Mara Gama
SÃO PAULO
Jogar comida fora é pecado, diz o ditado. E apesar da maioria das pessoas se sentir culpada quando desperdiça, um terço da comida produzida no mundo vai para o lixo.
O consumidor tem grande responsabilidade nisso, mas não vê o desperdício que ocorre em seu modo de vida.
É o que revela uma pesquisa que mapeia hábitos alimentares no Brasil, nos Estados Unidos e na Argentina.
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O estudo ouviu pessoas que são responsáveis ou estão envolvidas no processo de decisão de compras e preparo de alimentos. Foram entrevistados, por telefone, 4 mil americanos, 1.000 brasileiros e 1.000 argentinos, com idades de 18 a 64 anos, no período de agosto a setembro de 2017. Os resultados foram divulgados agora.
Apesar de 77% dos entrevistados dizerem que nunca ou raramente desperdiçam comida, 61% assumem jogar um ou dois alimentos fora semanalmente e 49% fazem isso diariamente.
O Brasil está entre os dez países que mais desperdiçam comida no mundo e 14 milhões passam fome no país.
Segundo a pesquisa, entre os brasileiros, 61% dizem descartar alimentos em perfeito estado para serem consumidos. Os mais desperdiçados são saladas (74%), vegetais (73%) e frutas (73%). E 49% dos brasileiros jogam comida fora diariamente, enquanto 46% cozinham comida em excesso.
O estudo encomendado pela multinacional de alimentos, bebidas e produtos de limpeza Unilever e conduzido pela Edelman faz um mapa do desperdício doméstico e busca entender em detalhes um comportamento chamado de "cegueira da geladeira".
Como o nome indica, trata-se de não ver o que comer mesmo quando já há em casa ingredientes em perfeitas condições de uso. As razões para essa cegueira são escassez de tempo, pouca criatividade, falta de informação e comodismo.
A maior parte das pessoas entrevistadas nunca ouviu falar no conceito de cegueira de geladeira (75%), mas, de acordo com a pesquisa, a maioria é vítima dela.
Para americanos (86%) e brasileiros (81%), a cegueira se manifesta na falta de inspiração para cozinhar.
Brasileiros respeitam muito os prazos de validade anotados nas embalagens: 83% descartam comida seguindo os rótulos. Americanos se preocupam um pouco menos (62%) e argentinos bem menos: 46%. Para os argentinos, a aparência dos alimentos é o fator preponderante para o descarte (88%).
Segundo Marina Fernie, vice-presidente da área de alimentos da Unilever no Brasil, os dados de desperdício deliberado dos brasileiros são "alarmantes".
A radiografia da "cegueira de geladeira" surpreendeu. "Sabíamos que existia, mas não havíamos quantificado. A grande maioria (75%) declara que abre a geladeira e não consegue ver os ingredientes que tem em mãos", diz.
Na opinião dela, o aspecto positivo é que, ao conhecerem o fenômeno, 78% dizem acreditar que seja um problema a ser enfrentado e 80% assumem sentir culpa de desperdiçar alimento. O fato de pessoas passarem fome é a principal razão apontada (63%), seguido pela perda de dinheiro (60%) e pelo fato de acreditarem não ser um bom exemplo que a próxima geração cresça pensando que pode desperdiçar comida: 55%.
"Achamos que as pessoas precisam de incentivo para mudar costumes e que este é o momento certo para agir", diz.
Como empresa da área de alimentos, a Unilever vê oportunidades na sugestão de receitas para combater a falta de iniciativa e criatividade dos consumidores, detectada pela pesquisa. Uma das ações em curso é um site Recepedia.com que usa ingredientes da empresa nas preparações.
O CAMINHO DO DESPERDÍCIO
Os estudos sobre segurança alimentar costumam apontar que o desperdício de alimentos se manifesta conforme o grau de desenvolvimento e se concentra em pontos diferentes do percurso que vai da produção ao consumo.
Em países de baixa renda, as perdas geralmente estão na infraestrutura, com problemas em formas de colheita, estradas, armazenamento, embalagem e refrigeração.
Nos locais de mais alta renda, predomina o chamado desperdício deliberado: consumidores rejeitam alimentos feios, superdimensionam suas compras, jogam fora alimentos que perderam a validade segundo embalagens, sem verificar se isto está certo, e esquecem o que têm na geladeira.
Segundo a ONU, as perdas – que acontecem principalmente nas fases de produção, armazenamento e transporte – representam 54% do que é jogado no lixo e o desperdício corresponde a 46% do total.
COMBATE
O combate ao desperdício começaria com planejamento melhor. "As pessoas compram demais, cozinham demais e, como gostam de comida sempre nova, acabam jogando fora o que ainda está bom", diz Marina. Aprender a cozinhar menos e congelar o que se cozinha seriam passos fundamentais, segundo ela.
Para atacar a "cegueira de geladeira", Marina recomenda acondicionar os alimentos em embalagens transparentes e ter sempre à mão receitas práticas de preparos básicos.
“A vida corrida e o tempo curto em casa fazem com que os brasileiros tenham cada vez menos intimidade com a cozinha. Nessa situação, ter ideias de como combinar ingredientes é um desafio e tanto”, diz.