quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

Vamos falar de Fernando Henrique?, Marcelo Coelho , FSP


Simpatia do ex-presidente por candidatura de Luciano Huck desmascara mito do estadista

O autoritarismo e a arrogância têm muitos disfarces. Conheço gente capaz de dizer barbaridades com um grande sorriso nos lábios, dando tapinhas nas costas da vítima. A simpatia, pensam, absolve tudo.
Não é bem simpatia: cabe mais falar num senso de familiaridade. O agressor age na certeza de que sempre foi e será apreciado. A indulgência com que trata a si mesmo, ele a projeta nos demais. Quando esmaga alguém, não deixa de olhar para um espelho imaginário, colhendo desde logo os aplausos pela proeza.
É uma espécie de abuso patriarcal, uma bonomia do mando, uma opressão grugulejante, um babado no despudor.
Claro que muita gente cabe nesse modelo, que tem variações de sexo, idade, ofício e região do país.
Já recordei, neste espaço, um exemplo do comportamento. Bem antigo, aliás: Fernando Henrique Cardoso era candidato ao Senado, em 1978, e estava num debate com Claudio  Lembo  —que tinha a espinhosa tarefa de defender o regime militar.
Elogiando a "abertura" de Geisel e Figueiredo, Lembo resolveu citar um cientista político americano, Samuel Huntington, que destacava a função "modernizadora" do autoritarismo de direita na América do Sul.
"Huntington defende a ditadura", cortou Fernando Henrique, com razão. Lembo quis balbuciar resposta. Com o mais simpático dos sorrisos, FHC falou grosso: "Não adianta, disso eu entendo mais do que você".
Houve depois a famosa foto em que FHC se sentou na cadeira de prefeito, dando por certa uma vitória eleitoral que acabou sem acontecer.
Já presidente, Fernando Henrique deu entrevista coletiva pouco após anunciar um aumento pequeno do salário mínimo. Um repórter da Folha perguntou, com uma ponta de demagogia, como faria o presidente se tivesse de viver com tão pouco.
"Faria o mesmo que você", respondeu, em tom de "ora essa!". Queria dizer que não adianta um jornalista se fazer de "povo" quando, afinal, todos "nós", ou seja, "eu e você", pertencemos à mesma classe.
"Eu mesmo tenho um pé na cozinha", brincou FHC ao tratar do racismo brasileiro. Era uma frase simpática, mas ao mesmo tempo escandalosa: ao usar expressão obviamente racista, ele sem dúvida tirava da cozinha o pé que dizia estar ali.
Resumindo, uma permanente sensação de estar "à vontade" disfarça em Fernando Henrique a sua profunda arrogância. Aquele famoso "sabe com quem está falando?" ganha uma versão particular nos modos do ex-presidente.
Em teoria, quem diz isso se coloca acima dos demais. No caso FHC, o autoritarismo é inclusivo: "Eu e você sabemos perfeitamente quem sou eu que está falando". Por sermos da mesma patota, você sabe, sou eu que mando. Pode ficar quieto, já sabemos aonde você quer chegar. Só que eu cheguei antes. Já estou eleito, fique à vontade no meu gabinete de prefeito.
Como ex-presidente, FHC poderia se colocar num plano bem elevado, o de sábio estadista.
Suas considerações sobre a oportunidade de uma candidatura Luciano Huck confirmam, infelizmente, a característica que ele sempre teve: a de ser um imenso falastrão, cuja única inocência é a de achar sinceramente que é um sábio estadista.
"Ora, ora, você sabe que eu sou um estadista mesmo... Pare com esse nhe-nhe-nhem."
FHC poderia conferir peso a propostas de reforma política ou equilíbrio nos debates sobre a Previdência; poderia moderar os embates entre o Judiciário e os políticos.
Não. Chama os holofotes para elogiar Luciano Huck.
Provavelmente, acha que qualquer um é tão inferior a ele mesmo que, entre Huck, Serra, Alckmin, Doria, Justus ou Romário, qualquer um serve, desde que ganhe.
Talvez FHC esteja mais uma vez seduzido por seu grande fetiche, o da "modernidade", no seu modelito Jardins. Huck? Um rapaz "simples, boa figura, falei com ele outro dia no La Tambouille".
O Plano Real, com seus grandes méritos, trouxe essa modernidade como bandeira: o câmbio baixíssimo e os juros altos permitiram nossas compras de bebida importada e nossas viagens com cartão de crédito internacional.
Dizia-se que aquela demagogia do dólar barato era na verdade uma aposta na possibilidade de renovar tecnologicamente nosso parque industrial. Entraríamos no Primeiro Mundo; quanto a você, se for um dos 60 milhões de excluídos de quem FHC fez pouco, saiba que, no Caldeirão do Huck, um arquiteto de grife redesenhará o seu barraco.
Marcelo Coelho
É membro do Conselho Editorial da Folha. É autor de romances e de coletâneas de ensaios. Comenta assuntos variados. Escreve às quartas.

