terça-feira, 14 de maio de 2019

Baratinhas em fuga, fsp

Construção de novo autódromo acirra disputa entre Rio e São Paulo

Biscoito ou bolacha? Play ou parquinho? Totó ou pebolim? Sinal ou farol? Em alguma hipótese, pizza leva ketchup? Um beijinho ou dois beijinhos? E por que não logo três? As picuinhas linguísticas e as tretas comportamentais que dividem o Rio e São Paulo, muito além dos 400 quilômetros e dos 45 minutos de voo (estes dependendo do tráfego), listam-se à farta. Mas tinham de inventar mais uma rixa. E tudo por causa de baratinhas.
Assim eram chamados, nas antigas, os modelos da F-1. Uma época no automobilismo em que os carros pareciam charutos com grandes rodas, lembrando baratas em velocidade de fuga. João Saldanha sempre a eles se referia dessa maneira, não escondendo, quem sabe, o desejo de esmagá-los com o bico do sapato no canto da parede.
Prova em Interlagos, na zona sul paulistana, em novembro do ano passado
Prova em Interlagos, na zona sul paulistana, em novembro do ano passado - Adriano Vizoni/Folhapress
É que o comunista Saldanha implicava com a F-1. Homem do futebol, não a considerava um esporte, e sim uma atividade de pesquisa para o desenvolvimento tecnológico da indústria automobilística. Sem falar no circo de negócios e propaganda capitalista que o esporte (vá lá!) promovia mundo afora. 
Millôr Fernandes exacerbava esse radicalismo: “Vocês nunca viram o Senna correr. Viram Senna no boxe, ou Senna dentro do carro, quer dizer, um pedaço de capacete visto por trás, que pode ser de qualquer um. Isso na tevê. Ao vivo veem apenas bólidos de brinquedo passando”.
Pois, na semana passada, Bolsonaro assinou um termo de cooperação a fim de levar as provas de F-1, atualmente realizadas em São Paulo, para o Rio. Já em 2020. Os paulistas chiaram: nananinanão. A categoria, garantem, vai continuar em Interlagos. 
Bolsonaro promete que o novo autódromo carioca será construído —em tempo recorde de seis meses e ao custo mágico de R$ 700 milhões— na Floresta do Camboatá, área de mata atlântica defendida por ambientalistas. Ainda bem que, na nova era, acabou a mamata. Instalou-se o delírio.
Alvaro Costa e Silva
Jornalista, atuou como repórter e editor. É autor de "Dicionário Amoroso do Rio de Janeiro".

Bolsonaro ou Moro, um dos dois está mentindo descaradamente, fsp

Vaga no STF teria sido objeto de compromisso entre presidente eleito e o então juiz?

Na ficção, Sergio Moro brilha em “O Mecanismo”, a versão romanceada da Lava Jato, cuja segunda temporada acaba de sair na Netflix. Na vida real, o ex-juiz protagoniza atualmente o episódio “O Compromisso”, não menos interessante.
Jair Bolsonaro não poderia ter sido mais claro: disse ter firmado com Moro o compromisso de indicá-lo à primeira vaga que surgir no Supremo Tribunal Federal, a mais alta corte do país, provavelmente em 2020.
O ministro da Justiça, Sergio Moro, durante cerimônia no Palácio do Planalto, neste mês
O ministro da Justiça, Sergio Moro, durante cerimônia no Palácio do Planalto, neste mês - Pedro Ladeira/Folhapress
O ministro da Justiça também foi assertivo: sem nem pedir a tradicional vênia, desmentiu o chefe imediatamente, dizendo que não colocou nenhuma condição —como indicação ao STF— para abandonar 22 anos de toga e ingressar no governo.
Façamos então a carinha do emoji com a mão no queixo e olhar intrigado. Quem está mentindo e, mais importante que isso, por quê?
Dificilmente alguém —que não os dois ou quem testemunhou a conversa— terá resposta. E viva a nova política, quando ou presidente ou seu ministro está mentindo descaradamente e cada um deles sabe exatamente quem é e por qual razão.
Bolsonaro levou para seu governo um auxiliar dito “indemissível”, hoje seu ministro mais bem avaliado. Que outra brilhante solução haveria, então, que não a de retirar do jogo um concorrente em 2022 despachando-o para debaixo de uma nova toga?
Do ponto de vista de Moro, o ex-juiz vem passando por percalços no Congresso e tenta olimpicamente se desviar de temas que vão do Queirozgate aos infames decretos bangue-bangue. Parece ter assumido o Ministério do Não É Comigo.
Para sua carreira jurídico-política, não resta dúvida de que há dois horizontes: o STF ou a vaga de Bolsonaro. Logo, não seria de bom tom excluir de cara um desses cenários. Além do mais, a confirmação do “compromisso” mobilizaria por antecipação tropas contrárias e daria mais substância à percepção de que ele conduziu a Lava Jato com alguns objetivos políticos bem delineados.
Quem está mentindo? E por quê? Com a palavra, Bolsonaro e Moro.

Moro em impedimento, Luiz Weber, FSP

Presidente Bolsonaro furou o balão do superministro da Justiça

O presidente Bolsonaro furou o balão de Moro. Sobra agora apenas aquele barulho agudo, do ar escapando fino, desinflando aos poucos a figura do superministro da Justiça.
A indicação de Moro para a próxima vaga no STF (salvo o acaso, que só ocorrerá daqui a 18 meses, com a aposentadoria de Celso de Mello), submete-o desde já ao ritual do beija-mão.
De presidenciável em 2022, passa a refém da política miúda. A regra explica. Cabe ao Senado, em sessão secreta e por 41 votos, aprovar o indicado do presidente ao Supremo.
O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro - Adriano Machado/Reuters
No passado, outros ministros da Justiça foram nomeados para o STF e todos os candidatos se submetem ao périplo dos gabinetes. Mas nunca com tanta antecedência. No jargão da velha política, exposição prematura leva o nome de fritura.
Moro se referiu ao STF como uma "loteria". Quando se quer muito algo, o pedágio imposto pelo Congresso é maior. Para tirar seu bilhete premiado, o ministro vai insistir na aprovação do projeto anticrime que afetará o status quo político?
Detentor de notável saber jurídico, reputação ilibada, Moro possui credenciais para ser ministro do STF. Mas essa "promoção" está atrelada a um projeto chancelado pelas urnas de combate à criminalidade que fica comprometido pelo calendário encurtado definido por Bolsonaro. Moro terá no máximo dois anos para apresentar resultados.
Se de fato trocou Curitiba apenas por uma vaga no Supremo, Moro agiu como um deputado do centrão: hipotecou sua imagem para lustrar um governo em troca de uma sinecura. O discurso era só discurso.
Dezoito meses é tempo demais na política. É uma eternidade num governo Bolsonaro. Sem um cartão de visitas para apresentar, talvez sua imagem —e a de Bolsonaro— não esteja tão imantada de prestígio popular a ponto de tornar sua aprovação no Senado algo fácil. Ao se mexer tão cedo, colocou-se em impedimento. E juiz uma vez impedido, sempre impedido.
Luiz Weber
Secretário de Redação da Sucursal de Brasília, especialista em direito constitucional e mestre em ciência política.