Do brasileiro mais anônimo ao militante mais sofisticado, todos parecem sofrer da mesma confiança cega no seu candidato
Todo mundo fala de “fake news”. Poucos falam de “fake readers”. E, no entanto, os segundos sempre me pareceram mais perigosos do que as primeiras.
Produzir informações falsas ou conspiratórias sempre fez parte do DNA da espécie. Até Eva, que era Eva e vivia no Paraíso, não se conteve e foi um pouco “fake” com Adão no episódio da maçã.
Mas é preciso ter uma mente especial, igualmente falsa e conspiratória, para que as “fake news” possam nascer e prosperar. E, nesse quesito, há países e países.
O instituto de pesquisas Ipsos Mori resolveu estudar o assunto, informa o jornal “Daily Telegraph”. Entrevistou mais de 19 mil pessoas em 27 países. E concluiu, entre outras coisas, que os “fake readers” não se distribuem democraticamente pelo mundo.
Quando falamos de “fake readers”, falamos de pessoas com uma certa “tendência” ou “susceptibilidade” para acreditar em tudo que leem. Sem duvidar, sem questionar.
Itália ou Reino Unido, dois países que conheço bem, são pouco crédulos. Entre os italianos, só 29% confessam ter sido enganados por “fake news”. Entre os britânicos, só 33%. Motivos?
Arrisco um: a desconfiança permanente que italianos e ingleses sempre manifestaram em relação ao poder. Por razões históricas ou filosóficas, ambos os povos sempre tiveram aquela centelha anarquista que permite olhar para a realidade com uma dose saudável de cepticismo.
Produzir informações falsas ou conspiratórias sempre fez parte do DNA da espécie. Até Eva, que era Eva e vivia no Paraíso, não se conteve e foi um pouco “fake” com Adão no episódio da maçã.
Mas é preciso ter uma mente especial, igualmente falsa e conspiratória, para que as “fake news” possam nascer e prosperar. E, nesse quesito, há países e países.
O instituto de pesquisas Ipsos Mori resolveu estudar o assunto, informa o jornal “Daily Telegraph”. Entrevistou mais de 19 mil pessoas em 27 países. E concluiu, entre outras coisas, que os “fake readers” não se distribuem democraticamente pelo mundo.
Quando falamos de “fake readers”, falamos de pessoas com uma certa “tendência” ou “susceptibilidade” para acreditar em tudo que leem. Sem duvidar, sem questionar.
Itália ou Reino Unido, dois países que conheço bem, são pouco crédulos. Entre os italianos, só 29% confessam ter sido enganados por “fake news”. Entre os britânicos, só 33%. Motivos?
Arrisco um: a desconfiança permanente que italianos e ingleses sempre manifestaram em relação ao poder. Por razões históricas ou filosóficas, ambos os povos sempre tiveram aquela centelha anarquista que permite olhar para a realidade com uma dose saudável de cepticismo.
Não é por acaso que Itália, depois da aberração fascista, tenha tido mais de 60 governos desde o fim da Segunda Guerra Mundial. Há traumas que nunca se esquecem.
E não é por acaso que Inglaterra, nas palavras do historiador Élie Halévy, tenha passado por todas as revoluções —industrial, social, cultural— sem nunca ter feito a Revolução (com maiúscula).
Mas no estudo do Ipsos Mori há um país que se destaca pelo seu impressionante grau de credulidade: o Brasil, que lidera a lista. Os brasileiros, ou 62% deles, são os mais crédulos de todos (a média é 48%). Em segundo lugar, com 58%, vem a Arábia Saudita. Como explicar isso?
Eruditos apressados dirão que a culpa é da colonização (e do atraso educacional); da herança católica (e da reverência cega perante a palavra escrita); ou, então, de ninguém: se o Brasil é um dos maiores consumidores mundiais de internet, é inevitável que o número de otários seja proporcional ao número de usuários.
Boa sorte nesse debate. Uma coisa é certa: se há algo que distingue o período eleitoral que o país vive é a existência de tribos —à esquerda e à direita, sem distinção— que cometem o supremo pecado em política: acreditar em políticos e batalhar obstinadamente por eles.
Atenção: não se trata de repetir o clichê popular (e populista) de que “todo político é ladrão/incompetente/psicopata”. Provavelmente, nem todos. Provavelmente.
Mas existe uma diferença entre cultivar esse advérbio cauteloso e defender, com fanatismo, o dogma contrário: o político em quem eu voto é a encarnação terrena da sabedoria e da salvação.
Uma temporada recente no Brasil só confirmou o que eu já conseguia intuir à distância: do brasileiro mais anônimo ao militante mais sofisticado, todos parecem sofrer da mesma febre —uma confiança cega, e surda, e muda, e até paralítica, no seu candidato.
Observei isso ao vivo: estava no aeroporto de Brasília, aguardando o meu voo para São Paulo (dia 31 de julho, umas 11 horas da manhã), quando uma turba enlouquecida veio na minha direção. Que fiz eu para merecer aquilo?
Ledo engano. Quando olhei para trás, Jair Bolsonaro estava a um metro de mim, vindo sei lá de onde. O que se seguiu foi digno de um encontro religioso.
Não é um exclusivo de Bolsonaro. O mesmo poderia acontecer com Lula —e acontece, à porta do cárcere, onde dezenas, centenas, milhares de crentes são capazes de enfiar a cabeça na guilhotina pela honestidade de terceiros.
Engraçado: eu sou incapaz de arriscar a minha cabeça por pessoas que conheço bem, ou que julgo conhecer. Aliás, para ser honesto, nem por mim arriscaria o bestunto. Como proceder de forma diferente com alguém que eu não conheço de todo —e, ainda para mais, um político, ou seja, um membro da espécie “homo sapiens” que inevitavelmente possui um grau maior de narcisismo e ambição por contingências do ofício?
Votar no melhor candidato é uma coisa; endeusá-lo e canonizá-lo, um sintoma de transtorno mental.
Haverá cura? Não sei. Mas, se houver, desconfio que italianos e ingleses têm a chave do problema.
João Pereira Coutinho
Escritor, doutor em ciência política pela Universidade Católica Portuguesa.