segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Impasses provocam paralisação de grandes obras viárias no Estado de SP, OESP

Governador João Doria (PSDB) afirma ter herdado problemas em obras da gestão anterior; trechos da Nova Tamoios e do Rodoanel estão parados desde dezembro; interrupções também atingem estações do Metrô e do monotrilho na capital paulista

Fabio Leite, Priscila Mengue e José Maria Tomazela, O Estado de S.Paulo
07 Janeiro 2019 | 03h00
SÃO PAULO - Considerada essencial para alavancar o turismo e destravar a atividade portuária do litoral norte paulista, a construção do trecho da rodovia Nova Tamoios entre as cidades de Caraguatatuba e São Sebastião parou. Desde dezembro passado, as empreiteiras Queiroz Galvão e Serveng interromperam a execução dos 33,9 km de estrada que deve melhorar a fluidez no trânsito até Ubatuba reivindicando reajustes contratuais. A medida resultou na prorrogação do prazo de conclusão da obra para dezembro deste ano – o trecho de Caraguatatuba estava previsto para janeiro de 2015 e o de São Sebastião, maio de 2017. 
Este é mais um impasse envolvendo grandes obras viárias do Estado herdado pelo governador João Doria (PSDB). Na semana passada, o Estado revelou que a estatal Desenvolvimento Rodoviário S/A (Dersa), no último mês do governo Márcio França(PSB), rescindiu os contratos de metade dos lotes do Trecho Norte do Rodoanel alegando “incapacidade” das empresas OAS e Mendes Júnior de continuarem a obra. A Dersa terá de fazer uma nova licitação para concluir o anel viário, que está prestes a completar três anos de atraso.
obras viárias tamoios
Paralisação das obras da Nova Tamoios afetam o turismo e prejudicam investimentos no Litoral Norte Foto: Werther Santana/Estadão
Embora os entraves relacionados às duas obras tenham algumas semelhanças, como pedido das empresas para reajustar o valor dos serviços, no caso da Tamoios o governo Doria acredita ser possível negociar uma solução com as empreiteiras para evitar o rompimento de contrato, o que retardaria ainda mais a conclusão do empreendimento. “Estamos chamando essas empresas para discutir as questões jurídicas e administrativas dos contratos para tentar garantir a retomada da obra o mais rápido possível”, disse ao Estado o secretário estadual de Logística e Transportes, João Octaviano. Segundo o governo, 80% da obra, batizada de Tamoios Contornos, já foi executada e o investimento total previsto é de R$ 3,2 bilhões. A Queiroz Galvão não quis se manifestar e a Serveng não foi localizada. 
Quando entrar em operação, o novo trecho facilitará o acesso de caminhões ao Porto de São Sebastião e a circulação de carros pelas praias do litoral norte, como Ilhabela, já que trará uma rota alternativa aos turistas que hoje ficam presos em longos engarrafamentos pela rodovia (SP-101) que corta Caraguatatuba. “Ilhabela é maravilhosa, mas não dá mais. Fomos passar o Ano Novo e foram 21 horas dentro do carro, 12 para chegar e 9 na volta, contando o tempo de espera na balsa”, reclamou a comerciante Luciana Avila, que mora em Sorocaba, no interior paulista. A demora maior foi no trecho entre Caraguatatuba e São Sebastião.
Herança. Ao todo, o governo Doria diz ter recebido da gestão anterior, além da Tamoios e Rodoanel, outras sete obras viárias paralisadas, como recapeamento e construção de acessos em rodovias do interior, além de um corredor de ônibus da Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (EMTU) em Carapicuíba, na Grande São Paulo, e as obras das linhas 6-Laranja do Metrô e 15-Prata do monotrilho, na capital paulista.
Paralisadas desde setembro de 2016 pelo consórcio formado pelas empresas Odebrecht, Queiroz Galvão e UTC, a Linha 6 teve seu contrato de Parceria Público-Privada (PPP) com o governo rescindido no mês passado. Doria estuda retomar a construção do ramal que liga o centro à zona norte da capital com recursos do Estado. 
Já a paralisação das obras das estações Jardim Planalto, Sapopemba, Fazenda da Juta e São Mateus da Linha 15 na zona leste ocorreu em setembro passado e causou uma frustração ainda maior nos usuários de transporte público porque as obras estavam em fase final – 90% executada. A estação Jardim Planalto, por exemplo, já tem elevador, lâmpadas e totens de sinalização, mas ainda deve esperar ao menos mais nove meses para ser inaugurada – o último prazo dado pelo governo era o primeiro trimestre de 2018.
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Em fase final, obras de algumas estações da linha 15 pararam em setembro Foto: Werther Santana/Estadão
Segundo o Metrô, a obra foi parada após a rescisão do contrato com a empresa Azevedo & Travassos, que teria descumprido o efetivo de trabalho necessário para a obra e foi multada em mais de R$ 7,7 milhões. Em dezembro, uma nova licitação para finalizar o trabalho foi publicada e o cronograma prevê que a retomada das obras ocorra no segundo trimestre.
“Pensei que seria rápido”, lembra o vigilante Valter Costa, de 36 anos, que se mudou para São Mateus há seis anos, quando já havia um esqueleto da linha. A promessa inicial era concluir a Linha 15 em 2012. “Não dá para acreditar (que o trecho ficou para 2019)”, completou Costa.

Atrasos afetam turismo

O atraso nas obras da Tamoios, que facilitariam o acesso às praias de São Sebastião e Ubatuba, desafogando o trânsito de Caraguatatuba, está afetando o turismo e prejudicando os investimentos na região. 
O empresário Gilvan José da Silva, de São Sebastião, afirma que as obras em túneis e pontes tiveram grande redução de ritmo a partir de agosto. “Conheço armadores que deixaram de investir no porto de São Sebastião e foram para outros lugares porque a logística, aqui, fica muito cara. Os caminhões não conseguem chegar”, disse. 
Segundo ele, a obra foi concebida para retirar o tráfego pesado de dentro das cidades de São Sebastião e Caraguatatuba e para melhorar o acesso ao porto. “Muitos empresários, como é o meu caso, planejaram investimentos levando em conta que essas obras seriam feitas, o que não aconteceu.” 
Ele afirma também que o turismo e o cotidiano dos moradores é afetado. “Nesta época, a região recebe muita gente e ninguém consegue andar.” 
O secretário de Turismo e Desenvolvimento Econômico de Ilhabela, Ricardo Fazzini, disse que a obra foi concebida para dar suporte às operações do Porto de São Sebastião, que vêm crescendo nos últimos anos, mas correm o risco de entrar em colapso. “A entrega do contorno o mais rapidamente possível seria importante, não só para o porto, mas também para o turismo, para a circulação de mercadorias e a mobilidade dos moradores.” 
O secretário conta que, em Ilhabela, estão sendo desenvolvidos projetos para incrementar o turismo. Os municípios vizinhos – São Sebastião, Caraguatatuba e Ubatuba – também têm projetos turísticos que dependem de uma boa logística.


O Estado contra a sociedade, Pondé na FSP

Aeronautas e aeroviários estão entre os profissionais mais essenciais do mundo

É conhecida a obra do antropólogo francês Pierre Clastres, morto prematuramente em 1977 (nasceu em 1934), intitulada “A Sociedade contra o Estado”, um estudo sobre índios da floresta amazônica e sua “recusa” da centralização política, daí a ideia de uma sociedade contra o Estado.
Faço hoje uma inversão do título de sua obra, como numa espécie de arroubo de licença poética. Falo de um Estado contra a sociedade. Falo do Estado brasileiro e sua cultura destrutiva da iniciativa dos cidadãos e de suas empresas em busca de melhorar a vida e avançar socialmente e economicamente. Não existe avanço social sem avanço econômico. Vejamos algumas faces dessa fúria destrutiva.
Você já se perguntou por que razão você nunca viu um americano (que não tem nenhuma “proteção trabalhista”) tentando entrar ilegalmente no Brasil? Se a “proteção do trabalhador” é tão essencial, por que razão você nunca viu casos de americanos vivendo aqui ilegalmente pra poder ter essa tal “proteção trabalhista”? A razão é simples: porque é melhor ter um mercado cheio de empregos do que um mercado cheio de passivo trabalhista.
No Brasil dar emprego é coisa que devia entrar no processo canônico de santidade. Para além da questão trabalhista em si, a burocracia, a mentalidade de desconfiança contra a iniciativa privada é uma peste.
O Estado nos vê como cidadãos hipossuficientes, uns retardados que precisam da tutela dele ou dos sindicatos. Olhemos especificamente para o caso da aviação, que no Brasil é um escândalo. Olhemos para alguns detalhes.
Para começar, alguns dias atrás algum juiz, ajudado por deputados do PT (com uma pitada do Ministério Público), resolveu barrar, já por duas vezes, a fusão entre a Embraer e a Boeing. 
Com sua canetinha e a ideia de que dane-se a economia nacional e mundial, tenta melar um negócio “da China”. As fábricas francesas de aviões estão a ponto de engolir o mercado mundial e criar um monopólio. Essa fusão tem um sentido dentro do mercado internacional. Mas não. O que importa é o entendimento de um cara cheio de si sobre o assunto.
Por que as companhias áreas brasileiras quebram tanto? Vasp, Transbrasil, Varig e, agora, a Avianca? (A recente decisão de ampliar o capital aéreo para investidores estrangeiros é muito bem-vinda). 
A cultura institucional brasileira é típica de uma república da bananas que, em nome da “soberania” nacional, sustenta apenas a soberania da máquina do Estado contra a sociedade (e o Poder Judiciário é, muita vezes, parte do problema, e não da solução).
Ricardo Cammarota
Por que uma Lan Chile, muito menor em operação do que a TAM, a assimilou, criando a Latam, que é muito mais Lan do que TAM? 
Talvez, uma dica esteja na recente polêmica acerca da tripulação que voará no voo direto São Paulo-Tel Aviv-São Paulo. A Latam anunciou que a tripulação seria inteiramente chilena porque os aeronautas brasileiros têm restrições sindicais maiores em termos da “economia da fadiga” (grosso modo, horas de voo x horas de repouso).
Sem dúvida, é um tema fundamental. Os aeronautas e aeroviários estão entre os profissionais mais essenciais do mundo! São discretos, competentes e polidos. Sem eles, o mundo para em minutos.
Outras classes enchem o saco da sociedade e são muito menos essenciais. Mas, a questão é: por que o Brasil precisa ter uma política sindical mais restrita em termos de “economia da fadiga”? Por acaso sabemos algo que outros países não sabem sobre segurança área? Talvez sim. Mas, suspeito que isso entra no nosso pacote de uma cultura institucional que preza por atrapalhar mais a vida das pessoas do que ajudar.
A polêmica se dá, inclusive, porque não há consenso por parte dos próprios aeronautas quanto às maiores restrições. Alguns acham que chances são perdidas, como essa da Latam agora. Claro que se pode negociar um voo maior em troca de maior descanso. Mas, numa economia de mercado, a empresa (assim como você e eu quando é nosso dinheiro que está em jogo) faz as contas e chega à conclusão de que é mais racional empregar chilenos.
A verdade é que muita gente com diploma no Brasil pensa como neolíticos. E não parecem entender que a sociedade de mercado é, antes de tudo, como sabia Adam Smith (1723-1790), um “dispositivo” moral: funciona distribuindo responsabilidades e parcerias, processo esse que demanda maturidade e liberdade de ação. 
A cultura institucional brasileira é construída para nos manter na condição de hipossuficientes, como dizem os chiques.
Luiz Felipe Pondé
Escritor e ensaísta, autor de “Dez Mandamentos” e “Marketing Existencial”. É doutor em filosofia pela USP.

Descentralizar é programa liberal desde sempre, FSP

Corrente federalista que, como a gestão Bolsonaro, prega mais autonomia para estados e municípios remonta à Independência

Descentralizar é um mote do novo governo. O ânimo no discurso geral é aumentar a autonomia e os recursos das administrações locais em detrimento da central.
A corrente federalista, associada ao liberalismo, tem tradição no Brasil. Desabrochou na Independência e viveu um breve apogeu a partir de 1831, quando Pedro 1º abdicou.
Parte dos juízes passara a ser eleita e a exercer poder de fato nas localidades. A reforma constitucional de 1834 criou assembleias provinciais, também eleitas, às quais repassou atribuições e capacidade de tributar.
Para criticar a reação centralista, avassaladora após a manobra da maioridade de Pedro 2º em 1840, Aureliano Cândido Tavares Bastos publicou em 1870 "A Província - Estudo sobre a Descentralização no Brasil".
Aureliano Cândido Tavares Bastos
O político alagoano Aureliano Cândido Tavares Bastos - Reprodução
Elevar as prerrogativas regionais, disse o político alagoano, é mitigar a tutela do poder central sobre a liberdade dos indivíduos. Que as províncias —equivalentes no Império aos estados na República—​ assumam ampla responsabilidade na regulação da vida coletiva, na infraestrutura, no policiamento e na educação.
Tavares Bastos se mostra um visionário no último ponto. Arrola dados comparados de matrícula bruta de estudantes para escancarar o atraso do Brasil diante de nações como os Estados Unidos e a Argentina.
Defende o ensino básico obrigatório, gratuito e não discriminatório para todos, negros e brancos, meninos e meninas. Cobra das províncias sacrifícios tributários para diminuir depressa o prejuízo na educação.
Antevê o desafio da inclusão com o fim da escravidão e, um século antes de capital humano virar lugar-comum, identifica a relação entre instrução e produtividade. "O que reservareis para suster as forças produtoras esmorecidas pela emancipação [dos escravos]? O ensino, esse agente invisível que, centuplicando a energia do braço humano, é a mais poderosa máquina de trabalho."
O livro de Tavares Bastos merece uma edição atualizada e comentada. Os tempos favorecem. Quem topa?
Vinicius Mota
Secretário de Redação da Folha, foi editor de Opinião. É mestre em sociologia pela USP.