quinta-feira, 11 de junho de 2015

Questão de vida ou morte


Arnaldo César

A coluna do domingo passado do ombudsman da Folha, Vera Guimarães, reacendeu uma discussão que vem tirando o sono dos jornalistas. “Os veículos impressos estão morrendo?” questionam-se esses profissionais, desde meados dos anos 90, quando as comunicações digitais começaram a ganhar força pelo mundo.
Reprodução
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O fatalismo sempre acompanhou esse debate. A cada “passaralho” (termo criado nas redações para designar demissões em massa) vinha logo à conclusão: a tecnologia digital matou os jornais ou as revistas.  Ao simplificar esse fenômeno, deixamos de entendê-lo plenamente. Talvez, a questão não seja de vida ou morte.
Vejam o que aconteceu com os livros. A indústria de edição, impressão e comercialização de livros nunca experimentou um momento tão promissor, desde quando Gutemberg inventou a tipologia, como o que está vivendo nesta era de rede sociais.
Não só o fenômeno da “calda longa” permitiu o surgimento de autores aos borbotões, como os “Facebooks” e “Twitters” transformaram-se em eficientíssimo meio de divulgação boca a boca das obras já existentes e das que estão sendo lançadas.
Esta é uma constatação de que o problema não se resume em “quem irá matar quem”. Mas sim, ao conteúdo. Aí está o nó de toda essa conversa.  Para os consumidores de informação não importa a maneira como terão acesso a elas. A plataforma é o de menos. Querem novidades. Desejam sempre serem surpreendidos. Tudo isso embalado por textos muito bem escritos, precisão nas informações e ilustração imaginativas, sem abrir mão nunca da credibilidade.
Os grandes jornais e revistas norte-americanos, europeus e japoneses seguem nessa direção para garantirem a sua sobrevivência. A conservadora revista inglesa “The Economist” tem a nova onda com relativa serenidade. Em momento algum abriu mão da qualidade dos textos que manda para as bancas.
O mesmo poderia ser dito do matutino japonês “Asahi Shimbum” e sua espantosa circulação de 12 milhões de exemplares diários. Aliás, na Ásia, entre 2006 e 2014, os impressos tiveram aumento de circulação de 16%.
Um ponto em comum entre essas duas publicações. Ambas usam com extrema inteligência a mobilidade, instantaneidade e capilaridade da Internet para promover as matérias, reportagens e análises de suas edições. Instigam a curiosidade dos leitores com “flashes” nas redes sociais do que tem de melhor naquele dia ou semana.
Antiga redação do Jornal Lance! - Foto cedida pelo jornal
Antiga redação do Jornal Lance! – Foto cedida pelo jornal
Há um interesse considerável em saber o que o mago da Amazon, Jeff Bezos, irá fazer com o respeitado “The Washington Post”, comprado por ele em 2013. Por enquanto, nada de extraordinário. Apenas mandou seus editores mergulharem de corpo e alma na “qualificação do conteúdo”.
Os impressos, com certeza, não morrerão. Terão isto sim, uma nova cara. Exclusividade, qualidade e inteligência passarão a ser a característica predominante nestes veículos. Vão ter que se acostumar a tratar com um público menor e muitíssimo mais exigente. Provavelmente, custarão mais caro.
Ocorre que os veículos brasileiros resistem a esta trivial receita de bolo.

Fazer jornalismo de qualidade custa caro. Muitos dos donos e dos empresários desta área caíram no conto de que “informação são commodities, basta saber pescá-las no revolto mar da Internet”. Acabaram ficando igual à Internet, sem nunca ter conseguido a audiência e o alcance que ela tem. Ao contrário. Há casos de publicações que, no início deste século, ostentavam tiragens de 1 milhão de exemplares e hoje estão com 36 mil.

