sábado, 1 de junho de 2019

Inflação e recessão já estão virando a rua e vêm com vontade, Rodrigo Zeidan , FSP

Lua de mel com o governo acabou; caminhamos para o abismo lenta, mas inexoravelmente

A economia brasileira vai encolher em 2019. Estamos imitando os erros dos nossos hermanos argentinos, mas em escala muito maior. 
Assim como nosso presidente, Macri assumiu o governo argentino apoiado por empresários e com mandato claro de fazer reformas econômicas. E, como aqui, o governo só faz fumaça.
Após o desastroso governo Kirchner, Macri assumiu em 2016 prometendo pobreza zero e um ajuste fiscal para conter a inflação. 
Os primeiros meses foram de lua de mel com o mercado. As promessas eram de aumentar impostos, reduzir gastos públicos, aumentar a taxa de juros e normalizar a situação do Indec e do Banco de La Nación, equivalentes ao IBGE e ao Banco do Brasil (o Indec estava mutilado, a ponto de não publicar várias estatísticas nacionais). 
Mas Macri fraquejou e acabou não passando nenhuma grande reforma. Subsídios nos preços de energia e transporte foram retirados de forma atabalhoada (ainda são 2% do PIB). Diminuiu-se o controle sobre o câmbio. O déficit caiu aqui ou ali, mas não houve avanço em reformas substantivas. 
O governo argentino chegou a negociar pacote de ajuda com o FMIpara limitar a saída de capitais e conter a inflação. Não deu certo. Em maio de 2018, quando finalmente uma medida dura foi tomada, a de subir a taxa de juros de 20% para mais de 40%, o dano já estava feito —o PIB caiu 2,5% em 2018, e a inflação está na casa dos 30%.
O governo Macri escolheu o gradualismo. Deu errado. Muito errado. A pobreza hoje atinge um terço dos argentinos, mais do que no governo anterior. Cada medida meia boca era seguida por mais desconfiança por parte de empresas e consumidores. Isso tornava maior a necessidade de medidas mais duras, mas cada dado econômico ruim limava a capacidade de articulação política do governo.
Esse mecanismo de retroalimentação também aconteceu no governoDilma. Em janeiro de 2014, o mercado esperava crescimento para 2015 na casa de 2,5%. Em janeiro de 2015, essa expectativa já tinha caído para 0,5%. Em junho, já se previa recessão de 1,8%. A economia acabou desabando 3,7%. 
Infelizmente, vai acontecer o mesmo agora. Aqui ainda não temos a inflação, mas ela vai acabar voltando. Já vivemos a deterioração das expectativas. Quando o atual governo estava para ganhar a eleição, havia previsões de que a economia ia crescer 3,5%. Cada tuíte estapafúrdio do presidente, e sinal de falta de articulação política, foi limando a confiança de todos.
Hoje, já se prevê crescimento menor que 1%. A incompetência do governo já destruiu 2,5% do PIB. E não vai parar por aí.
Não vai ter boa reforma da Previdência. A cada defesa do astrólogo escatológico, cai o apoio político e social.
centrão já está abandonando o barco. E, embora alguns técnicos do governo tentem fazer algumas pequenas reformas microeconômicas, o que aconteceu nos governos Macri e Dilma vai se repetir aqui: contração econômica com inflação. 
Quando o presidente chama manifestantes de massa de manobra e idiotas úteis, a reação do empresário médio é reduzir ou postergar investimentos. E os consumidores travam. Otimismo alimenta investimentos, mas o presidente só passa desconfiança. 
A lua de mel, incluindo com o ministro da Economia, acabou (o dólar passar de R$ 4 não é coincidência). Caminhamos para o abismo lenta, mas inexoravelmente. 
Eu nunca quis tanto estar errado, mas quem puder se proteja dainflação e da recessão, porque elas já estão virando a rua e vêm com vontade.
Rodrigo Zeidan
Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.

Solução colonial para a Europa é tentadora, mas errada, FSP

Grande dilema é como sobreviver e retomar a convergência num ambiente político fragmentado

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A União Europeia às vezes age como um poder colonial e imperial. Isso não significa que o maior projeto iluminista do Ocidente fracassou, mas é possível que a União Europeia esteja criando uma versão pós-moderna de um sistema colonial. E os europeus eram (são?) muito bons em gerenciar tal sistema.
A ideologia por trás da União Europeia é irretocável: integração crescente baseada na ideia de que todos os europeus são igualmente importantes. Essa ideologia tem uma expressão pragmática: convergência.
As estruturas políticas europeias foram desenhadas para equalizar o ordenamento jurídico, fiscal, comercial e burocrático, entre outros. Os sistemas de governança locais deveriam, ao longo do tempo, se adequar aos padrões pan-nacionais.
Esse processo ia muito bem até 2007. Ia tão bem que a Espanha chegou a fazer campanhas de marketing na América Latina por trabalhadores. Imigração era o futuro europeu.
E veio a crise financeira. A recessão foi desigual. Portugal, Irlanda, Grécia e Espanha sofreram mais que a média. Países mais ricos, como Alemanha e Inglaterra, se recuperaram primeiro. E isso no meio da expansão europeia. Seriam os países periféricos, como Romênia, Grécia e Bulgária, as novas colônias?
A crise introduziu algo oposto à natureza do projeto europeu: divergência. A crise grega é o melhor exemplo. A depressão econômica no país, com desemprego chegando a 25%, criou um dilema: o que fazer quando membros vão muito mal? O sistema europeu não estava preparado, nem foi desenhado, para lidar com isso.
No final, jogou-se goela abaixo dos gregos um pacote de ajuda com condicionantes para reformar a economia do país (com seu histórico de governos incompetentes) e garantir a estabilidade da própria União Europeia.
Não deveria ter sido possível uma crise local desse tamanho. Na zona do euro, salários e preços deveriam convergir. Mas a divergência continua. É na crise grega que nasce o novo sistema de governança, com toques coloniais.
Parte do foco passou a ser sobrevivência a todo custo, com a burocracia em Bruxelas enquadrando os países dissidentes. Hoje, o governo que lidera a resistência antieuropeia é a Itália, onde a renda per capita ainda é menor que a de 2007. Nas eleições parlamentares europeias de domingo (26), havia medo de que partidos de extrema direita se tornassem mais proeminentes, o que não ocorreu muito.
Colonialismo pressupõe exploração (de produtos e pessoas), exportação de instituições e subserviência local. A União Europeia foi formada para criar condições de ganhos mútuos, com participação voluntária, mesmo que desigual.
Mas a expansão europeia foi em parte reação à Rússia de Putin e agora aos Estados Unidos de Trump. E há um claro exemplo de imperialismo contemporâneo, embora de um dissidente.
brexit só aconteceu porque a Inglaterra não podia mais se comportar como metrópole: nós só queremos importar os nativos que considerarmos bem-comportados, nada de colônia querer nos mandar qualquer um.
As políticas europeias para os países que continuam divergindo, ou mesmo dentro dos países centrais, como os “coletes amarelos” na França, não é clara. É para colocar os gregos e italianos no seu lugar? Forçar Bulgária e Hungria a obedecer ao que vem de cima?
Hoje, o grande dilema europeu é como sobreviver e retomar o projeto de convergência num ambiente político muito mais fragmentado. A solução colonial é tentadora, mas errada.
Rodrigo Zeidan
Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ.