domingo, 18 de fevereiro de 2018

A guerra de Temer e o Exército no Rio - VINICIUS TORRES FREIRE, FSP


FOLHA DE SP - 18/02

O Rio de Janeiro não tem governo. Melhor do que estar sob o controle dos presidiários Sérgio Cabral (MDB) e Jorge Picciani (MDB), decerto.

Mas a máquina pública ainda está tomada pelo vírus do MDB. Há conluio entre comandantes da PM e o crime organizado, já disse Torquato Jardim, ministro da Justiça de Michel Temer (MDB). A chefia do Tribunal de Contas foi para a cadeia. Falido, o Rio vive de favor federal e em guerra civil molecular.

Por que não houve intervenção no governo inteiro?

Porque seria um desvio da ofensiva política do governo federal. Desde que a reforma da Previdência estrebuchava, fins de 2017, Temer e turma previam uma "agenda positiva" para 2018, baseada em segurança pública. Seria um mote eleitoral do governismo, de Rodrigo Maia (DEM) inclusive. Mas isso era um plano agora menor e pretérito.

O colapso de Luiz Fernando Pezão (MDB) juntou a fome com a vontade de comer. No Planalto, se diz que de fato não havia mais alternativa a uma baderna criminosa geral. Sim, Temer e turma vão tentar fazer propaganda da intervenção militar na segurança do Rio até outubro. Cuidar do desastre do governo inteiro tiraria o foco da campanha, prejudicaria a tentativa de capitalizar efeitos provisórios da intervenção ou da paz temporária do cemitério.

Vai dar certo, do ponto de vista do governismo?

A pergunta interessa não apenas a Temer e turma, pois a intervenção redefine a conversa política do país. O blá-blá econômico fica à margem, a não ser em caso improvável de fracasso ou sucesso extremado da recuperação do PIB. A reforma da Previdência não volta, mesmo que Temer e turma quisessem, pois suspender a intervenção para votá-la é pedalada constitucional escandalosa.

O Exército não gostou da decisão atabalhoada; militar gosta de planos. Além do mais, desde o final do Império detesta a ideia de servir de polícia ocasional sob ordem da elite. Cansado de missões esporádicas, que acha caras, infrutíferas e desmoralizantes, ainda pede mais poderes e salvaguardas a Temer. Acha que vai conter a desordem, mas apenas para passar logo o bastão a quem possa criar um "sistema de segurança pública eficiente".

Circula outra vez clichê tolo de que o Exército, "treinado para a guerra e combater o inimigo", nada sabe de segurança pública. O Exército não treina para fazer ou investigação ou policiamento sistemáticos. Mas manutenção de paz e ordem é competência de parte da tropa. Os militares passaram 13 anos fazendo justamente isso no Haiti.

Não é de modo algum um prognóstico de sucesso. Temer não tem plano de segurança, e o Exército não substitui uma polícia eficaz.

Mas o Exército não vai ao Rio se fazer de polícia, segundo um general no Rio, mas para criar condições de uma reforma de fundo. Diz o general que pode haver, sim, confronto com bandidos, com alto risco de danos colaterais. Que se vai intervir nos presídios, isolar e tornar incomunicáveis os comandantes presos do crime. Que "muito provavelmente" será necessário trocar comandos da PM e delegados por oficiais, reequipar a polícia e levantar o moral da tropa fluminense.

E se o Exército fracassar? "Resta o Estado de sítio, uma guerra de verdade, um fracasso da nação", diz o general.

Sobre o auxílio-moradia a juízes: legal igual a moral? - SAMUEL PESSÔA, FSP


domingo, fevereiro 18, 2018


FOLHA DE SP - 18/02

Benefício é pago independentemente de o magistrado ter imóvel próprio


Há algum tempo a categoria de juízes vem sendo exposta em razão do auxílio-moradia. O benefício é pago independentemente de o magistrado ter imóvel próprio na cidade em que trabalha.

Os juízes argumentam que a concessão do benefício é legal e, portanto, não há problema moral em requerê-lo. O juiz Sergio Moro argumentou que o benefício compensa os salários congelados há três anos. Faltou lembrar que os impostos também não crescem há três anos.

Apesar da legalidade, a percepção é que o benefício é imoral.

O colunista Eugênio Bucci, na edição de quinta (15) do jornal "O Estado de S. Paulo", afirmou que o governo estereotipava os servidores públicos como privilegiados. Os servidores públicos somente "acreditaram na promessa do Estado de que, se topassem trabalhar recebendo proventos limitados, (...) teriam, no final da vida, uma aposentadoria digna".

