Um soldado não pode ganhar R$ 3.143, diz novo comandante da PM de SP
Em entrevista à Folha, coronel diz que salário ideal seria muito melhor que isso
Rogério Pagnan
SÃO PAULO
O novo comandante-geral da Polícia Militar de São Paulo, coronel Marcelo Vieira Salles, 51, disse à Folha que uma das suas principais metas na corporação será pela valorização dos policial militares, incluindo a salarial. "Um soldado não pode ganhar R$ 3.143. O salário do policial tem que ser a altura da sua responsabilidade. Porque ele vai a lugares onde todo mundo está fugindo", disse o policial.
Salles, que assumiu o comando da PM na semana passada no lugar do coronel Nivaldo Restivo, após escolha do governador Márcio França (PSB), disse que vai defender esse reajuste já que há outros estados do país nos quais os PMs ganham mais do que em São Paulo. “E o custo de vida de São Paulo é mais alto [do que esses lugares]", afirmou.
O coronel não citou um valor que considera ideal, mas disse: “Tinha que ser muito melhor. Eu acho que deveria pelo menos acompanhar a perda [inflacionária]. Por que é muito ruim esse não acompanhamento [da inflação]. Pelo menos que tivesse mantido o que a inflação comeu”, disse o comandante.
A falta de reajuste salarial é uma das principais reclamações dos policiais militares. Nos últimos quatro anos, os PMs tiveram apenas 4% de reajuste durante o governo de Geraldo Alckmin (PSDB), agora pré-candidato à Presidência da República. Só em 2015, a inflação medida pelo IPCA foi de 10,7%.
O coronel Salles é o caçula de quatro irmãos, o único que seguiu a carreira militar. Antes de assumir o comando da PM paulista, Salles filho comandou a Cavalaria, trabalhou por anos da Casa Militar (no Palácio dos Bandeirantes). Comandava o policiamento ostensivo na zona oeste da capital quando recebeu o convite para o cargo pelo próprio governador Márcio França.
PM NO NOTA 10
Na entrevista à Folha, o novo comandante disse que vai trabalhar para dar um “nível de excelência” para a Polícia Militar na prestação de serviço à população, embora ele já dê nota 10 a esse serviço atualmente.
“Daria 10. Daria 10 por conta do compromisso do policial de trabalhar no sereno, no sol, na chuva, a pé, de barco, no bombeiro. Eu vejo pela regra, não pela exceção. O policial militar é vocacionado. Nós temos alguns que ousam macular esse uniforme. Não é por esses que eu meço. A minha régua é por aqueles que trabalham e se dedicam."
O coronel disse dar nota 10 até mesmo para a prestação de serviço na periferia, embora admita que é preciso melhorar. Salles disse considerar “equivocada” recente afirmação de um oficial da corporação segundo o qual é preciso um tratamento diferente nos bairros nobres e periféricos.
“Aquele tenente-coronel [comandante da Rota] fez aquela afirmação equivocada. Eu defendo isso, a instituição prega isso que é, por exemplo, nas abordagens, ter um procedimento operacional padrão. Nós temos 645 municípios, São Paulo é um país. Tudo que sai do comando tenha que ter um padrão. Para que o policial aja assim [da mesma forma] em Pedregulho, que aja assim em São Mateus, onde eu nasci, que aja assim nos Jardins."
TERRITÓRIOS DOMINADOS
O comandante da PM disse que, diferentemente do Rio, em São Paulo não existem “bolsões de exclusão”, maneira como o policial chama os territórios dominados pelo crime onde os policiais militares não conseguem patrulhar.
Em São Paulo, segundo ele, há áreas nas quais os policiais precisam “redobrar a atenção” durante o patrulhamento. “Não há áreas de exclusão, porém, tudo que você for fazer com a polícia, precisa ter uma análise de risco.”
No ano passado, a diretora do Departamento de Homicídios da Polícia Civil de São Paulo, a delegada Elisabete Sato, disse que o Estadovivia um período "muito complicado" para a segurança pública e que até mesmo a Rota, a tropa de elite da PM, não conseguia entrar em favelas da capital paulista.
