segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Estado pode retomar imóvel ocupado sem autorização judicial, diz PGE-SP

NTERPRETAÇÃO CONTROVERSA

Estado pode retomar imóvel ocupado sem autorização judicial, diz PGE-SP

Em caso de ocupação de seus bens, a administração pública pode retomar a posse deles sem autorização judicial, devido à autoexecutoriedade dos atos administrativos. Essa é a conclusão da Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo, exposta em parecer emitido na terça-feira (10/5) a pedido do então secretário de Segurança Pública paulista, Alexandre de Moraes, que assumiu nessa quinta (12/5) o Ministério da Justiça.
Na consulta feita ao procurador-geral do estado de São Paulo, Elival da Silva Ramos, Moraes perguntou se o mecanismo de autotutela previsto no artigo 1.210, parágrafo 1º, do Código Civil, se aplica a casos de ocupação de imóveis públicos, quando ela seria exercida por forças policiais. O dispositivo estabelece que aquele que sofrer interferência em sua posse pode mantê-la ou restituí-la por sua própria força, contanto que não demore para fazê-lo e não exagere em sua defesa.
O que motivou o questionamento do então secretário de Segurança Pública foi o “crescente número de invasões de propriedades estaduais, por diversos motivos, em especial políticos, a exemplo da ocupação de escolas públicas estaduais no segundo semestre de 2015 e, nesta semana, do Centro Estadual de Educação Tecnológica Paula Souza, responsável pela gestão das escolas técnicas estaduais”.
Para reverter essas ocupações, Alexandre de Moraes afirmou que o governo Geraldo Alckmin (PSDB) tem recorrido a ações de reintegração de posse com pedido liminar. Porém, o agora ministro alegou que o “componente político dessas invasões” acaba ampliando a discussão jurídica, embora a esse tipo de ação não admita questionamentos alheios à posse. E isso, a seu ver, acaba atrasando a retomada desses imóveis públicos.
Na visão do integrante do governo interino de Michel Temer (PMDB), o Estado só deveria recorrer ao Judiciário se, por meios próprios e proporcionais, não conseguir retomar a posse.
Autoexecutoriedade dos atos
Em parecer ao PGE, o procurador do estado e assessor-chefe Adalberto Robert Alves apontou que a administração estatal pode preservar a posse de bens públicos de uso especial, independentemente de haver autorização judicial, por causa da autoexecutoriedade dos atos administrativos.
Segundo ele, “se até mesmo ao particular é excepcionalmente garantida, em caso de turbação ou esbulho, o exercício da autotutela, certamente a administração pública poderá também exercê-la”. O fundamento disso está no regime publicístico dos bens estatais, destacou. Alves ainda ressaltou que, diferentemente do particular, o Estado pode retomar sua posse a qualquer tempo.
Elival da Silva Ramos concordou com o entendimento do assessor-chefe. “Diante da autêntica ‘banalização’ nas ocupações de imóveis afetados a serviços públicos no estado de São Paulo, sob o falso pretexto de que se trata do exercício da liberdade de manifestação do pensamento ou do direito de reunião, recomenda esta Procuradoria-Geral do estado que as secretarias do estado, agindo em conjunto com a Secretaria de Segurança Pública, alterem a sistemática até aqui adotada, de solicitar a este órgão de advocacia pública a obtenção em juízo de ordens de reintegração de posse.”
Conforme o PGE, as excessivas cautelas impostas pelos magistrados acabam atrasando as reintegrações. As audiências de conciliação, a seus olhos, tampouco têm sido frutíferas, transformando-se “em cenário para a apresentação de reivindicações por grupos que, ao contrário do que se poderia supor, não se interessam em manter um diálogo constante e produtivo com a administração”.
Com base nesse entendimento, a Polícia Militar executou, nesta sexta-feira (13/5), quatro reintegrações de posse de diretorias de ensino e escolas em São Paulo.
Especialistas divergem
Não há consenso entre especialistas se a administração pública pode promover reintegrações de seus bens sem aval da Justiça. Para o professor de Direito Constitucional da PUC-SP Pedro Estevam Serrano, a autoexecutoriedade só deve ser usada na impossibilidade da via judicial — o que não ocorre no caso das ocupações de escolas paulistas. Caso contrário, as retomadas de imóveis podem caracterizar abuso de poder.
“Achar que a autoexecutoriedade é uma prerrogativa plena, sem limites, das decisões administrativas, é voltar à época em que se achava que o ato administrativo era um ato de império. Essa visão é totalmente incompatível com o Estado Democrático de Direito”, avaliou Serrano.
Um especialista ouvido pela ConJur sob condição de anonimato tem visão semelhante. Segundo ele, o Estado só pode agir sem autorização judicial quando houver uma situação de risco, como conflitos dentro do bem público ou perigo de desastre natural.   
Por outro lado, o professor de Direito Administrativo da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo Adilson Abreu Dallari opinou que a administração pública pode, sim, exercer a autotutela para reaver a posse de seus bens. Contudo, ele ressalvou que essa medida deve ser colocada em prática sem excessos.
Caso haja risco de confronto físico, o jurista recomenda a busca de autorização “para dividir a responsabilidade com o Judiciário”. Além disso, Dallari entende que o Estado pode usar medidas coercitivas, como cortar água e proibir o ingresso de novas pessoas no imóvel, para forçar a desocupação.  
Crítica da OAB
A seccional de São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil manifestou preocupação com o uso de forças policiais para desocupar, sem aval da Justiça, escolas públicas na capital paulistana.
“Em se tratando de invasão pacífica e não predatória, de estabelecimento de ensino oficial, por jovens que lá estudam, parece desarrazoado proceder a reintegração manu militari, sem a prévia cautela de ordem judicial e, assim, levada a efeito da forma menos violenta possível”, apontou a entidade em nota divulgada nesta sexta.
Leia abaixo a íntegra da nota da OAB:
Nota pública - Reintegração de posse das escolas
A OAB SP vem manifestar preocupação em face do uso de forças policiais, sem autorização judicial, para desocupação de estudantes em escolas públicas, baseando-se o governo do Estado em parecer lavrado pela Procuradoria-Geral do Estado.
O Código Civil de fato autoriza que o possuidor possa usar da própria força (autotutela) para fazer parar turbação ou esbulho em sua propriedade, contanto que o faça logo e que a reação seja apenas a necessária para a manutenção ou restituição da posse (art. 1210, § 1º, do Código Civil brasileiro). Esse dispositivo protege tanto patrimônio público, quanto privado.
Todavia, ordem de autoridade governamental objetivando o uso da força institucionalizada para a finalidade de reintegração de posse é ato administrativo que se sujeita aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.
Em se tratando de invasão pacífica e não predatória, de estabelecimento de ensino oficial, por jovens que lá estudam, parece desarrazoado proceder a reintegração manu militari, sem a prévia cautela de ordem judicial e, assim, levada a efeito da forma menos violenta possível.
O próprio Estado Administração ficará também melhor resguardado, e a sociedade civil mais reconfortada.
Marcos da Costa
Presidente da OAB SP”.

