quinta-feira, 31 de maio de 2018

Estima e ação, OESP

Paulo Saldiva, O Estado de S.Paulo
06 Fevereiro 2016 | 17h31
 
  Foto: DIV
A discussão em torno do conflito entre um médico veterinário e o seu conselho de classe sobre consultas gratuitas para animais pertencentes a pessoas carentes, na cidade de São Carlos, tomou proporções epidêmicas. Tão febril e contagiosa como as doenças virais que assolam o Brasil, ela motivou a manifestação de milhões de brasileiros, que discutem ser ou não possível praticar o bem, minimizar o sofrimento de alguém por iniciativa própria, sem se submeter às regras de conselhos profissionais. A questão esconde nuances que eram desconhecidas de nossos antepassados. Conheci médicos consagrados e outros profissionais, alguns deles meus professores, que exerceram gratuitamente a sua profissão sem experimentar problemas. Entenderam que a prática gratuita para os que menos podem lhes era fundamental, uma forma de retribuírem o que a vida lhes proporcionara.
Valores morais, generosidade, princípios éticos são os pontos centrais da polêmica de São Carlos. Penso que o exercício das profissões que lidam com o sofrimento dos seres vivos (incluindo a nossa espécie) demandam, para ser feito à perfeição, três requisitos centrais: conhecimento, compaixão e misericórdia. O primeiro – o conhecimento – é um requisito fundamental, absolutamente necessário, porém não suficiente. Cuidar de seres vivos invariavelmente requer valores e atitudes que emanam do espírito humanitário, como o compadecer-se (colocar-se no papel de quem sofre) e, em seguida, exercer a misericórdia, que defino no presente contexto como a capacidade de dar o melhor de si para reduzir o sofrimento. Ou seja, no melhor dos mundos, o conhecimento, para ser bem aplicado, há que ser também compassivo e misericordioso. Em geral os comentários que li nas redes sociais abordam valores dessa ordem.
Há, no entanto, um contraponto: a prática profissional gratuita é legítima quando abriga eventuais interesses pessoais? Tomemos programas de TV que pretensamente lidam com o sofrimento humano, porém de forma espetaculosa. Não raro profissionais oferecem gratuitamente seus serviços àqueles que buscam ajuda, porém pagam o alto preço da exploração midiática dos seus penares. Nesses casos, a oferta de serviços gratuitos não seria uma forma de autopromoção e de auferir ganhos e prestígio? Num tempo de explosão das formas de comunicação, é necessário que tenhamos habilidades de equilibrista para não escorregar no balouçante e tênue arame que separa a virtude legítima das ações, digamos assim, nascidas de intenções não tão virtuosas. A dificultar mais a situação, não existem regras claras para julgamento, visto que desconheço qualquer forma segura para avaliar as intenções que nascem da alma e do coração. Em outras palavras, nesse campo é necessário conhecer o mais possível dos fatos, refletir e somente então decidir, sempre sob a sombria perspectiva do erro. Seria trágico atribuirmos maldade à virtude, e igualmente desastroso atribuir santidade a quem não a tem.
Colocado o desafio - decidir, caso a caso, onde reside a virtude e onde habitam os interesses inconfessos -, convido os leitores a uma excursão ao mundo real. A regulação das atividades de várias profissões é objeto de interesse das corporações desde a Idade Média. As guildas profissionais, que fixavam os deveres, limites e obrigações de vários ofícios, são estruturas que remontam a essa época. Músicos, sapateiros, dentistas, artesãos dos mais variados ofícios tiveram como elementos reguladores códigos e regras elaborados por pares. Historicamente, as normas estabelecidas pelas guildas atinham-se, no mais das vezes, às atividades profissionais, com menor ênfase aos valores morais e éticos. Em nosso país, a regulamentação do exercício profissional sempre esteve presente, atingindo novo impulso no Estado Novo, quando começou a se consolidar o conjunto de regras, deveres e obrigações para cada atividade profissional. Mais recentemente, esses limites ampliaram os seus horizontes, fixando atividades restritas a um determinado grupo profissional e regulando o mercado de trabalho. Ao assegurar medidas de controle contra uma concorrência desleal, ganharam espaço e vez, em detrimento, no meu melhor entendimento, de uma discussão mais profunda e construtiva dos valores fundamentais que deveriam reger as atitudes de todos aqueles que lidam com o sofrimento humano.
A questão do atendimento dos animais, de forma gratuita, em uma pequena clínica em São Carlos envolve uma questão central, qual seja, os limites entre os direitos individuais do cidadão e o papel dos conselhos profissionais que visam a regulamentar as atividades de uma corporação. Até que ponto os conselhos podem regular iniciativas como a prática gratuita de um profissional? É sempre necessário filiar-se a uma organização não governamental ou instituição filantrópica para legitimar uma iniciativa caridosa? Como avaliar com justiça as reais motivações que movem ações como a de São Carlos? Convido todos os leitores a refletirem sobre o tema, pois o viver de nosso presente necessita, desesperadamente, de exemplos realmente positivos e voltados para a construção de uma sociedade melhor. Exemplos positivos são um santo remédio para tratar a desesperança que assola o Brasil nos dias de hoje.
PAULO SALDIVA É PATOLOGISTA E PROFESSOR DA USP

