terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

A vitória sofista - LUIZ FELIPE PONDÉ


FOLHA DE SP - 12/02

A vantagem da democracia é o fato de ela limitar o poder por torná-lo lento e pesado



Diga a VERDADE: alguém pode dizer, com certeza, quem tem razão nas discussões ao redor da condenação do Lula?

Antes de você tentar encaixar minha pergunta num dos campos ideológicos em disputa ao redor do destino do Lula e do PT, respire um pouco. Hoje, xinga-se mais rápido do que o coração consegue bater. Não que eu não tenha uma simpatia maior por um dos lados; mas essa simpatia não é meu tema hoje.

Os sofistas venceram o debate com Platão (428/427 a.C.-348/347 a.C.). Os sofistas eram aqueles caras que afirmavam que "o homem é a medida de todas as coisas" --foi Protágoras (481 a.C.-411 a.C.) quem disse isso. Simpáticos à democracia, esses pensadores negavam a existência da verdade absoluta, defendida por Platão. Protágoras venceu Platão: a democracia é sofista. E as inúmeras consequências desse fato nem sempre são contempladas na reflexão pública.

Há uma impossibilidade estrutural na percepção da verdade na democracia, simplesmente porque todo mundo fala o tempo todo. As mídias sociais só pioram essa

tagarelice na democracia. Platão acusava a democracia de ser retórica, argumentativa e demagógica. Ele tinha toda a razão. Essa

crítica de modo algum justifica uma defesa da tirania ou totalitarismo. Deve, sim, nos deixar atentos para tagarelice.

Muitos entendem que, ao trazer à tona fatos como esse, eu estaria propondo alguma forma de niilismo político ou defendendo algum modo de anarquismo. Na minha juventude, fui anarquista. Hoje, confio menos na humanidade e no "povo" para defender tal utopia. Prefiro a tagarelice confusa à simplicidade de uma visão utópica.

A grande vantagem da democracia é o fato de ela limitar o poder justamente porque o torna lento, pesado, confuso, falastrão e dependente do marketing. Tudo que parece vício se transforma em virtude nesse processo. Mas essa percepção é difícil de manter no dia a dia.

A grande virtude da democracia é a sua incapacidade de "entregar" uma verdade política e moral acerca do mundo, além de sua própria inapetência à evidência última dos fatos. Essa inapetência é sua "estranha" virtude básica. Claro que, com a complexidade, a multiplicidade e o gigantismo da sociedade contemporânea, esses traços só se intensificam.

Voltemos aos últimos dias no Brasil. Não falemos da tagarelice comum, mas da multiplicidade de opiniões vindas do debate público especializado --de gente, portanto, capaz e preparada para esse debate.

A impressão que se tem é de que existem argumentos razoáveis para ambos os lados. Simplificando a coisa: por "ambos os lados" quero dizer aqueles que são a favor da condenação, isto é, entendem que ela se deu dentro do âmbito legal objetivo, e, do outro lado, aqueles que entendem que a condenação foi fruto de "interesses ideológicos". Teria sido a condenação jurídica ou política? Minha resposta: as duas se misturam.

Sem supor, necessariamente, que haja mau-caratismo em qualquer dos dois argumentos, eu posso, sim, supor que não haja como chegar a uma resposta "clara e distinta" para essa controvérsia no âmbito da verdade absoluta. Posso entender que, na democracia, "tudo é política" e que, portanto, magistrados podem, sim, ter interesses corporativos, ideológicos e/ou econômicos. Da mesma forma, também o podem os intelectuais, assim como --por que não?-- manifestantes a favor da igualdade social.

Todos podem ter posições cunhadas a partir de valores exteriores à "verdade pura dos fatos" --antes de tudo porque ela, na verdade, não existiria. Tudo é interpretação ou hermenêutica (para você ter um termo a mais em seu repertório sobre a catástrofe da expectativa em favor de uma verdade pura no mundo político).

Ao contrário do que parece --e do que nossos inteligentes bonzinhos gostariam de dizer--, as tais câmaras de eco das mídias sociais (o nome dado às bolhas de opiniões que as pessoas frequentam repetidamente na vida em rede) são parte da vida democrática off-line.

Viveríamos em câmaras de eco permanentes? Mesmo os mais preparados para o debate? Seriam nossa opiniões "objetivas" ou, antes de tudo, fruto de nossas simpatias anteriores aos "fatos"?

Juros, mitos e fatos - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 13/02

Executivo dá contribuição bem-vinda ao admitir ganho dos bancos com taxas elevadas

Há mistificação de sobra nos ataques políticos aos juros brasileiros e às despesas do governo com o serviço de sua dívida.

A partir de uma leitura equivocada, quando não movida por má-fé, dos números do Orçamento, propaga-se o mito de que os encargos financeiros consomem quase a metade dos dispêndios federais —ou R$ 1,1 trilhão no ano passado, equivalentes a inacreditáveis 16% do Produto Interno Bruto.

De acordo com teorias conspiratórias à esquerda e à direita, as elevadas taxas decorreriam de conluio entre os políticos e os banqueiros. Nas fantasias de setores mais devotos do PT, o impeachment de Dilma Rousseff seria uma reação das elites às tentativas da ex-presidente de reduzir os montantes pagos aos credores do Tesouro Nacional.

É evidente que muitos fatos precisam ser deixados de lado para se acreditar em tais teses.

Para início de conversa, se o Banco Central realmente fixasse taxas acima do necessário apenas para favorecer o setor financeiro, a inflação estaria próxima de zero há duas décadas —afinal, o papel da política monetária é influenciar o ritmo de alta dos preços.

