos demais governistas sobre a articulação política.
Desde que Fabio Wajngarten assumiu o comando da Secom (Secretaria de Comunicação), em abril, a avaliação no Planalto é a de que houve uma guinada no setor, aumentando a dissonância com Santos Cruz —que, por exemplo, se opunha a investir na campanha publicitária da reforma da Previdência.
Em 28 de maio, Wajngarten foi ao Senado e, sem citar Santos Cruz, disse que vinha tentando ganhar espaço no governo.
"Toda linha geral de estratégia de comunicação eu compartilho com o presidente. À medida que o tempo vai passando, vamos ganhando nosso espaço. Nem tudo são flores. A gente ainda tem muito para corrigir. Entendo que há equívocos ainda na comunicação", disse o secretário à época.
Assessores do Planalto citam também sinais de insatisfação com Santos Cruz em relação à articulação política nos últimos dias.
Deputados próximos ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disseram que ele tinha um ótimo diálogo com Santos Cruz e que avaliava que ele teria ido bem no posto se Bolsonaro tivesse entregado, de fato, a atribuição a ele. 
Parlamentares do centrão, porém, disseram que ele não se encaixava na função por não ter carta branca de Bolsonaro, ficando engessado, irritando deputados e senadores.
Junto com outros militares, Santos Cruz foi um dos alvos de críticas do escritor Olavo de Carvalho nos últimos meses.
O ministro general reagiu às ofensas de Olavo aos militares que hoje trabalham no Palácio do Planalto, em especial o vice-presidente Hamilton Mourão (PRTB).
“Eu nunca me interessei pelas ideias desse sr. Olavo de Carvalho”, disse Santos Cruz à Folha. Nem a forma nem o conteúdo agradam a ele", afirmou. “Por suas últimas colocações na mídia, com linguajar chulo, com palavrões, inconsequente, o desequilíbrio fica evidente”, criticou o ministro, em março.
Integram ainda a ala militar do Planalto os generais Augusto Heleno, ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, o porta-voz, Otávio Rêgo Barros, o chefe da Secretaria-Geral, Floriano Peixoto, e agora o general Ramos. ​
Outro desgaste ocorreu em torno das disputas dentro do governo sobre regulamentação de veículos de imprensa —a Secom está subordinada à pasta de Santos Cruz.
Santos Cruz concedeu entrevista no início de abril à rádio Jovem Pan na qual comentou sobre a necessidade de evitar distorções nas redes sociais.
Ele afirmou ainda que a influência das mídias sociais é benéfica, mas também pode "tumultuar". Para ele, é necessário ter cuidado com a sua utilização, evitando ataques e o seu uso como "arma de discórdia".
Bolsonaro reagiu. Em mensagem publicada em sua conta oficial no Twitter, ele escreveu que recomenda "um estágio na Coreia do Norte ou em Cuba" para quem defender uma espécie de controle do conteúdo divulgado.
O escritor Olavo de Carvalho, um dos gurus do presidente, foi explícito ao endereçar as críticas. "Controlar a internet, Santos Cruz? Controlar a sua boca, seu merda", escreveu.
A comunicação do Palácio do Planalto tem sido palco desde o início do governo de uma disputa entre o núcleo militar e os chamados "olavistas", seguidores do escritor.
Um mês antes, Santos Cruz desautorizou pedido feita pela Secom para que as empresas estatais enviassem para avaliação prévia propagandas de perfil mercadológico.
O gesto foi interpretado por assessores palacianos como a primeira crise entre o militar e o empresário Fábio Wajngarten.
 
Na manhã desta quinta-feira, Santos Cruz esteve na CTFC (Comissão de Transparência, Governança, Fiscalização e Controle). Foi convocado para explicar a divulgação, em 31 de março, de um vídeo que enaltecia o golpe militar.
O ministro atribuiu a divulgação ao descuido de um funcionário.
Após a comissão, sua assessoria informou aos jornalistas que ele não teria muito tempo para falar, pois havia sido chamado pelo presidente ao Palácio do Planalto.
Respondeu a apenas quatro perguntas, a maioria sobre a crise envolvendo o ministro Sergio Moro (Justiça), mas limitou-se a condenar a invasão das conversas do ex-juiz da Lava Jato.
A relação entre Santos Cruz e Wajngarten sempre foi distante. Embora a Secom esteja formalmente subordinada ao ministério, assessores palacianos disseram à Folha que o comportamento do secretário sempre foi visto como de alguém "insubordinado".
Episódio recente que gerou atrito entre eles foi a nomeação de um auxiliar do general como presidente do Conselho de Administração da EBC. 
O coronel Nilson Kazumi Nodiri, que era assessor especial da Secretaria de Governo, assumiu o cargo. Tradicionalmente, o posto era ocupado pelo Secretário de Comunicação do Planalto. ​
O presidente Jair Bolsonaro com o general Ramos em cerimônia no Comando Militar do Sudeste, em abril - Zanone Fraissat/Folhapress