Recente estudo do Banco Mundial mostrou que o Estado brasileiro remunera trabalhadores com as mesmas características de qualificação com salários 70% maiores do que o setor privado. A prática mundial é que esse "excesso" de remuneração do setor público seja de 15%. Não parece que os proventos sejam "limitados".

Bucci esqueceu que a reforma da Previdência em tramitação no Congresso Nacional não elimina os princípios de integralidade e paridade do benefício previdenciário dos servidores, mas apenas determina que serão garantidos para os que se aposentarem com 65 anos para homens e 62 anos para mulheres. Parece que são idades razoáveis para caracterizar "no final da vida".

Os dois princípios mencionados estabelecem que o servidor se aposenta com o último salário e tem a garantia de receber todos os aumentos reais concedidos aos ativos.

Adicionalmente, a população em geral entende que poder se aposentar com 55 anos, por exemplo, e ser elegível à paridade e à integralidade é privilégio. Parece ser o caso. Vale lembrar que as pressões dos servidores sobre os deputados para que a reforma não ande são fortíssimas. E eles sempre vendem para a sociedade que seu interesse é o coletivo. Entende-se, portanto, o esforço de propaganda da reforma pelo governo.

Se a reforma for aprovada, após seis meses as mesmas regras se aplicarão aos servidores dos Estados. E os Estados estão quebrados. Para os Estados, o principal motivo da quebradeira é a folha de servidores ativos e inativos. As regras previdenciárias fazem com que hoje um Estado, para cada coronel da PM da ativa, por exemplo, pague de 20 a 30 benefícios para inativos ou suas viúvas.

No Carnaval, pegou muito mal a informação de que o apresentador Luciano Huck se beneficiou de um empréstimo do BNDES a taxas de juros reais negativas para comprar um jatinho. Tudo legal. A percepção é que houve privilégio.

O grande problema é tratarmos os iguais de forma desigual. Vale para os servidores, vale para os regimes especiais de tributação, Simples e lucro presumido, vale para os empréstimos do BNDES, vale sempre que alguém se beneficia de uma meia-entrada.

Evidentemente, cada qual, e este colunista não é exceção, olha a sua meia-entrada como sendo plena de justificativa e de razões.

O desempenho de nossa economia nos últimos 35 anos sugere que essa economia política não está funcionando bem. Excelente indicação de leitura é "Por que o Brasil Cresce Pouco?" de Marcos Mendes, editado pela Campus.

sábado, 17 de fevereiro de 2018

O interesse geral, FSP

IO DE JANEIRO - Barcelona, xodó de 9 entre 10 prefeitos que se preocupam com suas cidades, acaba de proibir a construção de novos hotéis em sua área turística. Mesmo nas zonas menos solicitadas, mas já razoavelmente servidas de hospedagem, só se poderá abrir um novo hotel caso outro feche, e com o mesmo número de leitos. E, para evitar que residências particulares se transformem em hostels, vão intensificar a fiscalização. Por que tudo isto? Para garantir o respeito ao "interesse geral".
Esse "interesse geral", em contraposição a um laissez-faire sem limites, é observado em muitas cidades da Europa e que ninguém se atreva a resmungar em nome do direito de propriedade. O coletivo fala mais alto. Em Paris, onde até o número de padarias por quarteirão é regulado —e há cidade no mundo que cultue mais o pão e a liberdade?—, não há hipótese de um mesmo bairro comportar um número exagerado de, por exemplo, farmácias.
No Leblon, aqui no Rio, somente a avenida Ataulfo de Paiva, sua principal artéria, tem cerca de 20 farmácias em pouco mais de 1 km de extensão. Em média, uma a cada 50 metros —como se o bairro com um dos maiores PIBs e o metro quadrado mais caro do país fosse um reduto de enfermos e estropiados. Além disso, as farmácias têm a desagradável característica de, uma vez abertas, sobreviver a seus clientes —nunca se vê uma fechar as portas. Em contrapartida, nove livrarias abriram e fecharam no Leblon nos últimos 15 anos.
Não se fala na criação de novos teatros, bibliotecas ou instituições culturais, em que as pessoas possam se reunir para falar, ouvir, aprender e discutir. Já as farmácias se reproduzem como amebas, ao lado de restaurantes, academias de ginástica e bancos que também não param de abrir.
É o que nos resta: morrer bem alimentados, , sarados e com as contas em dia.