domingo, 2 de outubro de 2016

Eficientes na destruição - CARLOS ALBERTO SARDENBERG


O GLOBO - 29/09

Brasil do PT criou sistemas ineficientes e corruptos dos principais setores da economia aos mais simples serviços públicos


Quanto tempo, dinheiro, energia e criatividade o pessoal da Odebrecht gastou para montar e manter por tantos anos o tal “Departamento de Operações Estruturadas”? O sistema supervisionava, calculava e executava os pagamentos de comissões — propinas, corrige a Lava-Jato — referentes a grandes obras no Brasil inteiro e em diversos outros países. Considere-se ainda que os pagamentos deviam ser dissimulados, o que trazia o trabalho adicional de esconder a circulação do dinheiro e ocultar os nomes dos destinatários. Coloquem na história os funcionários que criavam os codinomes dos beneficiários — Casa de Doido, Proximus, O Santo, Barba Verde, Lampadinha — e a gente tem de reconhecer: os caras eram eficientes.

Nenhuma economia cresce sem companhias eficientes. Elas extraem mais riqueza do capital e do trabalho e, com isso, reduzem o custo de produção, entregando mercadorias e serviços melhores e mais baratos.

Pois o “Departamento de Operações Estruturadas” foi eficiente na geração de uma enorme ineficiência. Tudo aquilo é parte do custo Brasil — encarece as obras, elimina a competição, afasta empresas de qualidade e simplesmente rouba dinheiro público.

Há aqui dois roubos: um direto, o sobrepreço que se coloca nas obras para fazer o caixa que alimenta as propinas; o outro roubo é indireto e mais espalhado. Está no aumento dos custos de toda a operação econômica.

Na última terça, a Fundação Dom Cabral divulgou a versão 2016 do ranking mundial de competitividade, que produz em associação com o Fórum Econômico Mundial. O Brasil apareceu no 81º lugar, pior posição desde que o estudo é feito, atrás dos principais emergentes, bem atrás dos demais países do Brics.

Mais importante ainda: se o Brasil caiu 33 posições nos últimos seis anos, os demais emergentes importantes ganharam posições com reformas e mais atividade econômica. Prova-se assim, mais uma vez, que a crise brasileira é “coisa nossa”, genuína produção nacional.

Os governos Lula 2 e Dilma foram tão eficientes na geração do desastre quanto a Odebrecht com suas operações estruturadas. Uma política econômica que provoca recessão — por três anos seguidos — com inflação em alta, juros elevadíssimos e dívida nas alturas, tudo ao mesmo tempo, com quebradeira geral das maiores estatais — eis uma proeza que parecia impossível.

