sábado, 30 de setembro de 2017

Análise: Má interpretação da arte gera equívocos que duram séculos,OESP



A performance de Wagner Schwartz, La Bête, parte de uma ideia simples – ser o simulacro de um ‘bicho’ – para criticar o sistema de comercialização da arte






Antônio Gonçalves Filho, O Estado de S.Paulo
30 Setembro 2017 | 06h01
Há quase meio século, em 1970, no auge da ditadura militar, o artista português Antonio Manuel, radicado no Brasil, fez uma performance no Museu de Arte Moderna do Rio (MAM/RJ), exatamente como a da noite de terça-feira, 26, quando o coreógrafo Wagner Schwartz abriu a 35.ª edição do Panorama da Arte Brasileira no MAM/SP.

Interação de criança com homem nu gera polêmica após abertura de exposição no MAM
Fotos de divulgação mostram o artista nu sendo filmado pelo público. Foto: Divulgação/Atraves.tv
As propostas das duas performances eram diferentes, mas o objetivo era o mesmo: fazer uma crítica à repressão que conduz a interpretações equivocadas da arte. Há um evidente retrocesso quando a sociedade, 47 anos depois da performance no MAM carioca, ainda considera escandalosa a nudez artística.
Evoque-se que o Brasil tinha três anos quando Michelangelo concebeu o Tondo Doni (Uffizi), uma pintura tão enigmática que tomou os últimos anos de vida do crítico americano Leo Steinberg. O ensaísta escandalizou os puritanos ao chamar a atenção para a presença de grupos de homossexuais nus no mesmo espaço em que posa a Sagrada Família. Se Michelangelo vivesse hoje, certamente o Tondo Doni não existiria. Nem a Capela Sistina. Ou mesmo seu Davi. Quem perderia com isso seria a própria sociedade.
A performance de Wagner Schwartz, La Bête, parte de uma ideia simples – ser o simulacro de um ‘bicho’ (peça de metal articulada) de Lygia Clark – para criticar o sistema de comercialização da arte, que supervaloriza o objeto e despreza o artista. Um ‘bicho’ de Lygia Clark pode atingir hoje US$ 2 milhões.
Os museus não deixam o público sequer tocar no objeto, o que contraria a intenção original de Lygia Clark. Assim, Schwartz resolveu se expor ao público no lugar do ‘bicho’, sujeitando-se à manipulação. Não houve nenhum apelo à pedofilia, como sugerem os gritos histéricos na internet. A sala do MAM estava sinalizada sobre o conteúdo da exposição. Muitos museus fazem isso. No Masp, a sala do fotógrafo Miguel Rio Branco traz a mesma advertência. Entra quem quer. Entende quem for capaz.
Graças a Leo Steinberg, hoje sabemos que a “ostentatio genitalia” (a genitália do bambino e dos gays atrás dele) do Tondo Doni era uma apresentação da teologia encarnacional. Se o crítico fosse um moralista, permaneceríamos todos na ignorância.

Perigo para as instituições, por João Domingos, O Estado de S.Paulo


Polarização da sociedade e falta de confiança nos Poderes da República alimentam a crise


30 Setembro 2017 | 03h00
É bastante provável que Senado e Supremo Tribunal Federal (STF) se entendam e que a ameaça de crise institucional que hoje paira sobre o País por causa da suspensão das atividades legislativas do senador Aécio Neves e da determinação para que se recolha ao lar à noite fique apenas na ameaça. Porque os presidentes do Senado, Eunício Oliveira, e do STF, Cármen Lúcia, dois conciliadores por vocação, pelo jeito conseguiram estancar a sangria que parecia inevitável. 
Numa sessão marcada às pressas por Cármen Lúcia para o dia 11, o STF poderá decidir que as medidas cautelares previstas no artigo 319 do Código de Processo Penal, como a que determinou a Aécio que fique em casa no período noturno, sejam comunicadas à Câmara ou ao Senado em 24 horas, caso tomadas contra deputado ou senador. Caberá então à Casa do Congresso à qual pertence o parlamentar decidir se autoriza ou não a aplicação da pena. Tal exigência é feita pela Constituição nos casos que envolvem a prisão em flagrante de deputado ou senador.
Desse modo, caso decida por revogar a medida aplicada contra Aécio Neves pela Primeira Turma do STF, o Senado não poderá ser acusado de desobedecer a uma decisão judicial. 
Essas decisões que podem evitar o impasse resultam do entendimento político entre os presidentes de dois Poderes da República, que sabem da capacidade de destruição de uma crise institucional. 
Quanto às causas da crise, essas não têm boa vontade de chefes de Poder que consiga resolvê-las de uma hora para a outra, porque elas resultam de uma soma de fatores do cotidiano do País: a polarização da sociedade, a crise política sem fim e a falta de confiança nos Poderes da República. Juntem-se a tudo isso a falta de líderes capazes de pôr ordem na bagunça, um governo com a pior taxa de aprovação de todos os tempos, um Congresso desacreditado pelo fisiologismo e pelas denúncias de corrupção, discursos contrários à atuação do Ministério Público, da Polícia Federal e da Justiça, como os feitos à exaustão pelo PT, pelo ex-presidente Lula e pelo senador Renan Calheiros, um certo engajamento político dos ministros do STF e a desesperança da população. Taí o caldeirão do diabo pronto para cozinhar a poção do impasse.
No auge da crise, alguns dirigentes partidários chegaram a dizer que o Senado tinha todo o direito de revogar uma decisão do Supremo, como as aplicadas em Aécio, porque o STF se mete em fazer interpretações tais das leis que elas acabam por se tornar outras leis.
Não se pode dizer que estão certos os que fizeram a defesa de tal reação. Ora, se um muda seu papel por causa do que o outro faz, o desrespeito à Constituição virá imediatamente. Assim, rasgam-se os princípios adotados pela democracia brasileira, inspirados na teoria da separação e independência entre os Poderes, do francês Montesquieu, e cada um vai fazer o que quer. 
Para o cientista político Fábio Wanderley Reis, o STF se tornou hipersensível à opinião pública e assumiu um ativismo político, fazendo interpretações de leis sem resguardo constitucional. O clímax, na opinião dele, ocorreu durante o voto do ministro Fux pela condenação de Aécio. Para o cientista político, o ministro fez chacota com o senador ao dizer que Aécio não teve a grandeza de se afastar do Senado: “Já que ele não teve esse gesto de grandeza, nós vamos auxiliá-lo exatamente a que ele se porte tal como ele deveria se portar. Pedir não só para sair da presidência do PSDB, mas sair do Senado Federal para poder comprovar à sociedade a sua ausência de toda e qualquer culpa nesse episódio”, afirmou Fux ao votar. A pessoa do réu é sagrada. Não pode ser alvo de zombarias, diz Wanderley Reis.

Partilha ou concessão?, Suely Caldas, OESP

Suely Caldas*, O Estado de S.Paulo
30 Setembro 2017 | 05h00
No momento em que o leilão desta semana parece sinalizar o fim da apatia e a retomada do interesse de grandes empresas pelo petróleo brasileiro, vale refletir sobre duas datas marcantes da nossa história recente: em agosto, a lei que acabou com o monopólio da Petrobrás completou 20 anos e, em dezembro, 7 anos a lei que instituiu o regime de partilha na exploração de óleo nas promissoras áreas do pré-sal.
Que a Petrobrás não dava mais conta de explorar sozinha ficou evidente, desde a década de 1970, com as descobertas gigantes em águas profundas da Bacia de Campos. Tudo era grande demais para uma única empresa, mas só em 1997, no governo FHC, houve o reconhecimento em lei. Então dezenas de empresas se instalaram no País, gerando um boom de novos investimentos, empregos, renda e riqueza com a multiplicação de projetos de exploração. Foi quando a produção de óleo e gás saltou de 900 mil barris/dia, em 1997, para 2,5 milhões na média deste ano, e os empregos no setor triplicaram.
Que existia óleo abaixo da camada da rocha de sal, em águas ainda mais profundas, já se sabia desde os anos 1980, mas só em 2007 foi possível dimensionar potencial e área e dispor de tecnologia para extrair o óleo. Depois de muita incerteza, finalmente o ex-presidente Lula sancionou a lei que instituiu o regime de partilha nas áreas do pré-sal, pelo qual o petróleo extraído é dividido entre a União (75%) e o consórcio investidor (25%), obrigou a Petrobrás a ser a única operadora dos poços e a participar com um mínimo de 30% do investimento.
Deu tudo errado, e frustrou-se a tentativa de devolver o monopólio à Petrobrás - que, aliás, não o queria de volta. Estrangulada pelo congelamento do preço dos combustíveis, assaltada pelos políticos, usada a torto e a direito pelos governos do PT e contraindo dívidas impagáveis, a estatal perdeu fôlego financeiro para investir no pré-sal e ainda ser a única operadora. Com isso, um único leilão foi efetuado, em 2013, no Campo de Libra, sem disputa e arrematado por um único consórcio formado pela Petrobrás, a Total francesa, a Shell holandesa e duas chinesas. E foi só. Pararam os leilões e a economia brasileira mergulhou na recessão.
Com o País e sua presidente desacreditados e a Petrobrás desmoralizada com a Operação Lava Jato, os investidores fugiram do Brasil e o petróleo do pré-sal continuou sepultado no fundo do mar, impedindo os brasileiros de usufruírem de sua riqueza. Em novembro de 2016 a lei mudou, a Petrobrás ficou livre das amarras, os leilões foram retomados (há mais oito rodadas marcadas até 2019) e os investidores voltaram, entre eles a Exxon, maior petrolífera do mundo, que havia desistido do Brasil. A lei mudou, mas o regime de partilha no pré-sal não, desencadeando uma polêmica que tem tudo para prosperar neste momento de retomada.
O fim da partilha e sua substituição pelo regime de concessão (a União, detentora do monopólio, é indenizada com carga tributária elevada) ganharam um defensor em Décio Oddone, diretor-geral da Agência Nacional do Petróleo (ANP). Na partilha, a União se apropria de 75% do óleo extraído e a empresa ou o consórcio ficam com 25%. Antes desse rateio, porém, são deduzidos todos os custos de exploração e produção declarados pela empresa. É aí, argumenta Oddone, que a indústria busca vantagens ao inflar as despesas com penduricalhos supérfluos e dispensáveis.
“O regime de partilha foi o maior erro que cometemos no Brasil. Nele o investidor agrega despesas sem nenhum critério, só para elevar o custo e entregar um volume menor de petróleo à União. Não é à toa que partiu da indústria a preferência pela partilha em países da África”, denuncia Oddone.
Ele reconhece que a área do pré-sal requer tratamento diferenciado porque o risco de não encontrar petróleo é mínimo. Mas argumenta que a União vai faturar “bem mais” com a elevação da alíquota do tributo Participação Especial. “É muito mais transparente, eficiente, reduz o custo e aumenta a produtividade.”
Por enquanto, a partilha vigora, mas Oddone se diz disposto a lançar e sustentar o debate.
*JORNALISTA