O tão decantado empobrecimento do jornalismo brasileiro também tem a ver com essa opção equivocada de modelo de negócio que privilegia a redução dos custos na produção dos conteúdos. Infelizmente, nivelaram-se por baixo e dragaram para dentro das redações a pasmaceira que estamos vendo por ai.
No início deste mês, tivemos um congresso da WAN – World Association of Newspappers -, em Washington. Em maio, em Nova Iorque, foi o da INMA – International News Media Association. As duas reúnem jornalistas, editores e donos de empresas de comunicação de 76 diferentes países.
As recomendações tiradas nestes dois últimos eventos são praticamente as mesmas que vem fazendo, há dez anos. “Só sobreviverão os impressos que souberem tirar proveito da digitalização da mídia para produzir e distribuir conteúdo de qualidade”.
Para quem não entendeu algo tão singelo, fica o recado.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

Um país chamado favela: resgatando a senzala


Renato Meirelles e Celso Athayde escreveram um livro pequeno, bonito, que tem precisamente este efeito: Um país chamado favela. “Antes de tudo, temos a impressão de que a favela, mais do que outros núcleos de moradia, é um lugar vivo, orgânico, que tem coração, que respira, composto pela síntese de suas gentes, suas histórias e suas culturas. A comunidade é esse lugar pensante que ocupa determinado território.” (152) Como é realmente a vida na favela? Para já, os residentes hoje preferem falar em comunidade, o que permite compreender justamente esta organicidade. Mas como a imagem que se divulga é a da grande mídia, cola a etiqueta geral de “tráfico, polícia, milícia.” (12)
Já era mais do que tempo de termos uma análise sistemática, econômica, social, cultural, de dentro da própria favela, sem a simplicidade do pesquisador de prancheta. Os autores apresentam de forma aberta no datafavela.com.br uma a visão integral, facilitando inclusive a apropriação do conhecimento pelas próprias comunidades, como um espelho para elas. Descobrimos que no fim de 2013 50% dos domicílios de favelas contavam com conexão à internet, e que 85% dos internautas das favelas já tinham conta no Facebook. “Consultados, os jovens foram claros em suas respostas . A internet é fundamental para quem pretende estudar, para quem quer se divertir, e também para aqueles que buscam uma vaga de emprego.”(94)
O aumento de renda é fundamental: “Se há um fator que define essas famílias é o ingresso relativamente recente no mercado de consumo. Nos últimos dez anos, muitas delas adquiriram o primeiro computador, o primeiro automóvel e o primeiro freezer. Não raro, pela primeira vez, conseguiram matricular um filho em curso universitário.” (87) Os bancos estão prestando atenção: “O cidadão do moro é considerado pelos bancos um bom pagador.”(75) Aliás, com os juros extorsivos dos crediários, “a favela, cada mais consciente, percebe que parte de seus recurso é drenada para círculos do grande capital”, e expande as empresas internas na própria favela: a Rocinha já tinha 6 mil empreendimentos em 2010, inclusive com inovações como o “empreendedorismo comunitário”. Segundo o Data Favela, 49% dos que trabalhadores têm carteira assinada.
O livro analisa em particular a “reprodução obsessiva desse estereótipo [de bandidos profissionais] que se deve, sobretudo, ao roteiro do noticiário policial espetacularizado. Na falta de conhecimento profundo sobre o assunto, apela-se ao modelo raso de representação, já impresso na memória coletiva.”(135). Reencontrar a vida do cotidiano da favela, descrita nas suas várias dimensões, humaniza a visão. Com os avanços nos diversos campos, já não reduz às soluções ao “remocionismo” que já esteve tão na moda. A periferia está fortalecendo a sua inserção na cidade. “No caso de parte da elite, a mentalidade vigente não aceita que a senzala vá para dentro da casa-grande.”(132) Uma bela leitura, inteligente, que nos leva bem além das simplificações.
RenatoMeirelles e Celso Athayde, Um país chamado favela: a maior pesquisa já feita sobre a favela brasileira – Editora Gente, São Paulo 2014


domingo, 7 de junho de 2015

Dilma precisa voltar a comandar a agenda do país, na FSP


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Comandante da economia no período militar e conselheiro informal de vários presidentes, o economista Antonio Delfim Netto, 87, diz que o governo Dilma se "escondeu" e precisa voltar a "comandar a agenda do país".
Ele acredita que o ajuste fiscal promovido pelo ministro Joaquim Levy é apenas uma "ponte" para a retomada do crescimento e que o governo precisa atacar diversas frentes, como a flexibilização do mercado de trabalho, a reforma do ICMS e o programa de concessões. Leia a seguir trechos da entrevista.
Eduardo Knapp/Folhapress
O ex-ministro Delfim Netto em seu escritório, em São Paulo
O ex-ministro Delfim Netto em seu escritório, em São Paulo
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Folha - Qual é a sua avaliação sobre o ajuste fiscal?
Antonio Delfim Netto - O ajuste fiscal é necessário. No ano passado, ocorreu uma deterioração fiscal muito profunda. Até dezembro de 2013, a situação era desagradável, mas não tinha gravidade. O desequilíbrio de 2014 foi deliberadamente produzido para a reeleição e atingiu seu objetivo. O PT tirou muito proveito disso, porque continuou com a maior bancada na Câmara. Era visível que precisava fazer um ajuste em 2015.
Houve estelionato eleitoral?
Não tenho dúvida, é um absurdo tentar negar. Dilma fez uma mudança na política econômica equivalente à de são Paulo na estrada de Damasco [Paulo se converteu ao cristianismo em viagem de Jerusalém a Damasco e se tornou apóstolo]. Essa é uma questão moral que abalou a credibilidade do governo, mas o importante é o conserto.
E esse conserto da economia vai no rumo certo?
O ajuste do Levy é bastante razoável. Na parte trabalhista, as reformas foram importantes e corrigiram distorções horrorosas [na concessão de pensão por morte e seguro-desemprego].
Aqui precisamos fazer um pouco de justiça ao Guido [Mantega, ex-ministro da Fazenda]. Ele fez essas medidas e queria que tivessem sido propostas em 2014. Quem não colocou em prática foi a presidente, porque o estrago eleitoral teria sido enorme.
Mas é claro que houve um equívoco na concessão de desconto na Previdência em 56 setores. A desoneração da folha de pagamento tinha lógica para o setor exportador. Agora será difícil voltar atrás.
Qual é o maior defeito do ajuste fiscal?
A rigor, o ajuste é mais eficiente quanto menos aumenta os impostos. Por maior que seja o viés ideológico, ninguém é capaz de dizer que o Estado é mais eficiente que o setor privado. Quando os impostos sobem, transferimos renda do setor privado para o governo. Ou seja, eleva a ineficiência e reduz o crescimento.
As medidas serão suficientes para o Brasil voltar a crescer?
O ajuste fiscal é apenas uma ponte para a retomada do crescimento. Com o protagonismo do Levy, o governo se afastou. No Ministério do Planejamento, estavam sendo avaliadas medidas concretas que não foram anunciadas. Só agora, em junho, que saiu a primeira medida que é o Plano Safra.
Mas o que governo pode fazer sem espaço para desonerações ou queda de juros?
Apresentar os projetos de concessões, o que só está previsto para esta semana. Flexibilizar o mercado de trabalho e se antecipar ao desemprego que está por vir, encontrando mecanismos para minimizar o custo social. Avançar na reforma do ICMS, que falta pouco para ser fechada.
O governo precisa dizer: eu existo. Propor programas factíveis que devolvam confiança a sociedade. Economia é só expectativa. Desenvolvimento é um estado de espírito. Nós vamos voltar a crescer. É preciso dar à sociedade um pouco mais de tranquilidade. Essa era a vantagem do Lula. O Lula é um promoter.
Por que o senhor acha que o governo se escondeu?
O início foi complicado, porque ficou muito visível a mudança da política econômica. Foi tão brutal que houve uma desintegração. Esse problema não é apenas econômico, mas também político. A correção de rumo não foi acompanhada pelo PT.
Sabe o que dizia Tancredo Neves? Quando a esperteza é muita, costuma comer o dono. O PT foi tão esperto que está sendo comido por sua esperteza. Vejo muita crítica ao PSDB, partido pelo qual não nutro a menor simpatia. Mas não dá para imaginar que o PT ia fazer um estrago danado e se beneficiar dele aumentando sua bancada, e depois o PSDB ia ser suficientemente idiota para aprovar as medidas.
Quanto tempo o senhor acha que a economia vai demorar para sair da recessão?
Essa recessão vai durar o quanto for necessário para recuperar a indústria. A indústria sofreu o efeito dramático da política cambial. Todos os estímulos foram incapazes de compensar o prejuízo de valorizar o câmbio para controlar a inflação. Nunca faltou demanda para produtos industriais. O que faltou foi demanda para produtos industriais feitos no Brasil.
As importações aumentaram, substituindo produtos brasileiros, e as exportações caíram. Agora isso começa a ser revertido com o novo patamar do câmbio. Sem resolver o problema da indústria, não vamos voltar a crescer.