segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Janot dá parecer pela inconstitucionalidade do Escola Sem Partido, Brasil Atual


Projeto despreza a capacidade intelectual dos alunos, restringe a liberdade de expressão e vai contra os princípios educacionais e constitucionais.


Rodrigo Gomes - Rede Brasil Atual



São Paulo – O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, emitiu parecer pela inconstitucionalidade da Lei alagoana 7.800, de 2015, que instituiu o Programa Escola Livre, proposta baseada no projeto Escola Sem Partido – que proíbe qualquer afronta a convicções religiosas ou morais dos pais e dos alunos e a apresentação de conteúdo "ideológico" aos estudantes. Para Janot, o projeto despreza a capacidade intelectual dos alunos, restringe a liberdade de expressão e vai contra os princípios educacionais e constitucionais brasileiros.

O parecer compõe o processo de ação direta de inconstitucionalidade (ADI) proposto pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino (Contee) no Supremo Tribunal Federal (STF). A ação foi aberta em 30 de maio e já conta com o posicionamento pela inconstitucionalidade da Advocacia-Geral da União (AGU) e do governo de Alagoas. Não há data prevista para o julgamento da ação, que está sob responsabilidade do ministro do STF Luís Roberto Barroso.

Para Janot, limitar a manifestação do professor no ambiente escolar, “em razão de hipotética contrariedade a convicções morais, religiosas, políticas ou ideológicas de alunos, pais e responsáveis, não se compatibiliza com os princípios constitucionais que conformam a educação nacional, os quais determinam liberdade de ensinar e divulgar cultura, pensamento, arte, saberes, pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas e gestão democrática do ensino”.

Ele também criticou a definição genérica e vaga quanto à proibição de doutrinação política e ideológica, à emissão de opiniões político-partidárias, religiosas ou filosóficas. “Constitui restrição desproporcional à liberdade de expressão docente, a qual se revela excessiva e desnecessária para tutelar a liberdade de consciência de alunos”, argumentou.

O procurador-geral considera equivocada a ideia de que os alunos são vulneráveis às ideias do professor e que este poderia impor suas convicções a eles. “Despreza a capacidade reflexiva dos alunos, como se eles fossem apenas sujeitos passivos do processo de aprendizagem, e a interação de pais e responsáveis, como se não influenciassem a formação de consciência dos estudantes”.

Como já afirmado por outros especialistas, Janot destaca que a liberdade e a pluralidade de conteúdos na escola, ainda que divergentes das crenças e convicções dos alunos e de seus pais, são fundamentais para a “formação de pessoas tolerantes, que respeitem direitos humanos e as diferenças individuais e grupais da sociedade”.

“Em última análise, contudo, qualquer tópico tratado em aulas de português, geografia, história, filosofia ou até mesmo de ciências físicas ou biológicas pode ser considerado veiculador de opiniões políticas, ideológicas, filosóficas ou religiosas. As próprias noções de “doutrinação”, de “imposição” e “indução” de opiniões são extremamente problemáticas e dariam azo à repressão do trabalho educativo em incontáveis situações”, definiu o procurador-geral.

Créditos da foto: Lula Marques

domingo, 23 de outubro de 2016

Partido da escola, editorial FSP (pauta)

EDITORIAL


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A Procuradoria-Geral da República (PGR) tomou posição na celeuma desencadeada pelo movimento Escola sem Partido. Em parecer enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), considerou inconstitucional legislação do Estado de Alagoas patrocinada pelo grupo.
Partiu da Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação a ação contra a Assembleia Legislativa alagoana.
Questiona-se norma estadual que veda a escolas públicas e particulares "doutrinação política e ideológica, bem como quaisquer outras condutas por parte do corpo docente ou da administração escolar que imponham ou induzam aos alunos opiniões político-partidárias, religiosa ou filosófica".
A iniciativa, criada por pais contrários ao que consideram ser "contaminação político-ideológica das escolas", espalha pelo país um rastilho de desconfiança generalizada contra professores.
Advoga aprovar legislações nos níveis municipal, estadual e federal com vistas a restringir o escopo do ensino e normatizar que a educação moral, sexual e política é competência só da família.
A PGR não defende a doutrinação. Argumenta que a prática de eventuais abusos por alguns docentes não justifica impor o policiamento indiscriminado do que se diz e pratica em sala de aula.
"Sem liberdade de ensinar e de aprender não há o próprio direito à educação", leciona o procurador-geral da República, Rodrigo Janot. "Entre a vedação apriorística de conteúdos e a liberdade de ensino, esta é preferível."
Abusos ocorrem, ninguém duvida. Basta passar os olhos por alguns livros didáticos para topar com exemplos flagrantes de marxismo vulgar, sobretudo no ensino de história e geografia, ou de obscurantismo religioso —por exemplo na versão capciosa de que a evolução biológica por seleção natural seria "apenas uma teoria".
Para além da questão constitucional, os projetos de lei preconizados pelo movimento Escola sem Partido subestimam a capacidade dos próprios alunos –e de seus pais– de encarar de modo crítico o que se veicula nas escolas.
Embora a campanha se apresente como liberal, em defesa do pluralismo, ela termina por revelar-se paternalista ao pretender que aparelhos de Estado substituam os cidadãos no controle social do ensino oficial ou particular.
Por fim, qualquer legislação do gênero padece de um vício de origem: a impossibilidade prática de apontar de modo inequívoco o conteúdo que seja ideológico, ou quando um docente ultrapassa o limiar da doutrinação. Na dúvida, sempre é mais prudente tomar partido da liberdade na escola.

Uma questão de sustentabilidade, ANA PAULA VESCOVI, in FSP

ANA PAULA VESCOVI


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Tendências / DebatesUm acordo para o clima foi aprovado em Paris, no final do ano passado, com o objetivo de coordenar a redução das emissões de gases de efeito estufa. O documento foi assinado por 195 países.
O compromisso, que busca limitar até a metade do século o aumento da temperatura, representa uma renúncia dos interesses específicos para a preservação de um bem maior, a sustentabilidade ambiental. Sem coordenação ou regras claras, cada país seguiria atuando de acordo com seus interesses, ampliando o aquecimento global e os riscos para as próximas gerações.
Essa situação apresenta similaridades com o problema fiscal, causa central da crise econômica no Brasil.
Os gastos públicos federais vêm crescendo 6% ao ano acima da inflação nos últimos 25 anos, exigindo a criação de mais impostos. Recentemente, novos programas apoiados em subsídios foram criados sem consistência temporal, alcançando a média anual de R$ 63 bilhões nos últimos quatro anos e comprometendo as contas futuras.
O desequilíbrio se acentuou nos últimos três anos, fazendo a dívida pública saltar de 52% em 2013 para 72% do PIB em 2016. Poderá ultrapassar 100% em cinco anos.
Desde 2014, quando ficou clara a perda de credibilidade na política fiscal e cresceram dúvidas sobre a sustentabilidade da dívida, o Brasil não perdeu apenas o grau de investimento como também 2,2 milhões de empregos formais.
Com queda de 9% da renda per capita em dois anos, o momento é singular e nos impõe escolhas.
A PEC 241 foi proposta pelo governo como medida para limitar a expansão dos gastos públicos federais por 20 anos. Nos primeiros dez, as despesas são limitados à inflação do ano anterior (IPCA). Nos dez subsequentes, abre-se uma revisão a cada período de gestão.
A PEC dos gastos também procura estabelecer compromisso futuro. Propõe ajuste gradual e nova disciplina, sem cortes bruscos e descontinuidades, mas capaz de evitar que a dívida pública se torne impagável.
Saúde e educação terão tratamento especial, com a fixação de um limite mínimo, em vez de teto. No caso da saúde, os pisos previstos para 2020 já valerão em 2017, trazendo R$ 10 bilhões de recursos adicionais. Na educação, 80% dos recursos não ficarão sujeitos a limite.
Em alguns anos, as despesas em proporção do PIB poderão voltar ao patamar de 2008, e o atual deficit primário de 2,7% do PIB se reverterá em superavit próximo a 3%.
Isso contribuirá para a estabilização da dívida bruta sobre PIB. Num segundo período, poderemos reduzi-la a patamares prudentes. Assim, antecipamos para o presente ganhos de confiança, da redução da inflação e das taxas de juros.
A PEC dos gastos acarretará Orçamentos mais realistas, expondo para sociedade os dilemas de escolhas a serem tomadas. Atualmente, apenas 16% do Orçamento federal é gasto com os 45% mais pobres. Os 84% restantes são direcionados aos 55% mais ricos, o que reflete a atuação de grupos organizados de pressão, vários deles contra a aprovação da PEC 241.
Com uma evolução previsível para os gastos e sem a pressão permanente por mais impostos, cria-se ambiente favorável para a modernização do sistema tributário. É fundamental buscar mais equidade e mais eficiência arrecadatória, mas sem esquecer que a focalização dos gastos públicos é, pela evidência, o fator mais impactante para a redução da desigualdade.
Enfim, o controle do gasto é necessário para que o país saia da crise e volte a crescer. O outro caminho já conhecemos: dívida pública impagável, inflação descontrolada, baixo crescimento, elevados desemprego e desigualdade.
Torna-se inadiável, nesse momento singular do país, que os interesses corporativos deem lugar a um bem maior a todos, o compromisso com a sustentabilidade fiscal.
ANA PAULA VESCOVI, mestre em economia do setor público pela UnB (Universidade de Brasília), é secretária do Tesouro Nacional. Foi secretária da Fazenda do Estado do Espírito Santo (governo Paulo Hartung)
PARTICIPAÇÃO