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

Precatório do Estado de São Paulo poderá ser antecipado

 O governo do Estado de São Paulo anunciou na última sexta-feira (9) a liberação de R$ 7,7 bilhões para o pagamento de precatórios a servidores e ex-servidores que venceram ações de aumento salarial, pagamento de verbas trabalhistas e aposentadorias na Justiça.
Metade deste valor será destinada aos credores que fecharem acordo com a Procuradoria Geral do Estado para receber a grana mais rapidamente.
Para antecipar o pagamento do precatório, o servidor estadual terá que abrir mão de 40% do valor devido pelo governo. Esse tipo de negociação já era oferecida de forma similar para os credores que esperam para receber um atrasado da Prefeitura de São Paulo.
A proposta poderá ser feita diretamente no site da PGE (www.pge.sp.gov.br) pelo advogado do credor até 31 de dezembro de 2020. Após a análise da documentação pela procuradoria, o pedido é encaminhado ao tribunal que expediu o precatório. Finalizado o trâmite, a grana é paga em até 60 dias.
A outra metade da verba anunciada na sexta pelo governo será destinada para o pagamento dos precatórios por ordem cronológica (mais antigos saem antes). “Com este valor devemos avançar cinco ou seis anos de fila. Hoje estamos pagando a partir de 2001”, disse o governador Geraldo Alckmin.
Podem pular a ordem cronológica idosos a partir dos 60 anos e doentes graves, que vão à lista preferencial.
Neste ano, o pagamento prioritário será limitado a R$ 145 mil e o que exceder esse valor volta para a ordem cronológica. Como em 2017 o limite era de R$ 85 mil, quem já recebeu pode cobrar a diferença na lista preferencial neste ano.

CREDOR PODERÁ FECHAR ACORDO COM O GOVERNO

  • O governo do Estado anunciou a liberação de R$ 7,7 bilhões para o pagamento de precatórios
  • No total, R$ 3,85 bilhões devem ser destinados aos credores que fecharem acordos com o governo para receber a grana antes
  •  A outra metade será destinada aos atrasados por ordem cronológica
Atualmente, existem 14.142 precatórios pendentes de pagamento no Estado 

COMO VAI FUNCIONAR O ACORDO

  • O credor que quiser receber a grana mais rápido terá que abrir mão de 40% do valor do precatório
  • O desconto incidirá sobre o valor total que tem a receber, incluindo juros e correção monetária
  • O advogado do credor deverá apresentar o pedido de acordo à Procuradoria-Geral do Estado, no site www.pge.sp.gov.br
  • Após fechado o acordo, o pagamento sairá em até 60 dias 

DOCUMENTOS NECESSÁRIOS

  • Procuração concedida ao advogado
  • Comprovante de que é o titular do precatório ou seu herdeiro
  • Certidão de trânsito em julgado do processo
  • Contrato de honorários com o advogado

LISTA PREFERENCIAL

  • O Estado paga os precatórios conforme a ordem cronológica
  • Neste ano, a expectativa é quitar os precatórios emitidos entre 2001 e 2005
  • Os idosos com mais de 60 anos e doentes graves podem receber antes
  • Para isso, devem solicitar o pagamento prioritário ao Tribunal de Justiça
  • Neste ano, será possível receber até R$ 145.146,60 na lista preferencial
Fontes: Governo do Estado de São Paulo, PGE  (Procuradoria-Geral do Estado) e TJ-SP (Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo)
 