Exército diz que ‘malucos’ apoiam intervenção, OESP



General Eduardo Villas Bôas afirma haver ‘chance zero’ de retorno dos militares ao poder, mas que ‘tresloucados’ podem gerar reação em cadeia






Eliane Cantanhêde, O Estado de S. Paulo
10 Dezembro 2016 | 22h00

 
  Foto: DIDA SAMPAIO | ESTADAO CONTEUDO
BRASÍLIA - O comandante do Exército, general Eduardo Villas Bôas, diz que há “chance zero” de setores das Forças Armadas, principalmente da ativa, mas também da reserva, se encantarem com a volta dos militares ao poder. Admite, porém, que há “tresloucados” ou “malucos” civis que, vira e mexe, batem à sua porta cobrando intervenção no caos político.
“Esses tresloucados, esses malucos vêm procurar a gente aqui e perguntam: ‘Até quando as Forças Armadas vão deixar o País afundando? Cadê a responsabilidade das Forças Armadas?’” E o que ele responde? “Eu respondo com o artigo 142 da Constituição. Está tudo ali. Ponto”.
Pelo artigo 142, “as Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”
O que o general chama hoje de “tresloucados” corresponde a uma versão atualizada das “vivandeiras alvoroçadas” que, segundo o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, primeiro presidente do regime militar, batiam às portas dos quartéis provocando “extravagâncias do Poder militar”, ou praticamente exigindo o golpe de 1964, que seria temporário e acabou submetendo o País a 21 anos de ditadura. “Nós aprendemos a lição. Estamos escaldados”, diz agora o comandante do Exército.
Ele relata que se reuniu com o presidente Michel Temer e com o ministro da Defesa, Raul Jungmann, e avisou que a tropa vive dentro da tranquilidade e que a reserva, sempre mais arisca, mais audaciosa, “até o momento está bem, sob controle”. De fato, a crise política, econômica e ética atinge proporções raramente vistas, mas os militares da ativa estão mudos e os da reserva têm sido discretos, cautelosos.
“Eu avisei (ao presidente e ao ministro) que é preciso cuidado, porque essas coisas são como uma panela de pressão. Às vezes, basta um tresloucado desses tomar uma atitude insana para desencadear uma reação em cadeia”, relatou o general Villas Bôas, lembrando que há temas mais prosaicos do que a crise, mas com igual potencial de esquentar a panela, como os soldos e a Previdência dos militares.
Na sua opinião, Temer “talvez por ser professor de Direito Constitucional, demonstra um respeito às instituições de Estado que os governos anteriores não tinham. A ex-presidente Dilma (Rousseff), por exemplo, tinha apreço pelo trabalho das pessoas da instituição, mas é diferente”.