Ademais, os encargos da dívida pública atingiram picos de mais de uma década no ano de 2015, na gestão de Dilma Rousseff, e estão em queda sob Michel Temer (MDB).

Isso considerado, tampouco se pode negar que os juros brasileiros constituem uma anomalia com poucos paralelos no mundo, a desafiar os estudiosos do assunto. Provavelmente não chegam a meia dúzia os países cujos governos gastam mais de 5% do PIB ao ano com o serviço de sua dívida.

Acrescente-se que vivemos processo preocupante de concentração bancária, em que somente quatro instituições (duas delas estatais) respondem por mais de 70% do mercado —e que as taxas cobradas de consumidores e empresas permanecem astronômicas.

Nesse sentido, é bem-vinda a contribuição de Octavio de Lazari Júnior, recém-escolhido para presidir o Bradesco. Em entrevista a esta Folha, o executivo reconheceu que os bancos ganham com os juros altos e terão de aprender a operar num ambiente de percentuais mais civilizados.

Isso implica democratizar o crédito, hoje direcionado, no mais das vezes, ao setor público e a uma minoria de grandes clientes.

Da parte do governo, há que buscar medidas capazes de estimular a competição, como o cadastro positivo —além, claro, de conter a inflação e ajustar suas contas.


O mal da estagflação - EDITORIAL GAZETA DO POVO - PR


 GAZETA DO POVO - PR - 13/02

A qualquer descuido na gestão da economia nacional, o monstro volta, até porque as três condições para que ela surja continuam a existir no Brasil

A economia (o sistema produtivo, de circulação, consumo, acumulação, rendas, gasto do governo e mercado de trocas baseado em moeda) é uma máquina dotada de alta complexidade cuja compreensão profunda requer conhecimento de um conjunto de ideias, teorias e processos funcionais somente passíveis de obtenção por meio de estudo longo e sistemático. Mesmo os diplomados em um curso universitário de Ciências Econômicas precisam de anos adicionais de observação e estudo para dominar a complexidade que a economia comporta. Por se tratar de um sistema que pode seguir direções diferentes conforme as intervenções feitas pelo governo, a política econômica permite discordância em relação às escolhas para promover o progresso.

Uma década após o fim da Primeira Guerra Mundial, o mundo ingresso na Grande Depressão dos anos 1930, cujos efeitos de queda do produto nacional, falências de empresas, débâcle das bolsas de valores, desemprego, fome e miséria perduraram até o fim da Segunda Guerra Mundial, em 1945. Diante da crise, o filósofo e economista inglês John Maynard Keynes iniciou uma revolução no pensamento econômico, opondo-se às ideias clássicas que defendiam mercados livres e baixa intervenção governamental. As ideias de Keynes foram adotadas com pouca contestação pelas principais potências econômicas do Ocidente até os anos 1970.

As teorias de Keynes fizeram a alegria dos políticos no mundo ocidental


Keynes defendia a execução de obras públicas e programas sociais pelo governo sem retirar dinheiro da população, a fim de iniciar um ciclo de geração de empregos, renda, consumo e recuperação das indústrias, para acabar com a depressão por meio de um efeito multiplicador. Sem dinheiro de tributos para cobrir seus gastos, o governo deveria socorrer-se de empréstimos bancários e emissão de moeda, alegando que, como havia deflação (queda dos preços), dívida pública e emissão monetária não fariam a inflação explodir. Keynes sabia que há limites para a dívida que o governo pode fazer (pois há limites para quanto dinheiro as pessoas e as empresas depositam nos bancos) e que, principalmente, há limites estreitos para pagar gastos estatais com emissão de moeda.

As teorias de Keynes fizeram a alegria dos políticos no mundo ocidental; eles gastaram demais, fizeram dívidas e incharam a máquina estatal por três décadas, muitos usando o argumento de que, ainda que isso leve à inflação, o gasto público faz a economia trabalhar, empregos são gerados e, na escolha entre desemprego ou inflação, é melhor ficar com a inflação e com os empregos. Os economistas liberais contrários às ideias de Keynes caíram no ostracismo, até que, em meados dos nos 1970 e pelas duas décadas seguintes, o mundo começou a ser castigado por um fenômeno novo e desconhecido: a estagflação, que é a combinação de estagnação (queda de produto e aumento do desemprego) com inflação (aumento contínuo de preços). A receita de Keynes havia parado de funcionar.

Os seguidores do grande economista tentaram livrar o prestígio do ídolo afirmando que ele alertou para que, vencida a batalha contra a depressão, os governos deveriam voltar ao equilíbrio orçamentário, austeridade fiscal e eliminação do déficit público pago com dívida e emissão de moeda. Na prática, o setor público nunca mais recuperou o equilíbrio financeiro, seguiu tendo déficits, tomando empréstimos e aumentando a tributação, e a estagflação surgiu como doença nova e assustadora. A duras penas o mundo entendeu que a praga da estagflação resulta da combinação de elevada dívida pública, elevada tributação e déficits fiscais gigantescos.

O Brasil acaba de passar por três anos de grave recessão e a estagflação insinuou sua presença: a inflação de 2016 foi de 10,16%, alta para um ano de recessão, e o desemprego chegou a 14% no ano seguinte. A estagflação é doença que deve ser prevenida quando a economia vai bem, e o Brasil precisa prestar atenção nisso, pois, a qualquer descuido na gestão da economia nacional, o monstro volta – basta ver como, apesar deste início de recuperação, o país não se livra do tripé formado por déficits fiscais fora de controle, tributação escorchante e dívida pública em alta.