FHC e sua curva de Sartre a Huck, FSP


Nova cartada do grão-tucano revela o esgotamento de seu partido e de sua prática política

Quando Fernando Henrique Cardoso se referiu à candidatura de Luciano Huck à Presidência da República, louvou "sua boas intenções" e disse que "para o Brasil seria bom, mas não sei o que ele vai fazer". FHC sabe o que gostaria que ele fizesse, mas não sabe o que Huck fará, nem antes nem depois de uma eventual candidatura. Sabe apenas que tem "boas intenções".
Faz tempo que FHC flerta com o "novo". Em 1989, para um pedaço do tucanato, o "novo" era o ator Lima Duarte, de 59 anos, para ser o candidato a vice na chapa de Mário Covas à Presidência da República. O "novo" chamou-se Fernando Collor e foi eleito. Em 2012 pensou-se pela primeira vez em Huck, recrutando-o para uma candidatura ao Senado em 2016.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante debate com senador Cristovam Buarque (PPS-DF) em São Paulo
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante debate com senador Cristovam Buarque (PPS-DF) em São Paulo - www.fotoarena.com.br
Estranho "novo" esse, vem sempre da telinha. Isso num partido que perdeu quatro eleições presidenciais e tem em Geraldo Alckmin seu provável candidato. Assim, o PSDB terá oferecido ao eleitorado dois repetecos, com José Serra e Alckmin, mais um "novo" com Aécio Neves.
FHC buscou o "novo" na telinha por diversos motivos, mas acima de todos está o desejo de ganhar a eleição. Se ele conhece virtudes, além das "boas intenções" de Huck, não as revelou. Nem ele nem o "novo" que, em um ano de breves enunciados, repetiu platitudes capazes de humilhar campeões do óbvio como Michel Temer e Geraldo Alckmin.
Em 1960, aos 29 anos, Fernando Henrique Cardoso fez-se notar na academia paulista coordenando uma palestra do escritor francês Jean-Paul Sartre. Passou-se mais de meio século, ele governou o país por oito anos e recuperou a credibilidade econômica do Brasil. Fez isso com jovens audaciosos como Pedro Malan e Gustavo Franco, mas, por artes de Asmodeu, o PSDB nada produziu além de Geraldo Alckmin e Aécio Neves, um "novo" que descarrilou (Vai aqui uma hipótese: Malan e Franco nunca se moveram nos trilhos por onde andou Aécio.)
Não se pode responsabilizar FHC pela ruína do PSDB, mas ele foi parte dela. Quando saiu do MDB, acompanhando Mário Covas e Franco Montoro para livrar-se das práticas que o haviam contaminado, buscava algo novo e foi bem-sucedido. O tucanato envelheceu, em vários sentidos.
Indo buscar o "novo" na telinha, FHC e os articuladores da candidatura de Huck atestam o fracasso de suas práticas políticas. Huck é um profissional bem-sucedido no seu ofício, nada mais que isso. Num sistema em crise, a política francesa produziu Emmanuel  Macron, um quadro saído da militância do Partido Socialista e do banco Rothschild. (Macron é seis anos mais novo que Huck.)
Huck é um bom candidato para quem tem medo de perder eleição, e só. De Sartre a Huck, FHC percorreu sua curva. Em 1960 a plateia tinha faixas que diziam: "Cuba sim, ianques não". Naquele ano, uma parte do andar de cima nacional, cansada de perder eleições, embarcou na candidatura de um político telúrico e bom de votos. Chamava-se Jânio Quadros. (É imprópria qualquer comparação de Huck com Jânio, um doido, larápio e dado ao copo.) A ideia central era ganhar a eleição.
Os poderes da telinha produziram dois fenômenos políticos. Primeiro, o italiano Silvio Berlusconi, pela propriedade do meio de comunicação. O segundo, Donald Trump, em parte celebrizado pelo seu programa "The Apprentice".
Elio Gaspari
Nascido na Itália, veio ainda criança para o Brasil, onde fez sua carreira jornalística. Recebeu o prêmio de melhor ensaio da ABL em 2003 por 'As Ilusões Armadas'.
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