No ano passado, a Justiça do Trabalho recebeu perto de 4 milhões de reclamações trabalhistas e julgou 3,8 milhões
Celso Ming
02 Abril 2017 | 07h44
No ano passado, a Justiça do Trabalho recebeu perto de 4 milhões de reclamações trabalhistas e julgou 3,8 milhões. As cerca de 200 mil que ficaram à espera de sentença, somadas ao resíduo dos anos anteriores, deixaram um total de 2,4 milhões na fila, à espera de decisão. Veja o gráfico:
Esta é uma foto sem filtro do Instagram para o que especialistas em Relações do Trabalho chamam de “indústria das queixas trabalhistas”.
Antes de qualquer outra avaliação é preciso ponderar o óbvio: dentro desse universo de ações trabalhistas, boa parcela não se deve apenas à tal indústria das queixas. Nos últimos anos, teve também a ver com a crise pela qual passa a economia do Brasil, que gerou 13,5 milhões de desempregados, como os levantamentos da Pnad Contínua já mostraram. Mas é avaliação que, por si só, já aponta para grave deformação, na medida em que a Justiça do Trabalho se transformou na Justiça do desempregado, como se pode confirmar no segundo gráfico desta coluna. Independentemente disso, só o Brasil apresenta volume tão impressionante de reclamações trabalhistas, mesmo não vigorando aqui o capitalismo mais selvagem e desumano do mundo.
Essa “indústria” se caracteriza, também, por comportamentos oportunistas de certos escritórios de advocacia que assediam trabalhadores nas portas de fábrica, com panfletos e boa conversa, com o argumento de que sempre se pode arrancar alguma vantagem da Justiça do Trabalho. É iniciativa sem custos, na medida em que o escritório é remunerado, em geral de 20% a 30% do valor da causa, apenas se a sentença (ou o acordo) for favorável.
A probabilidade de ganho de causa do reclamante é superior a 50%. “Sempre que o trabalhador vai à Justiça, ganha alguma coisa. Na pior das hipóteses, consegue um acordo”, afirmou em outubro ao Estado o presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Ives Gandra Martins Filho.
Leis confusas, súmulas e regulamentos contraditórios ou caducados diante da modernização das relações de trabalho se transformam em impressionante criatório de ações oportunistas, que, por sua vez, compõem o passivo trabalhista invisível que tanto prejudica a criação de empregos. Levam o empregador a preferir a utilização de tecnologia poupadora de mão de obra (que não reivindica direitos) a enfrentar tanta insegurança jurídica.
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Na última quinta-feira, sobre as confusões em torno da questão da terceirização, esta Coluna afirmou: “Qualquer um sabe que advogados trabalhistas adoram confusões assim e a insegurança jurídica que aí se cria, sobre as quais depois possam surfar nos tribunais. Não olham para a necessidade de modernizar as relações de trabalho e acabar com a indústria do passivo trabalhista oculto, que cresce a cada processo, cria incertezas e desinvestimento”.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seção São Paulo, Marcos da Costa, entendeu que essa afirmação é ofensiva à corporação: “Não só generaliza toda uma classe, mas também a estigmatiza. Os advogados trabalhistas, ao contrário do que foi sugerido, não são oportunistas. São, sim, aguerridos profissionais prontos para defender os direitos dos cidadãos, no caso de reclamantes e empresas reclamadas, garantir o cumprimento da lei e buscar a segurança jurídica”.
Esta Coluna não generalizou. Mencionou “advogados trabalhistas” e não “os advogados trabalhistas”. Enquanto isso, Marcos da Costa não só generaliza quando afirma que “os advogados trabalhistas (não deixa espaço para diferenciar bons e maus profissionais) não são oportunistas; são aguerridos” e tal, mas também ignora a existência da “indústria das reclamações” e o viés hiperprotetor da Justiça do Trabalho, objeto de crítica do ministro do Supremo, Gilmar Mendes, em outubro de 2015.