domingo, 12 de julho de 2015

As dores do crescimento, do Estado de Minas

 
    

 postado em 28/06/2014 07:00 / atualizado em 27/06/2014 14:10
Beto Novais/EM/D.A.Press

Muitas crianças reclamam de dores difusas pelo corpo. Popularmente conhecidas como "dores do crescimento", são descritas pela medicina como fruto de um desequilíbrio entre o desenvolvimento dos ossos, tendões e músculos. Essa metáfora talvez ajude a entender o certo clima de insatisfação que há hoje no Brasil contra o próprio Brasil. Quem explica esse cenário é Renato Meireles, presidente do Instituto Data Popular, instituição de pesquisa especializada em entender o que pensam os brasileiros que emergiram da pobreza e hoje constituem o que é popularmente conhecido como a nova classe média. Para ele, a insatisfação decorre do fato de que as mudanças produziram um excesso de expectativa que não se confirmou e que acabou produzindo a sensação de não se saber ao certo em qual direção o país está indo. Algo semelhante ao incômodo que sentem as crianças pelo fato de o ritmo de crescimento do corpo delas como um todo não ter sido previamente acertado entre músculos, ossos e tendões. Porém, independentemente dos humores do brasileiro, Renato Meireles é otimista. Para ele, a mudança na estratificação social brasileira é um caminho sem volta. 

Patrícia Cruz/Instituto Data Popular/Divulgação
O que é o Brasil hoje?
O Brasil de hoje é muito diferente do Brasil de ontem. Somos um país que veio de uma trajetória de crescimento da economia e aumento do otimismo muito grande nos últimos anos. O auge desse movimento foi 2010, ano em que tivemos um overpromise (excesso de expectativa) com relação à melhoria da qualidade de vida do brasileiro. O problema é que esse crescimento começou a ocorrer hoje em uma velocidade menor que a de alguns anos atrás e isso traz uma certa insegurança de não se saber ao certo para onde o Brasil está indo.

Teria ocorrido um erro de planejamento da velocidade de crescimento da economia?
Imagine que você esteja em uma estrada a uma velocidade de 120 km/h e, de repente, do nada, aparece na sua frente uma placa indicando que é preciso reduzir a velocidade para 70 km/h. Você reduz e, imediatamente, a sensação que tem é de que está parado. Com o Brasil, o que ocorreu foi isso. Vinha-se em uma expectativa de crescimento que não se realizou e isso gerou um processo de medo, de insegurança e de mau humor. Não tenho dúvidas de que o brasileiro está mal-humorado porque o crescimento não está indo na velocidade que esperava que fosse. Fora isso, temos dois outros fenômenos relativamente novos: a volta da inflação, que atinge mais fortemente os mais pobres, e um crescimento desigual da renda, o que, por mais que seja excelente para a redução da desigualdade, deixa a elite tradicional bem incomodada.

Nos últimos anos, ocorreu no Brasil a ascensão à classe média de um contingente de brasileiros que pertenciam às classes D e E. Existe um certo desconforto em relação a isso, principalmente de parte dos setores que são comumente definidos como elite. Como você analisa isso? Existe uma luta de classes no Brasil?
O que ocorreu no Brasil é que hoje nós temos uma classe média robusta, formada por mais de 100 milhões de brasileiros e que movimenta, por ano, algo em torno de R$ 1,17 trilhão. Se esse contingente fosse tratado como um país, estaria no G20 do consumo mundial. O problema é que o aumento do consumo ocorreu em uma velocidade muito maior do que a dos espaços do consumo, como os shoppings, aeroportos e a própria rua. A elite brasileira estava acostumada a trabalhar na lógica da exclusividade. Com a ascensão desse contingente de brasileiros à classe média, ela passou a ter que compartilhar espaços, uma vez que esses novos consumidores estão, agora, conseguindo viajar de avião pela primeira vez, fazer compras no shopping center, ter carro. E tudo isso incomoda radicalmente a elite.