QUEM É O GENERAL LUIZ EDUARDO RAMOS BATISTA PEREIRA, QUE ASSUMIRÁ A SECRETARIA DE GOVERNO  

Chefe do Comando Militar do Sudeste desde maio de 2018, comandou a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah) de 2011 a 2012. Também já foi vice-chefe de Estado-Maior do Exército e comandou a 11ª Região Militar, em Brasília, e a 1ª Divisão de Exército, no Rio de Janeiro (RJ).
Em abril, Bolsonaro participou de uma solenidade no Comando Militar do Sudeste, em São Paulo, ao lado de Ramos e falou sobre a convivência com o novo ministro em uma unidade em Campinas : "Meu amigo dos idos 1973, quando sentamos praça em março de 73, na Escola Preparatória de Cadetes do Exército."
"Pouca coisa mudou entre nós de lá para cá a não ser a nossa silhueta. A vontade, o espírito e o patriotismo continuam os mesmos."
Erramos: o texto foi alterado
Versão anterior deste texto se referiu incorretamente ao dia de 13 de junho como sexta-feira, em vez de quinta-feira.

Aprendendo na Carne sobre os novos tempos. Dennis Burgierman, Nexo

Eu já sabia que vivemos num mundo onde a verdade importa cada vez menos. Mas minha experiência com Olavo de Carvalho me fez aprender isso num nível mais profundo. Tenho estudado muito aquilo que alguns teóricos chamam de "desordem informacional" (https://rm.coe.int/information-disorder-towardan-interdisciplinary-framework-for-researc/168076277c). Esse fenômeno tomou o mundo na era das redes sociais e fez com que a verdade tenha simplesmente deixado de importar para o debate público – que se transformou numa guerra de narrativas, às vezes todas elas em algum grau fictícias. Tenho lido livros e pesquisas sobre o tema, entrevistado especialistas e vítimas da mentira, passo muito tempo pensando nisso. Mas uma coisa é estudar. Outra é aprender – na pele, na carne, na medula dos ossos. Foi o que aconteceu comigo quando, no começo deste ano, repórter que sou, aceitei um desafio da revista Época e me matriculei no curso online do escritor Olavo de Carvalho. Aceitei porque quero entender. Claro que eu já conhecia Olavo – quem não o conhece, desde que ele virou a figura de maior influência sobre o presidente da República? Mas meu conhecimento se baseava em posts pontuais que chegavam a mim, quase todos absurdos e ultrajantes. Eu não entendia o apelo do Olavo: para isso, teria que mergulhar no mundo dele, de mente aberta. Foi o que fiz. Passei quatro meses naquele universo – assistindo a aulas, convivendo com alunos, acompanhando seus vitupérios 24 horas por dia nas redes sociais (Olavo vara noites postando). Fiz isso de maneira transparente. Matriculei-me com meu nome verdadeiro, com meu cartão de crédito, não escondi minhas intenções. Não era um trabalho de espionagem: era um trabalho de jornalismo, que é o que eu faço da vida. É simples: consiste em tentar entender algo o melhor possível e depois tentar explicar da maneira mais verdadeira e clara que eu consiga, cuidando para não deixar meus vieses interferirem. Claro que “a verdade” é uma coisa virtualmente impossível de se alcançar. Num mundo complexo, não existe uma só verdade, e muita coisa é subjetiva. Mas minha missão, como jornalista, é tentar chegar o mais perto possível dela, por mais que eu nunca a alcance. Como sempre faço antes de escrever sobre alguém, tentei entrevistar Olavo. Tentei muito: mandei mensagens pelo chat do curso, pelas redes sociais, liguei, mandei WhatsApp. Nunca obtive nenhuma resposta. Quer dizer, obtive, mas as respostas não eram dirigidas a mim. Olavo pegava trechos de minhas mensagens e publicava para seus muitos seguidores, acrescentando ofensas e teorias conspiratórias sobre minhas intenções. Ele evidentemente não sentia a menor necessidade de dar entrevista a mim. Num desses ataques, Olavo deixou isso explícito. “Desde quando, para divulgar minhas ideias, preciso de revistas e jornais que alcançam um público bem menor do que o meu? Que esses garotos vão entrevistar suas mães”, sugeriu, me brindando com um "garoto" e com um insight profundo sobre o papel da mídia nestes novos tempos. Não é verdade que a Época atinja um público menor que o de Olavo: ele tem meio milhão de seguidores nas suas principais páginas do Facebook, a Época tem mais de 2 milhões. Mas Olavo, pelo uso que faz de linguagem ofensiva e sensacionalista, e pela maneira pessoal como se expõe, criando laços de empatia com os seguidores, gera muito mais interação. Posts da Época atraem umas centenas de likes e comentários – os de Olavo geram milhares. EU ESCREVI UMA REPORTAGEM DE 30 PÁGINAS, QUE POUCA GENTE LEU NESTES TEMPOS DISPERSIVOS. EM TROCA, ELE PUBLICOU CENTENAS DE POSTS INFLAMATÓRIOS, QUE SE ESPALHARAM PELO MUNDO MOVIDOS A ULTRAJE Informação com clareza, equilíbrio e qualidade. Apoie o jornalismo independente do Nexo. Você ainda tem mais 4 conteúdos livres este mês. SAIBA MAIS (https://www.nexojornal.com.br/about/Sobre-o-Nexo) ASSINE O NEXO (/assine/) LOGIN (/conta/login)  13/06/2019 Aprendendo na carne sobre os novos tempos - Nexo Jornal https://www.nexojornal.com.br/colunistas/2019/Aprendendo-na-carne-sobre-os-novos-tempos 2/2 Olavo tem poder enorme de mobilização. Foi o que descobri depois que a reportagem foi publicada, quando ele ficou furioso e iniciou uma campanha de difamação contra mim, inventando uma reportagem fictícia que não escrevi e incitando o ódio a ela. Minha reportagem foi equilibrada – talvez até demais. Foquei nos méritos dele, porque meu objetivo era entender seu apelo. E, claro, tentei também revelar seu método. Mas, nos posts dele, fui retratado como um difamador esquerdista – e analfabeto – cujo único objetivo era destruí-lo. Seus seguidores responderam com fúria. Teve um pequeno episódio que foi revelador para mim. Num dos tuítes ofensivos de Olavo, uma aluna dele comentou, sobre mim “que sujeira! Asqueroso!”. Respondi: “nossa, sério que você vê assim? Lamento, fico chateado, só estou fazendo o meu trabalho.” A seguidora então respondeu: “querido, foi um erro na hora da digitação, e não havia como corrigir. Não fique triste comigo não”. Entendi ali que as pessoas que respondem aos ímpetos agressivos de Olavo na verdade estão dando sinais de empatia para ele – não estão necessariamente atacando alguém. Essa seguidora provavelmente nem parou para pensar que estava xingando uma pessoa, que poderia estar ouvindo. Minha história com o Olavo culminou com ele publicando o endereço de minha casa, me xingando e incitando seus seguidores a irem lá. Como jornalista que sou, prezo demais pela liberdade de expressão, mas nessa ele foi longe demais. A atitude ameaçadora me levou a prestar queixa na polícia e denunciá-lo ao Ministério Público. Independentemente do que decida a Justiça, me parece claro que ele ganhou. Eu escrevi uma reportagem de 30 páginas, que pouca gente leu nestes tempos dispersivos. Em troca, ele publicou centenas de posts inflamatórios, que se espalharam pelo mundo movidos a ultraje. No final, a versão dele – que só xingou e mentiu – influenciou mais o ambiente informacional que a minha – baseada em pesquisa e em um esforço enorme de buscar o equilíbrio. Não é uma história isolada. Está acontecendo por toda parte. Eu já havia notado que muita gente, como Olavo, está buscando o controle da narrativa e se nega a dar entrevistas para quem não é de dentro do grupo. Por exemplo, passei meses tentando entrevistar gente do MBL. Nunca ninguém quis sequer falar comigo. Curioso que agora o MBL parece estar se tornando vítima dessa mesma prática ao ter seu radicalismo ultrapassado – numa lógica que vai empurrando todo o debate público para posições cada vez mais extremas. O governo também evidentemente opera no controle das informações. Um caso gritante é o do ministro Osmar Terra, que não gostou do resultado de uma pesquisa científica sobre o uso de drogas e mandou censurá-la (https://www.nexojornal.com.br/expresso/2019/05/28/Oembargo-de-um-estudo-in%C3%A9dito-da-Fiocruz-sobre-drogas). A pesquisa é pura estatística e dados – milhares de pessoas respondendo sobre seu uso de substâncias ilícitas. Mas o ministro acusou-a de ser ideológica, porque os dados do mundo real não batem com a ideologia dele. Não está fácil ser jornalista ou cientista no mundo de hoje, mais ainda no Brasil. Profissionais treinados para buscar a verdade – e não para difundir narrativas e defender interesses – viraram inimigos de quem quer impor ideologia. E, pela própria natureza das redes sociais, suas ponderações e dados não têm chance contra os xingamentos e preconceitos de quem não quer a verdade. Precisamos de uma solução sistêmica para esse problema. E ela passa por encontrar formas de incentivar a busca de conhecimento, protegê-la das narrativas dominantes e proibir os poderosos de esconder a verdade.

Denis R. Burgierman é jornalista e escreveu livros como “O Fim da Guerra”, sobre políticas de drogas, e “Piratas no Fim do Mundo”, sobre a caça às baleias na Antártica. Foi diretor de redação de revistas como “Superinteressante” e “Vida Simples”, comandou a curadoria do TEDxAmazônia, e fez parte do time que criou o Greg News, primeiro comedy news da TV brasileira. Escreve quinzenalmente, às quintas-feiras