segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Campanha perpétua, FSP

Palanque permanente e moedas de troca são substitutos, não complementos

Por que alguns presidentes não saem do palanque e permanecem em “campanha perpétua”? Esta questão tem atraído o interesse dos analistas do governo Bolsonaro, mas há um rico debate na ciência política sobre Trump, no poder há dois anos sem sair  do palanque (ou do Twitter!).
Há dois argumentos rivais nesse debate. O primeiro é que a campanha permanente reflete a crescente mudança de valores, cujo subproduto é a polarização política, que as novas mídias magnifica. O segundo é que ela decorre de fatores institucionais, e não de mudança de valores.
A polarização seria epifenômeno: ocorreria apenas nos partidos, não no eleitorado, que continua moderado, em que pese o forte alargamento da distância ideológica interpartido. Os partidos tornam-se mais polarizados porque seus simpatizantes moderados abandonam-nos.
Em “Insecure Majorities: Congress and the Perpetual Campaign” ("Maiorias Inseguras: o Congresso e a Campanha Perpétua", University of Chicago Press, 2016), Francis Lee argumenta que a campanha perpétua é produto do desaparecimento de maiorias estáveis —os democratas controlaram a Câmara dos Representantes por 40 anos, entre 1955 e 1995, e a Presidência por 30. 
A incerteza resultante leva os agentes políticos a mobilizar temas controversos que podem trazer vantagens eleitorais na margem.
Em relação à presidência Bolsonaro, a questão se coloca nas pautas comportamental —onde concentra-se a “campanha perpétua”— e econômica. Bolsonaro manterá um pé em cada canoa? Há dois fatores em jogo.
O primeiro diz respeito à dimensão em que o jogo é disputado. Bolsonaro mobilizou com êxito questões identitárias em uma disputa que, no passado, tinha as questões redistributivas como eixo. Assim, acompanhou um movimento similar deflagrado  pelo PT em resposta à Lava Jato e à recessão.
Há similaridades e contrastes com Trump. Lá, os democratas se aprisionaram em disputas identitárias, e Trump mobilizou “perdedores da globalização”, tema com forte apelo redistributivo, o que não ocorreu aqui. Ele mantém a militância devido à disputa acirrada e por estar cada vez mais acuado.
O segundo fator é, como nos EUA, de ordem institucional. 
Ao rejeitar as práticas de distribuir gabinetes partidariamente e adotar a bandeira da anticorrupção, Bolsonaro reduziu os instrumentos de que dispõe para construir maiorias; a mobilização identitária pode compensar essas perdas. Pautas comportamentais e moedas de troca, como cargos e pastas ministeriais, são substitutos, não complementos.
Tudo conspira para que a campanha seja perpétua.
Marcus André Melo
Professor da Universidade Federal de Pernambuco e ex-professor visitante do MIT e da Universidade Yale (EUA).

Caso Battisti é um vexame completo para o Brasil, FSP

Depois de abrigá-lo, país não impediu fuga e teve de engolir a expulsão pelo vizinho

novela Cesare Battisti, ao que parece em seus capítulos finais, caminha para um desfecho de saldo vexaminoso para a imagem do Brasil.
Condenado na Itália à prisão perpétua por quatro homicídios nos anos 70, o terrorista italiano viveu na última década por aqui graças à benevolência dos governos petistas.
Recebeu o status de refugiado do ex-presidente Lula, hoje um preso condenado pela Lava Jato por corrupção e lavagem de dinheiro. Com a proteção garantida, Battisti construiu uma vida em solo brasileiro.
Desfilava tranquilamente pelas ruas de Cananeia, no litoral paulista. Teve um filho com uma professora brasileira. Vestindo a camisa do Corinthians, declarou à Folha em 2017 que não havia razões para fugir, muito menos para a Bolívia —pouco antes, fora detido na fronteira sob acusação de evasão de divisas por carregar mais de R$ 10 mil em espécie.
“A minha arma para me defender não é fugir. Estou do lado da razão, tenho tudo a meu lado”, disse ao repórter Joelmir Tavares na ocasião.
Um ano e dois meses depois daquela entrevista, a casa caiu para Battisti. O STF autorizou sua prisão e a extradição para a Itália foi assinada pelo então presidente Michel Temer.
Perdeu quem apostou que o constrangimento de mais de dez anos para o Brasil havia chegado ao fim.
Battisti deu um olé (digno de bons craques do seu clube de coração no Brasil) na Polícia Federal nos últimos 30 dias. Como contou a repórter Camila Mattoso, ele despistou a polícia, que tentou procurá-lo, em vão, até em um barco no rio Amazonas.
Foi preso pela polícia da Bolívia nas ruas de Santa Cruz de La Sierra. O presidente Jair Bolsonaro montou uma operação para trazê-lo ao Brasil, nem que fosse por alguns minutos, e exibi-lo como troféu. O ministro Augusto Heleno, do GSI, anunciou que um avião da PF havia sido deslocado para buscar Battisti. A Itália atropelou e o levou da Bolívia.
Depois de abrigar um terrorista, o Brasil não impediu sua fuga do país e ainda teve de engolir a expulsão pelo vizinho. Um vexame completo.
Leandro Colon
Diretor da Sucursal de Brasília, foi correspondente em Londres. Vencedor de dois prêmios Esso.