Esse estranhamento vai durar muito tempo ainda? Quanto tempo será preciso para que essas diferenças se apaguem, ou isso não vai ocorrer?
Não acredito que a classe AB tradicional vá simplesmente "se acostumar" com a democratização do consumo. A mudança ocorrerá de outra forma: por substituição. O que a gente tem visto é que começa a surgir uma nova classe AB, oriunda da classe C. Na próxima década, esta "nova elite" vai crescer mais que a "nova classe média". Estamos falando do dono da padaria da esquina, do cara que distribui água, do pequeno empreendedor, que, hoje, ainda tem o jeito de comprar da classe C, mas tem o bolso da A. São pessoas que ganharam dinheiro com o aumento da renda e do consumo no país ocorrido nos últimos anos. Esse estranhamento e esse processo de adaptação à nova realidade do país só vai terminar quando as pessoas que vieram da classe C forem a maioria absoluta das classes A e B. Hoje, elas já são 44%. Porque, quando uma pessoa muda de classe, leva os valores de sua classe de origem.

Gladyston Rodrigues/EM/D.A.Press
Ele não vai ter mais preconceito com a repetição da história dele?
Esta "nova elite" é diferente do novo-rico do passado. O antigo fazia o possível para esquecer a sua origem. O novo traz consigo uma série de outras pessoas: é o vizinho, o parente. Ele não tem vergonha de sua história. Ele tem orgulho de seu passado e não tem motivos para esconder sua história. Essa é a diferença.

Quais comportamentos a classe média original rejeita em relação à nova classe média?

Cinquenta e cinco por cento da elite brasileira acha que deveria haver produtos separados, específicos, para ricos e pobres; 17% acham que pessoas mal vestidas deveriam ter o acesso barrado em certos lugares; 26% são contra o metrô no bairro, porque isso aumentaria a circulação de pessoas indesejadas na região; 17% acham que todo estabelecimento comercial deveria ter elevadores separados para patrões e empregados. Tudo isso mostra o quanto a elite brasileira está, efetivamente, incomodada com a democratização do consumo.

E o contrário? O que a nova classe média pensa da elite?
Ela acha que a elite é perdulária, que não tem valores familiares consolidados, que a elite os julga com preconceito.

Quanto tempo vai levar para que esse processo de migração de classes termine?
Isso deve se resolver nos próximos 10 anos. Mas terminar, não termina, não. Pois esse fim não ocorreu nem nas sociedades mais modernas, que, há muito tempo, têm uma classe média forte, quanto mais no Brasil.

O Brasil é, ou era, tido como um país marcado pela cordialidade, pela convivência pacífica entre os diferentes. O que se observado, nos últimos tempos, é o aparecimento de um certo ódio de classes. A cordialidade do brasileiro está chegando ao fim?
A cordialidade, acho que não. O que não se pode é confundir o ser cordial, que é uma característica do brasileiro, com a submissão, que significa aceitar com naturalidade qualquer coisa que se impõe contra ele. Nós estamos agora em um momento em que o brasileiro está cada vez mais exigente. Em nossas pesquisas encontramos um brasileiro que vai correr atrás de seus direitos, mas que vai tentar fazer isso com muita graça, com muita doçura, como sempre fez. Acho que a cordialidade, como característica intrínseca do brasileiro, não vai terminar, o que não significa que a população não vai protestar cada vez que sentir que algum direito está sendo violado.

Os protestos que ocorreram nos últimos meses foram um sinal dessa mudança de postura do brasileiro em relação aos seus direitos?
Os motivos para a população se manifestar foram e são muito diversos. O que une é um amplo mau humor com a situação de desaceleração do Brasil. Com o aumento do emprego formal, as pessoas passaram a ter imposto retido na fonte. Elas começaram a entender, na prática, que o que elas recebem em serviços públicos não é favor. É a contrapartida do imposto que elas pagam. Passaram a entender, também, que elas podem reclamar. A régua de qualidade mudou. Hoje, a população não quer mais cesta básica, quer banda larga; não quer mais dentadura, quer o ProUni para o filho fazer a faculdade. Começa a sentir falta de um Código de Defesa do Cidadão, que defenda seus direitos como o Código de Defesa do Consumidor defende. Quando o brasileiro está no banco e a fila demora, ele reclama no Procon. Para quem ele reclama quando enfrenta uma fila interminável em um posto de saúde? O gestor público e a classe política não têm uma percepção muito clara dessa realidade, pois ainda funcionam muito no modo analógico, no qual estavam acostumados a falar muito e ouvir pouco. O novo cidadão funciona na lógica digital. Ele quer ser protagonista de sua própria história. Quer falar mais e também ser ouvido.

