Segurança aeronáutica é exemplo de que o anti-intelectualismo não se justifica
Um dos ingredientes da onda de populismo de direita que afeta vários países é a perda de confiança na figura do especialista. Não é uma coincidência que o anti-intelectualismo marque o discurso de figuras tão distintas como Donald Trump e Jair Bolsonaro. Não vou discutir hoje as origens dessa descrença, mas apenas tentar mostrar que ela não se justifica (ao menos não de forma generalizada).
Um bom exemplo do poder da inteligência é a segurança aeronáutica. Em meados dos anos 70, a taxa de óbitos por milhão de voos comerciais era um pouco superior a quatro. Hoje, é inferior a 0,5. A razão principal para a diminuição são melhorias tecnológicas e de procedimentos concebidas por especialistas.
O que tornou os avanços na aviação tão perceptíveis é uma rara conjunção de fatores. Para começar, a maior parte dos problemas a resolver é de física (clássica), e a física, ao contrário de seres humanos, responde de modo sempre igual às intervenções.
Um setor com relativamente poucos fabricantes e aerolinhas de grande porte, aliada a uma regulação relativamente eficaz, faz com que cada acidente (mesmo os pequenos) seja metodicamente investigado e se traduza rapidamente em aperfeiçoamentos técnicos e recomendações que são seguidas por todos.
A Folha trouxe na edição de sexta a bela história do engenheiro brasileiro que, após perder uma filha na queda do voo AF447, que fazia a rota Rio-Paris, desenvolveu três soluções para o problema do tubo de Pitot congelado, falha que desencadeou a tragédia.
Não conseguimos a mesma eficiência na prevenção de outros tipos de desastre, mas, se atentarmos para as tendências históricas, verificaremos que tem havido progresso global em quase todos os campos, de mortes no trânsito a óbitos por cataclismos, passando por acidentes do trabalho.
Enquanto o mundo avança, Bolsonaro fala em acabar com os radares de velocidade.