Para completar, a eliminação de qualquer critério de mérito na montagem do governo e suas agências arrasou a eficiência da administração pública e, por tabela, da empresa privada que tinha negócios com esse governo.

Em circunstâncias normais, numa economia de mercado, a empresa privada opera tendo como base as leis e as regulações que devem ser neutras e iguais para todos. A Petrobras precisava ter regras públicas para contratação de obras e serviços.

Em vez disso, o que a Lava-Jato nos mostrou? Um labirinto de negociações escondidas, operações dissimuladas, manipulações de lei e regras.

Às vezes, a gente pensa: caramba, não teria sido mais simples fazer a coisa legal? Sabe o aluno que gasta enorme energia e capacidade bolando uma cola eficiente e acaba descobrindo que gastaria menos estudando?

A diferença no setor público é que o estudo não dá dinheiro. A cola dá um dinheirão para partidos, seus políticos, amigos e companheiros.

Nenhum país fica rico sem ganhos de produtividade. O Brasil da era PT perdeu produtividade. Mas, pior que isso, criou sistemas ineficientes e corruptos desde os principais setores da economia — construção civil, indústria de óleo e gás — até os mais simples serviços públicos, como a concessão de bolsa-pescador ou auxílio-doença.

SOBRANDO DINHEIRO

Como o Brasil do pré-sal, a Noruega também descobriu enormes jazidas de petróleo. Também constituiu uma estatal — a Statoil — para extração e produção.

Mas os noruegueses tomaram a decisão de guardar a receita do óleo. Constituíram um fundo soberano, alimentado com os ganhos da Statoil, fundo este que passou a investir sobretudo em ações pelo mundo afora. Esses investimentos deram lucros — e este dinheiro, sim, é gasto pelo governo. E o fundão é reserva para as aposentadorias.

O fundo norueguês é hoje o maior do mundo — tem um capital investido de US$ 880 bilhões.

Já o Brasil gastou antes de fazer o dinheiro.

O pré-sal está atrasado, perdemos o boom dos preços astronômicos do petróleo e a Petrobras é a empresa mais endividada do mundo. Outro dia mesmo, vendeu um poço para a Statoil, para fazer caixa. E Dilma dizia que estava construindo o futuro. De quem?

Carlos Alberto Sardenberg é jornalista

Sanear projetos e gestão - EDITORIAL FOLHA DE SP


FOLHA DE SP - 30/09

Assim como ocorre com a má qualidade do ensino público no Brasil, é consensual o imperativo de eliminar o intolerável atraso do país no saneamento básico. Do consenso à consequência subsiste um largo caminho, entretanto, que o Estado tem enorme dificuldade em transpor.

A radiografia do fracasso vai delineada com clareza no último relatório "De Olho no PAC" (2009-2015), que o Instituto Trata Brasil vem de publicar. Sob a mira do levantamento estavam 340 obras listadas nas duas fase do Programa de Aceleração do Crescimento, PAC-1 (2007-2010) e PAC-2 (2011-2015).

O destaque conferido ao saneamento básico (redes de água e coleta e tratamento de esgotos) no PAC despertou a expectativa de que os governos federal, estaduais e municipais se dedicariam a zerar o atraso. Segundo o Trata Brasil, ainda temos 35 milhões de pessoas sem acesso à rede de água, mais de 100 milhões sem coleta de esgotos e meros 40% dos dejetos tratados.

A expectativa se ancorava, em grande medida, em vultoso montante de recursos. As 340 obras representam investimento total de R$ 22 bilhões. A maior parte disso viria de financiamentos da Caixa Econômica Federal (55%), cabendo o restante à União (25%) e ao BNDES (20%).

O levantamento revela, porém, que apenas 36% das obras estavam concluídas em 2015. Outros 39% ainda se encontravam em andamento (não raro com atraso). Pior: 11% nem mesmo haviam sido iniciadas e 14% se achavam paralisadas. Recursos ociosos, que naquela altura somavam R$ 5,7 bilhões.

Quase metade (45%) do planejado ainda no PAC-1 se achava paralisado ou em execução. Na região Norte, que exibe os piores índices de saneamento, 38% das obras de água nem sequer estavam em andamento em 2015, mesma situação de 25% daquelas relativas a esgotos.

De qualquer ângulo que se considere, ao desastre sanitário se sobrepõe o administrativo. Em contato com os tomadores dos recursos, os autores do estudo pediram que se indicassem os motivos do atraso, e as falhas de gestão emergem em meio à turbidez geral.

Entre as razões alegadas se destacam demora na liberação de recursos pelo Ministério das Cidades, inadequação de projetos, tropeços no licenciamento ambiental, renegociação e rescisão de contratos.

O de sempre, em resumo. Para tirar o Brasil dessa insalubridade ao estilo do século 19, será preciso depurar a burocracia estagnada e sanear os projetos de engenharia.