Como será o Brasil dentro de 10 anos?
Vai ser um Brasil muito melhor. Isso não é apenas uma questão de otimismo. Quando se dá um passo como o que foi dado na sociedade brasileira nos últimos anos, é muito difícil voltar atrás. Em 10 anos, vamos ter um contingente de jovens que estudaram mais que seus pais, vamos ter um Brasil mais conectado, com um aumento de repertório considerável, vamos ter um Brasil onde o consumidor vai saber reclamar da qualidade dos serviços públicos da mesma forma que aprendeu a reclamar dos serviços privados.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

Papa pede mudança na estrutura mundial


Em discurso de forte tom político na Bolívia, Francisco exorta o povo a promover transformações e critica sistema
Pontífice pede perdão pelos crimes cometidos pela Igreja Católica contra os indígenas na colonização da América
FABIANO MAISONNAVEENVIADO ESPECIAL A SANTA CRUZ DE LA SIERRA (BOLÍVIA)
No discurso mais político de seus mais de dois anos de pontificado, o papa Francisco defendeu nesta quinta (9), durante visita à Bolívia, uma "mudança de estruturas" mundial e chamou o capitalismo de "ditadura sutil".
Falando em encontro com movimentos sociais em Santa Cruz de la Sierra após o presidente Evo Morales, o papa os chamou a realizar "três grandes tarefas" na economia, na união entre os povos e na preservação ambiental.
"Reconhecemos que este sistema impôs a lógica dos lucros a qualquer custo, sem pensar na exclusão social ou na destruição da natureza?", perguntou o papa a centenas de ativistas, entre os quais o MST, sem-teto, indígenas e quilombolas brasileiros.
"Digamos sem medo: queremos uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema já não se aguenta, os camponeses, trabalhadores, as comunidades e os povos tampouco o aguentam. Tampouco o aguenta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia são Francisco", completou.
Para o papa, a "globalização da esperança" nasce e cresce entre os pobres, mas até a elite quer mudanças: "Dentro dessa minoria cada vez menor que acredita que se beneficia deste sistema reinam a insatisfação e especialmente a tristeza. Muitos esperam uma mudança que os libere dessa tristeza individualista que os escraviza."
Em outra crítica à "ditadura sutil" do capitalismo, disse que "atrás de tanta dor, morte e destruição está o fedor disso que [são] Basílio de Cesareia (330-379) chamava 'o esterco do Diabo' [dinheiro]".
TAREFAS
O líder católico atacou também "a concentração monopólica dos meios de comunicação social que pretende impor pautas alienantes de consumo e certa uniformidade cultural". Para ele, trata-se de "colonialismo ideológico".
Apesar da análise dura, Francisco advertiu contra o excesso de pessimismo e exortou os movimentos sociais a protagonizarem mudanças: "O futuro da humanidade está em suas mãos."
Em seguida, o papa propôs três tarefas aos movimentos.
A primeira é "pôr a economia a serviço dos povos" para assegurar os "três Ts: trabalho, teto e terra". "A economia não deveria ser um mecanismo de acumulação, mas a administração correta da casa comum", disse.
"A distribuição justa dos frutos da terra e do trabalho humano é dever moral. Para os cristãos, um mandamento. Trata-se de devolver aos pobres o que lhes pertence."
Para a segunda tarefa, "unir nossos povos no caminho da paz e da justiça", ele defendeu o conceito de "pátria grande" usado por movimentos de esquerda para pregar a união latino-americana.
Francisco afirmou que problemas como a violência não podem ser resolvidos sem cooperação. Mas advertiu: "Colocar a periferia em função do centro lhe nega o direito ao desenvolvimento integral. Isso é iniquidade e gera tal violência que não haverá recursos capazes de deter."
Por último, pediu a preservação da "Mãe Terra", ecoando sua encíclica mais recente: "Não se pode permitir que certos interesses --globais, mas não universais--submetam Estados e organismos internacionais e continuem destruindo a criação".
DESCULPAS
Visitando um país de maioria indígena, o papa pediu desculpas pelo ação da Igreja Católica na colonização.
"Foram cometidos muitos e graves pecados contra os povos originários da América em nome de Deus", disse, sob intensos aplausos. "Quero ser muito claro, como foi são João Paulo 2°: peço humildemente perdão."
Ao final, conclamou todos a não deixarem "nenhuma família sem casa, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhum povo sem soberania". "Sigam a sua luta e, por favor, cuidem muito da Mãe Terra."

Por que o diretor da Polícia Federal deve ser exonerado. Por Luiz Moreira, doutor em Direito



Desrespeito à hierarquia
Desrespeito à hierarquia
O texto abaixo foi publicado no ggn. O autor, Luiz Moreira, doutor em Direito, é professor de Direito Constitucional.
Na última semana, em depoimento à CPI da Petrobras, um agente e um delegado da Polícia Federal revelaram a existência de escutas ambientais ilegais, utilizadas para monitorar presos da operação Lava Jato, na sede da Polícia Federal em Curitiba.
Neste domingo, em entrevista a Eliane Cantanhêde e a Andreza Matais, o diretor geral da Polícia Federal relativiza esses depoimentos, assevera que condutas duvidosas de policiais são apuradas pela corregedoria da PF e que “os equipamentos podem ser auditados para saber quem usou, quando usou, no que usou”, atribuindo aos grampos ilegais expressão que diminui sua importância ao tratá-los como “suposto fato”.
Antes de discutirmos as implicações das afirmações dos policiais federais, convém esclarecer uma questão que perpassa a entrevista de Leandro Daiello, diretor geral da PF, presente em pelo menos três momentos: (1) “Nós cumprimos a lei e ninguém vai aceitar ingerência política aqui”; que (2) o ministro da Justiça chefia a PF apenas na seara administrativa; e (3) ao comentar declarações da Presidente da República.
Ao contrário do que afirma Leandro Daiello, a Polícia Federal é uma instituição subordinada à Presidência da República, detendo apenas autonomia operacional, o que não se confunde com autonomia política.
No organograma do Estado brasileiro, a chefia da Polícia Federal é confiada ao Poder Executivo para que se evidencie que a pauta de sua atuação é externa, marcada por uma verticalização que a submete ao controle social. Portanto, a sociedade civil confia ao Presidente eleito a direção política da Polícia Federal, a fim de demonstrar sua subordinação à política vitoriosa nas eleições.
No entanto, a utilização da expressão “ingerência política” pode suscitar mal entendidos, que devem ser esclarecidos.
Ao empregar tal expressão o diretor geral da Polícia Federal certamente quis dizer que não serão aceitas investigações direcionadas, em que provas são forjadas e que “alvos” são escolhidos.
Desse modo, ingerência política significa o aparelhamento da polícia para a criminalização dos adversários do Governo ou da própria Polícia Federal ou ainda a eliminação de provas contra seus aliados ou sua proteção, impedindo que sejam responsabilizados por suas condutas contrárias à lei. Não custa lembrar que essas condutas são tipificadas como crimes.
Bem, é justamente para se evitar que a Polícia Federal se transforme em uma “polícia política” que foram desenhados dois tipos de controle à sua atuação. O primeiro é político; o segundo, operacional.
O controle político é exercido pela Presidência da República, mediante atuação de seu Ministro da Justiça. Assim, há uma subordinação hierárquica da Polícia Federal ao Poder Executivo. E o que significa essa subordinação hierárquica? Significa que a Policia Federal não comanda a si mesma; que suas diretrizes orçamentárias e que a organização de seus serviços subordinam-se ao governante eleito.
E o que isso quer dizer? Simplesmente que a Polícia Federal é um serviço e que sua atuação é controlada pela sociedade civil, mediante seu representante na Presidência da República. Então, a Polícia Federal é uma instituição que não produz sua legitimidade e que, por isso, se subordina a um Poder do qual obtém a justificação para sua atuação.
Nesse sentido, uma instituição a qual se confia o poder de investigar cidadãos, de portar armas de alto poder de destruição e de manipular dados e informações de pessoas precisa se submeter ao poder político. Mais: precisa ter claro que suas atribuições não são um fim em si mesmo e que, por esse motivo, submetem-se ao poder conferido pelos cidadãos à Presidência da República.
Assim, nas democracias constitucionais a chefia das policias é exercida pela sociedade civil, por intermédio dos Governantes eleitos, para garantir que não produzirão sua própria agenda nem que gozarão de autonomia ante o regime democrático.
Em democracias recentes, como a brasileira, nunca é demais rememorar que todas as ditaduras modernas obtiveram forma jurídica e foram mantidas pelo uso indiscriminado da força e por sistemas de investigação que criminalizaram a sociedade civil, tratando os adversários do regime de exceção como alvos, submetendo-os à tortura e à morte.
