segunda-feira, 1 de junho de 2015

O império do senso comum, por Chico alencar

Os arreganhos triunfantes de uma maioria reacionária são expressões típicas da crise do nosso modelo de modernização conservadora
O senso comum, nesta encruzilhada de nossa história, foi erigido como medida inquestionável de uma série de decisões que afetam a vida nacional. Na Câmara dos Deputados, a onda conservadora afoga todos na superficialidade da percepção dos fenômenos sociais.
Assim, a violência estrutural e a sensação de insegurança passam a ter como solução o encarceramento de jovens em regime prisional para adultos --de onde advêm 70% de reincidência criminal-- e a flexibilização do Estatuto do Desarmamento, na perigosa linha do "cada cidadão uma arma".
A perspectiva do desemprego é "enfrentada" com a precarização geral do trabalho e quase irrestrita das terceirizações. A necessidade da produção de alimentos e commodities pelo agronegócio ameaça ainda mais os direitos dos povos nativos, desconhecendo-se que cada km² de terra indígena emite 25% menos CO2 que outras terras agricultáveis na própria Amazônia.
À saudável diversidade da convivência amorosa --com novas formas de coabitação solidária-- é oposto o modelo único da família tradicional, como se fora dela não existisse salvação.
Aos escândalos que se sucedem, a serem enfrentados com investigação rigorosa e transparência, é preceituado o remédio do moralismo individualista, como se tudo fosse uma questão de transferir virtudes privadas --véu de hipocrisia?-- para o âmbito da instância pública.
Também no plano da política institucional o método arcaico impera: no lugar de uma reforma política, implementam-se medidas tópicas contra a política. O povo a repudia? Pois reduzamos suas oportunidades de debate e escolha, com pleitos apenas quinquenais, para todos os cargos da República.
A corrupção atinge a todas as grandes siglas, revelando a perda total de fronteiras entre o público e o privado? Constitucionalize-se a doação de empresas para os partidos, e só a partir deles para as campanhas, como se isso as tornasse mais limpas e austeras.
A ideia de partido está degradada? Então que se garanta na lei o triunfo do indivíduo, da personalidade ungida pelo voto, como defendida pelos proponentes do distritão, sistema que elege para a função pública só os mais votados.
Há pequenos partidos, alguns "de aluguel", que se vendem? Que se imponham cláusulas para impedir seu direito de crescer, preservando os grandes que tantas vezes os compram e, não raro, são acometidos de nanismo moral.
As pseudossoluções galopantes da pequena política, os arreganhos triunfantes de uma maioria reacionária são expressões típicas da crise do nosso modelo de modernização conservadora, do nosso aparato político reativo à democratização de base, direta e participativa, do esgotamento do arsenal de conciliações entre contrários que estão, cada vez mais, assemelhados.
Antonio Gramsci (1891-1937), em seus "Cadernos do Cárcere", denominou "interregno" esse tempo de incertezas que anuncia, entre sombras, um fim de ciclo. Trata-se do intervalo histórico em que o velho ainda não desapareceu totalmente e o novo ainda não se firmou.
A sofreguidão regressista, com mais espaço nesses tempos sem hegemonia clara, tenta cristalizar suas posições. Esses períodos trevosos, diz Gramsci, são propícios ao aparecimento de "sintomas mórbidos, fenômenos estranhos, criaturas monstruosas".
Nossa cena política contemporânea oferece vários personagens com essas características nefastas.
A história é um contínuo de transformações. O desafio da hora presente, frente ao império do senso comum e seus monarcas do atraso, é dar um novo significado ao bom senso republicano da igualdade, da democracia e da ética social.
CHICO ALENCAR, 65, professor de história, é deputado federal pelo Rio de Janeiro e líder do PSOL 