 
  Foto: LUCIO BERNARDO JR | DIV
Em entrevista ao Estado, na sua primeira manifestação pública sobre a crise política do País, o comandante do Exército admitiu que teme, sim, “a instabilidade”. Indagado sobre o que ele considerava “instabilidade” neste momento, respondeu: “Quando falo de instabilidade, estou pensando no efeito na segurança pública, que é o que, pela Constituição, pode nos envolver diretamente”.
Aliás, já envolve, porque “o índice de criminalidade é absurdo” e vários Estados estão em situação econômica gravíssima, como Rio de Janeiro, Pernambuco, Rio Grande do Sul, Minas Gerais. Uma das consequências diretas é a violência.
Ao falar sobre a tensão entre o Judiciário e o Legislativo, depois que o ministro Marco Aurélio Mello afastou o senador Renan Calheiros da presidência do Senado por uma liminar e Renan não acatou a ordem judicial, o comandante do Exército admitiu: “Me preocupam as crises entre Poderes, claro, mas eles flutuam, vão se ajustando”.
O general disse que se surpreendeu ao ver, pela televisão, que um grupo de pessoas havia invadido o plenário da Câmara pedindo a volta dos militares. “Eu olhei bem as gravações, mas não conheço nenhuma daquelas pessoas”, disse, contando que telefonou para o deputado Jair Bolsonaro (PSC-RJ) para se informar melhor e ouviu dele: “Eu não tenho nada a ver com isso”.
Bolsonaro. Bolsonaro, um capitão da reserva do Exército que migrou para a vida política e elegeu-se deputado federal, é uma espécie de ponta de lança da direita no Congresso e não apenas capitaneia a defesa de projetos caros às Forças Armadas, como tenta verbalizar suas dúvidas, angústias e posições e se coloca como potencial candidato à Presidência em 2018.
“No que me diz respeito, o Bolsonaro tem um perfil parlamentar identificado com a defesa das Forças Armadas”, diz o general, tomando cuidado com as palavras e tentando demonstrar uma certa distância diplomática do deputado.
É viável uma candidatura dele a presidente da República em 2018, como muitos imaginam? A resposta do general não é direta, mas diz muito: “Bolsonaro, a exemplo do (Donald) Trump, fala e se comporta contra essa exacerbação sem sentido do tal politicamente correto”.

Farsas, Luis Fernando Verissimo, O Estado de S.Paulo 31 Maio 2018 | 02h00


O Brasil alterou a famosa frase do Marx. Aqui, a História não se repete como farsa, as farsas se repetem como História. O golpe de 64 foi farsesco, descontando-se o que teve de ignóbil. Depois dele, vivemos 20 anos com generais se sucedendo na presidência da República sem votos, uma farsa reincidente. Entre os generais presidentes, tivemos de bufões a um falso pastor que autorizou assassinatos de Estado, como nos contou, recentemente, a CIA. Diante desse teatro burlesco, a população teria todo o direito de gritar “E os palhaços? Onde estão os palhaços?”, se fosse permitido gritar. Para ser uma farsa completa, só faltaram palhaços em cena ou, no mínimo, um amante só de cueca escondido no armário.
E agora tem gente desfilando com faixas que pedem intervenção militar já. Quer dizer, pedem uma repetição da farsa. Como gostaram da outra, provavelmente querem uma farsa igual àquela, uma volta àqueles dias. São movidos à nostalgia, mais do que qualquer projeto realista. Mas o movimento está crescendo, pelo que se ouve e se lê, e não se minimize o poder da nostalgia mobilizada, quanto mais irrealista mais perigosa.
A farsa de 64 começou com um general de opereta, impaciente com a demora das conspirações, decidindo comandar seus tanques contra o governo Jango sem esperar por ninguém. Foi a faísca que incendiou o resto. Muito cuidado com faíscas e generais impacientes, portanto.
Futebol. Quem não gosta de futebol, além de ser ruim da cabeça e doente do pé, é porque nunca viu um jogo como o Real Madri x Liverpool na decisão da Copa da UEFA, na semana passada. Tudo que o futebol tem de bonito e de dramático - e, no caso dos erros do goleiro do time inglês, Karius, responsável por dois dos gols do adversário -, de patético, estava em campo. Dramática foi a contusão do Salah, grande revelação do Liverpool, que talvez fique fora da Copa em que ele seria uma das sensações, jogando pelo Egito. Mas vão sobrar sensações na Copa que se aproxima. Não perca.