Já sua autonomia operacional se limita, como polícia judiciária, à instrução processual e ao controle de outra instituição, o Ministério Público Federal, não sendo, portanto, imune a controles.
Como polícia técnica ou polícia científica, sua tarefa é a explicitação de provas, que se realiza mediante descrição da existência de fatos criminosos e sua elucidação. Esses fatos instruem o processo, em fase que se chama inquérito, submetendo-se à fiscalização externa do Ministério Público Federal e sua convalidação pelo Poder Judiciário.
Quanto à relação do Ministro da Justiça com a Polícia Federal. Trata-se de relação verticalizada, entre chefe e chefiado, em que o Ministro da Justiça comanda a Polícia Federal e ao qual seu diretor geral deve obediência, podendo, por livre conveniência do Ministro da Justiça, exonerá-lo dessa função.
No que diz respeito ao diretor da Polícia Federal comentar declarações da Presidente da República. Trata-se de clara quebra de hierarquia que deveria ter como conseqüência sua imediata exoneração da função de diretor geral. Explico:
Em democracias constitucionais é inadmissível que instituições que manejam armas e informações se movimentem para além de suas competências. Como Chefe de Estado e de Governo, a Presidente Dilma encarna a República brasileira e seus comentários e opiniões não se submetem à crítica pública de subordinados armados.
Nesse sentido, seria inimaginável, por exemplo, que o Presidente Obama fosse censurado pelo diretor do FBI.
No que diz respeito ao depoimento dos policias federais à CPI e às declarações de seu diretor geral é preciso pautar a discussão pelo que estabelece a Constituição da República.
Não há nada de normal nem de razoável em um procedimento de instalação de escutas ambientais, muito menos que essa ilegalidade ocorra dentro da sede da Polícia Federal, a partir de determinação, de seu superintendente em Curitiba, a um agente para que instale aparelhos de monitoração ambiental, sem autorização judicial.
Ao contrário das manifestações contrárias, escutas ambientais ilegais, ou seja, introduzidas sem autorização judicial, constituem clara violação ao sistema processual brasileiro.
Em sua entrevista, Leandro Daiello afirma que a “PF não é uma grampolândia”. Não se trata de desqualificar uma instituição republicana. Trata-se de verificar se fatos ilegais foram cometidos por agentes do Estado, no caso, Policiais Federais.
Daiello tem razão quando, na entrevista, explica que cabe à PF investigar fatos. Ocorre que se esses fatos são praticados por Policiais Federais, eles devem receber o mesmo tratamento deferido aos cidadãos comuns, ou seja, como ele mesmo diz “aonde os fatos vão chegar é consequência da investigação, doa a quem doer”.
Esse episódio segue envolvo em muitas obscuridades. Listemos algumas:
(I) Os equipamentos de escuta ambiental constam do almoxarifado da Polícia Federal? Logo, sua retirada por policial e sua instalação são registradas em algum documento interno? Se a resposta for afirmativa, facilmente seria constatável se algum aparelho da instituição foi utilizado para realizar a tal escuta ambiental.
(II) Por que a demora na investigação do caso pela Corregedoria? O fato é certo (a instalação dos equipamentos de escuta) e os autores são conhecidos (agentes e delegados federais). Assim, qual a dificuldade enfrentada para concluir essa investigação?
(III) A Polícia Federal tem algum procedimento para realização de escutas ambientais? Há um protocolo a seguir? Existem meios para diferenciar os aparelhos utilizados pela instituição dos que não pertencem a ela?
(IV) Foram criados mecanismos que impossibilitem a utilização ilegal dos equipamentos de escuta ambiental por seus policiais? Cidadãos brasileiros podem ser monitorados ilegalmente pela PF?
Provas obtidas de forma ilegal tornam nulos depoimentos e eventuais acordos de delação delas decorrentes. Essa, aliás, é uma regra por todos conhecida e diversas vezes reiterada pelo Supremo Tribunal Federal.
Se, como sugere o depoimento dos policiais federais, essa ilegalidade foi cometida, a Operação Lava Jato terá um fim lamentável. É isso que cabe ao diretor geral da Polícia Federal esclarecer, “doa a quem doer”.