quarta-feira, 27 de maio de 2015

Carlos Bezerra Jr.: Quando a fé cheira a pólvora


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Há alguns dias, recebi pelas redes sociais a imagem de uma Bíblia aberta com um revólver em cima. Fiquei estarrecido porque a postagem trazia a logomarca de um deputado federal e usava um versículo do livro de Êxodo para justificar projeto que aumenta de seis para nove o número de armas por cidadão e o número de munições de 50 por ano para 50 por mês.
Segundo o relatório da CPI do Tráfico de Armas da Câmara Federal, em 2006, "55% das armas rastreadas a partir das informações de venda das fábricas brasileiras foram legalmente vendidas antes de caírem na ilegalidade".
O Mapa da Violência 2013, de Julio Waiselfisz, feito com dados do Ministério da Saúde, indica que, de 1980 a 2010, morreram quase 800 mil pessoas por arma de fogo no Brasil. Não há base bíblica que sustente turbinar esses números.
Há outros casos preocupantes. No âmbito federal, parlamentares da chamada bancada evangélica têm se unido a ruralistas e à denominada bancada da bala contra a Lista Suja do Trabalho Escravo –um dos principais mecanismos de luta contra esse tipo de crime– e estão a favor da transferência da demarcação de terras indígenas do Executivo para o Legislativo.
Os deputados da "bancada evangélica" também estão entre os principais defensores da redução da maioridade penal, contra o que disseram as ONGs cristãs Visão Mundial e Rede Evangélica Nacional de Ação Social, em audiência pública que promovi na Assembleia Legislativa de São Paulo.
Essas duas organizações cristãs concordam com as exposições da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), Associação Paulista do Ministério Público, Defensoria Pública de São Paulo, Fundação Casa e Fundação Abrinq - Save the Children.
Faltaria espaço nesta página se fossem elencados os absurdos legislativos nascidos da leitura obtusa do Velho Testamento. Associar trechos da Bíblia fora de contexto a posturas policialescas, moralismo e populismo é das receitas mais antigas para causar tragédias.
Nós, cristãos protestantes, vítimas históricas dessa prática, temos a responsabilidade de não permitir que isso seja feito em nosso nome e de forma tão insistente que começa a gerar estigmatização.
Cria-se um estereótipo tão pesado que já vi questionarem, por exemplo, se evangélicos têm capacidade de atuar na defesa dos direitos humanos e civis, como se fosse possível negar a história de cristãos como William Wilberforce, Martin Luther King e Desmond Tutu.
São histórias humanas de luta, mas não de vingança, jamais de violência gratuita ou de ódio. Pela ética do Sermão da Montanha, são infelizes os justiceiros e os vingadores. Bem-aventurados são os pacificadores, os que enxergam que a violência é a doença, não a cura.
Entristece, mas não espanta, a existência dos que dizem seguir o Mestre que pregava a paz, o perdão, a misericórdia, a compaixão e a vida, mas se notabilizam por fomentar o ódio, a vingança, a intolerância e o medo. É um comportamento milenar, descrito pelo próprio Jesus na Bíblia.
No Evangelho de Mateus, Ele fala dos que seguem detalhes milimétricos, como o dízimo dos temperos, mas não obedecem aos mandamentos mais importantes, como o amor ao próximo e a justiça. Não os chama de seguidores, mas de hipócritas, oito vezes só no capítulo 23.
Segundo o teólogo anglicano John Stott, "a mente bíblica não é a que cita versículos, mas a que raciocina dentro dos parâmetros das Escrituras". Recomendo fortemente a leitura a certos deputados da "bancada evangélica".
O circo armado do retrocesso faz um sucesso retumbante, mas não tem nada de bíblico muito menos de evangélico, é simplesmente o "business" do ódio.
CARLOS BEZERRA JR., 47, médico, é deputado estadual pelo PSDB-SP e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de São Paulo
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Brasil: 12º mais violento do planeta


Publicado por Luiz Flávio Gomes - 1 dia atrás
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Se a tolice não fosse também uma característica humana (faz 70 mil anos que oHomo Sapiens aprimorou sua linguagem, com a Revolução Cognitiva, para expressar coisas que não existem, nas quais os humanos acreditam), [1] jamais os demagogos populistas seriam capazes de nos “vender” o mito da segurança grátis.[2] A construção de sociedades razoavelmente civilizadas e seguras exige muito planejamento, políticas preventivas eficientes, excelente escolarização de todos, muitos custos e gastos bem orientados, certeza do castigo e um gigantesco pacto nacional (a segurança é assunto de cada um e de todos nós).
Três modelos de sucesso: 1º) países escandinavos (com 1 assassinato para cada 100 mil pessoas); 2º) EUA (4 para cada 100 mil); 3º) alguns países asiáticos (2 para cada 100 mil). O que esses países de sucesso em matéria de criminalidade nos ensina? Que não se faz omelete sem quebrar ovos. Na economia, o neoliberal Milton Friedman cunhou a famosa frase que diz:“There is no such thing as a free lunch” (não existe esse negócio de almoço grátis).
Em que consiste o mito da segurança grátis? É o que promete distribuir segurança e tranquilidade para todos com a mera edição de uma nova lei ou reforma penal, sem custos para ninguém. O legislador brasileiro de 1940 a 2015 já promoveu 156 reformas penais (das quais, 75% são leis mais duras) e a criminalidade nunca baixou (ao contrário, só aumenta: em 1980 tínhamos 11 assassinatos para cada 100 mil pessoas; fechamos 2013 com 28,2). O legislador não é o único, mas é o grande responsável pela “venda” do “mito da segurança grátis”, que acredita na força (repressiva e preventiva) da alteração legislativa como “solução” para os graves problemas da (in) segurança pública.
Essa política nefasta e infértil (os resultados estão aí para comprovar sua ineficácia) já teria sido extirpada do solo brasileiro se as massas rebeladas (objetivamente indignadas) não caíssem esporádica ou frequentemente na tolice de acreditar no mito da segurança grátis. O Brasil não tem conseguido sair do atoleiro do semi-desenvolvimento (continua na vergonhosa posição 69ª no ranking mundial do IDH – Índice de Desenvolvimento Humano). Um dos termômetros desse sub ou semi-desenvolvimento é a questão da insegurança pública, que é alimentada por uma trágica criminalidade galopante (mais violenta nos criminosos das classes populares e mais corrupta e fraudulenta nos criminosos das classes dominantes).
Existe muita coisa de particularmente errado na formação histórica da sociedade brasileira (permissiva, anômica, não cumpridora das leis etc.), mas nada se compara com as classes dominantes (lideranças extrativistas) que a governa. São sucessivos governos de mau uso do dinheiro público: perdulários, preservadores de privilégios, fisiologistas, patrimonialistas, corruptos etc.
Não é por acaso que o Brasil é o 12º país mais violento do planeta. Esse é o resultado encontrado no levantamento do Instituto Avante Brasil, dentre 185 países, com dados de 2011, 2012 ou 2013 (fontes: UNODC e Ministério da Saúde, Datasus). