domingo, 16 de outubro de 2016

Avanços e recuos - ELIANE CANTANHÊDE




ESTADÃO - 16/10

Enquanto a Câmara avança contra a corrupção, o Senado recua a favor


O Congresso dá uma no cravo e outra na ferradura. Na Câmara, a Comissão Especial que analisa as dez medidas anticorrupção propostas por procuradores avança a olhos vistos. Mas, no Senado, o PMDB embala uma mudança da lei de abuso de autoridade vista como uma ofensiva contra os mesmos procuradores e a Lava Jato. As dez medidas preveem maior rigor com os crimes e criminosos de colarinho branco. Já a nova lei de abuso de autoridade visa cortar as asinhas justamente de quem tenta combater... os crimes e criminosos de colarinho branco. Um cruzamento revelador.

A Comissão deve atingir mais de cem depoentes nesta semana, incluindo o juiz Sérgio Moro, procuradores, delegados, agentes da Receita, professores, jornalistas e representantes da “sociedade civil”. No Senado, quem apadrinha a nova lei de abuso de autoridade são dois alvos lustrosos da Lava Jato: o presidente Renan Calheiros e o ex-ministro Romero Jucá, ambos do PMDB.

Renan classifica a Lava Jato como “avanço civilizatório”, mas o Supremo já instaurou o sétimo (sétimo!) inquérito sobre sua participação em desvios da Petrobrás. E Jucá encerrou uma passagem meteórica pelo Planejamento no governo Temer por causa de uma fita em que fala de um “pacto para estancar a sangria”. Ele jura que a “sangria”, no caso, era a crise econômica, mas a suspeita é que ele se referia aos estragos da Lava Jato nos políticos.

É fundamental garantir justiça, direitos individuais e coletivos e impedir linchamentos de quem quer que seja - inclusive de corruptos. Para isso, é necessário tanto combater a impunidade, de um lado, quanto evitar excessos e abusos da Justiça, Ministério Público, Polícia Federal, Receita e imprensa, do outro. Trucidar reputações e condenar com ligeireza não é fazer justiça, ao contrário. Mas, posta a ressalva, há que se reconhecer o desequilíbrio histórico a favor da impunidade e contra a ação da autoridade.

Corruptos e corruptores sempre tiveram leis, processos penais, prazos, agentes públicos e uma “justiça” direcionados para proteger o poder, a riqueza e a impunidade, enquanto as instituições sustentadas pelo Estado e pela sociedade conviviam com falta de condições, de autonomia e de instrumentos, até mesmo legais, para uma justiça sem aspas.

Essa situação vem se invertendo lentamente desde a redemocratização, até que, hoje, corruptos estão em baixa, combatentes da corrupção estão em alta. É preciso aperfeiçoar esse processo e avançar, jamais retroceder. Por isso, é preciso ficar de olho tanto nas dez propostas que correm na Câmara como nas alterações que o Senado tenta fazer na lei de abuso de autoridade.

Isso, sem perder de vista a repatriação de recursos não declarados. Para a área econômica, abrandar impostos e multas traz o dinheiro de volta e reforça o Tesouro, mas a força-tarefa da Lava jato critica premiar quem fraudou o fisco e suspeita que a inclusão de parentes de políticos – como tentam fazer agora - possa beneficiar quem cometeu crimes piores, como corrupção. Debate interessante.

Lembrança: por 20 anos, o PT virou o combatente-mor da corrupção em aliança com o MP, a mídia e funcionários públicos exemplares. Bastou subir a rampa do Planalto com Lula em 2003 para se virar contra os aliados e propor, em sequência, a “lei da Mordaça” (contra o MP), uma lei para punir vazamentos de órgãos públicos (contra funcionários) e o “controle social da mídia” (contra jornalistas e meios). O que foi bom para o PT contra os adversários não poderia mais valer contra o próprio PT no poder.

Moral da história: “conter abuso de autoridades” pode ser pretexto para embutir algo bem menos nobre, como facilitar desvios e garantir a velha e conhecida impunidade que sempre reinou nesta nossa República.

O mundo paralelo dos políticos - MERVAL PEREIRA (pauat Elival)

O Globo - 16/10


A volta ao debate da lista fechada para escolha dos candidatos partidários à Câmara, no bojo de uma provável reforma política que vai entrar na pauta do Senado esta semana, é mais uma demonstração de que nossa classe política vive em um mundo paralelo, que não se conecta com o sentimento dos eleitores.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, começou a defender a tese, que anteriormente era do PT, usando o mesmo argumento falacioso: sem financiamento privado, somente a lista fechada viabiliza uma campanha eleitoral bancada pelo dinheiro público.

Na verdade, existem razões por baixo dos panos para que a tese volte à mesa de negociações. A adoção de lista fechada mudaria o sistema eleitoral brasileiro e daria argumentos jurídicos aos que buscam uma anistia para os políticos que foram financiados pelo caixa 2 ilegal no regime anterior.

São argumentos contestáveis, frágeis, pois os crimes cometidos não desaparecem, embora desapareça o tipo penal, já que os partidos passarão a ser os responsáveis pela escolha dos deputados. Fora isso, é espantoso que no momento em que se vive, no Brasil e no mundo, uma crise de representatividade, com os partidos políticos não sendo mais reconhecidos como um canal eficaz entre a sociedade e o governo, se volte a falar em fortalecer as organizações partidárias, dando às suas burocracias, e não ao eleitor, a capacidade de escolher quem atuará na Câmara.

A reforma política sairá do Senado com a definição de dois pontos fundamentais: o fim das coligações nas eleições proporcionais, e a instituição da cláusula de desempenho, que obriga uma votação nacional mínima para que o partido tenha representação no Congresso.

O presidente do Senado, Renan Calheiros, prometeu a uma delegação de deputados que deixará para a Câmara a definição de como os deputados serão escolhidos, entendendo que os senadores não podem definir o sistema eleitoral proporcional. O PT, quando detinha a maioria na Câmara, bateu-se pela lista fechada, assim como hoje o presidente da Câmara Rodrigo Maia, em nome da nova maioria, usa os mesmos argumentos para defender o que contestou anteriormente, quando era da minoria parlamentar.

O que só prova que esse sistema é uma tentativa de retirar a palavra final do eleitor, dando poder à burocracia partidária. Seria preciso primeiro que os partidos se reorganizassem à base de programas e projetos, para depois pensar-se num sistema que, fortalecendo os partidos, reforçará seus atuais defeitos, já identificados pelo eleitorado.

Rodrigo Maia cita o fato de que houve uma grande massa de abstenções, votos brancos e nulos nas recentes eleições municipais para dizer que nosso sistema político-partidário está falido e precisa ser revisto. Tem razão na análise, mas não na solução que propõe. O que é preciso é rever o esquema de financiamento de campanhas eleitorais, pois na democracia a eleição custa caro.

Mas uma nova legislação, que pode acatar o financiamento privado desde que controlado rigidamente e com limitações, não deve necessariamente permanecer com a proibição do financiamento privado definida pelo Supremo Tribunal Federal.

A decisão radical foi necessária diante dos abusos e do quadro de corrupção disseminada que está sendo revelado pela Operação Lava-Jato. As eleições municipais de agora demonstraram que é possível fazer uma campanha mais barata, mas evidenciaram também alguns problemas, como o tempo muito curto das campanhas, que dificultou o conhecimento dos candidatos pelo eleitor.

Com a redução do número de partidos, que deve ser aprovada até mesmo pela falta de dinheiro para que o fundo partidário financie tantos partidos que vão surgindo sem controle, poderemos pensar mais adiante em um modelo político-eleitoral que conecte o eleitor aos partidos, como o voto distrital.

Mas o começo da mudança não pode ser o fortalecimento da burocracia dos partidos políticos atuais, que já não são representantes acreditados pelo eleitor. Eles precisarão primeiro mudar seu comportamento para depois se candidatarem à confiança do cidadão. Ou podem também ser mudados pela punição da Justiça pela corrupção de que participaram sem pudor nos últimos anos.

Em defesa da PEC 241, que limita os gastos públicos - SAMUEL PESSÔA


FOLHA DE SP - 16/10

A dívida pública encontra-se em trajetória explosiva. A persistência dessa dinâmica significa o retorno ao passado inflacionário dos anos 80.

Entre 1998 e 2010, a taxa média de crescimento da despesa primária (isto é, que desconsidera pagamentos de juros) real (deflacionada pelo IPCA) foi de 6,5% ao ano. Entre 2011 e 2014, primeiro mandato da presidente Dilma, foi de 5,6%. Para a receita real total da União, os números são de respectivamente 6,8% e 2,4%. Para o crescimento do PIB real nos mesmos períodos, 3,2% e 2,2%, respectivamente.

Portanto, entre 1998 e 2014 o gasto primário da União cresceu a ritmo superior ao dobro da elevação do PIB real. Adicionalmente, no primeiro mandato de Dilma a receita desacelerou-se na mesma medida da economia, enquanto a desaceleração da despesa foi muito menor.

A receita teve um comportamento extraordinário no período entre 1998 e 2010. O longo processo de formalização da mão de obra permitiu que ela crescesse bem acima do ritmo da economia.

O crescimento da receita no primeiro mandato de Dilma representa a nova normalidade. Em 2015, para um recuo do PIB de 3,8%, a receita caiu 4%. Quando o crescimento voltar, a receita também retornará. Na mesma proporção.

A trajetória explosiva da dívida pública resulta de uma estrutura de gasto público que requer que este cresça, faça chuva ou faça sol, a uma velocidade maior do que o dobro do crescimento econômico.

Aí encontra-se o desequilíbrio.

A PEC 241 estabelece que, por dez anos, o crescimento do gasto será a inflação. No décimo ano de vigência da PEC, o Executivo pode propor projeto de lei complementar (PLC) que altera a regra para vigorar a partir do 11º ano. A aprovação de um PLC requer maioria absoluta em turno único nas duas Casas legislativas.

Vários críticos da PEC dizem que o ajuste fiscal deveria começar por aumento de receita. Como vimos, a receita tem crescido no mesmo ritmo da economia. Um aumento de receita hoje alivia a situação por dois ou três anos. Quando lá chegarmos, estaremos onde hoje estamos. Por não resolver estruturalmente o problema, não melhora as expectativas, dificultando a retomada da economia.

Circulam exercícios que calculam o gasto com educação e saúde hoje se a PEC tivesse vigorado nas últimas décadas. O erro desses exercícios é que, se a PEC vigorasse nas últimas décadas, os juros reais teriam sido muito menores e, consequentemente, o investimento e o crescimento econômico teriam sido muito maiores. Gastos com folha de pagamento, prédios do Judiciário e estádios de futebol teriam crescido menos, abrindo mais espaço para saúde e educação. O gasto hoje com saúde e educação seria maior.

O PIB per capita caiu 9% no último triênio. Levará alguns anos para que retomemos o PIB per capita de 2013. As melhores simulações sugerem que, se tudo der certo, o superavit primário no décimo ano de vigência da PEC será de aproximadamente 3% do PIB.

Se as coisas derem muito certo e houver aceleração espetacular de nosso crescimento por vários anos -fato não observado desde o fim dos anos 70-, o grande ganho de receita, depois de termos reduzido a dívida pública e os juros reais, pode ser empregado para aumentar as transferências da União para os Estados e os municípios.

A alternativa à PEC é baixar os juros na marra. Fizemos isto em 2011. Apesar de termos congelado os preços da gasolina e as tarifas de serviços públicos, a inflação voltou.

Ou PEC ou anos 80. Escolham.