Sobre a suspensão dos Correios na entrega de produtos em quase um terço da cidade de São Paulo, o que afeta a vida de cerca de 4,5 milhões de pessoas, o policial disse não haver um descontrole sobre os roubos de carga até porque, diz, há uma queda desse indicador desde do ano passado no estado.
INTEGRAÇÃO
Sobre a proposta em estudo no governo do estado de transferir a Polícia Civil da pasta da Segurança Pública para a da Justiça, Salles disse que essa é uma discussão que precisa ser travada pela Assembleia Legislativa de São Paulo, até com audiências públicas. Para ele, porém, é preciso integração entre policiais civis e militares.
“Independentemente em qual secretaria esteja abrigada uma ou outra instituição, cada uma tem seu papel, até por previsão Constitucional. Independente de onde estivermos, nós teremos de trabalhar juntos. Integrados. Eu acredito na integração”, disse.
Ainda sobre mudanças, o novo comandante disse acreditar que é inevitável o país adotar o ciclo completo de polícia, que permitira aos PMs realizar até investigações de crimes e apresentar casos diretamente ao Judiciário, algo que em São Paulo é proibido. A atribuição de registrar e investigar crimes hoje exclusividade das polícias civis e da Polícia Federal.
“Eu sou a favor do ciclo completo. Eu tenho certeza de que é um caminho natural. Poderia começar com crimes de menor potencial ofensivo, apenado até dois anos”, disse ele, que elogiou experiência exitosa que ocorre em Santa Catarina com tal ciclo.
No estado de São Paulo, essa mudança não ocorreria, porém, “a curto e médio prazos”, porque é uma discussão que ainda precisa amadurecer.
CHACINA
Sobre as suspeitas de envolvimento de policiais militares em chacinas, como ocorreu em anos anteriores no estado, o coronel disse que isso prejudica em demasia a imagem de toda a corporação. “Às vezes as pessoas nos veem como pessoas de segunda categoria.” PMs, por exemplo, foram condenados pela chacina que deixou 17 mortos em 2015, nas cidades Osasco e Barueri, na Grande São Paulo.
Para tentar reverter esse tipo de nódoa na imagem da PM, o comandante disse que é preciso manter um trabalho de depuração internar, “cortar na própria carne”, com a atuação dos comandantes de todos os níveis na fiscalização da tropa. “Nós não temos compromisso com o erro. Nós somos do lado da lei."
Sobre a letalidade policial, Salles disse que a morte de “20 pessoas” por mês em confronto “é muita coisa” e, por isso, é preciso tentar mudar isso. “Precisamos nos debruçar para tentar reduzir isso número.”
No ano passado, 45 policiais militares foram mortos no estado, a maioria de folga (34). No mesmo período, foram registradas 877 mortes pelas mãos de PMs.
MARCA
Salles disse não buscar uma marca pessoal em sua passagem pelo comando já que, para ele, a instituição tem uma que ele já usa: “Servir e proteger”. Um dos seus objetivos, segundo ele, é substituir à altura seu antecessor, Nivaldo Restivo, que vinha conseguindo a redução de todos os indicadores criminais –com exceção dos estupros. “Não é fácil substituir o Pelé”, brincou o coronel, amigo do outro.
Apesar de poder ficar apenas sete meses no cargo, caso o governador Márcio França não consiga a reeleição em outubro, Salles disse que vai “tentar implementar de todas as formas” na tropa uma filosofia mais humana e respeitosa no trato com as pessoas.
"Numa abordagem, você prende um bandido ou faz um amigo. Uma abordagem bem explicada, você ganha o amigo. Eu tenho que acreditar nisso [que podemos mais]. Ou, senão, acabou. Eu tenho que promover isso, eu tenho que inspirar isso”, disse.
A cerimônia de posse de Salles foi marcada pelo choro do oficial ao falar do pai, um subtenente aposentado da própria PM paulista. O coronel, com seu 1,88 metro de altura, disse não ter vergonha de chorar porque se sente “abençoado por Deus” por tudo que conseguiu até agora. “Eu não tenho vergonha de emocionar. Hoje eu sou comandante da Polícia Militar do Estado de São Paulo e fui um modesto office-boy. Eu era uma das pessoas invisíveis.”
Salles disse que é com as pessoas invisíveis da sociedade que a PM precisa trabalhar. “Nós temos que defender os mais fracos.”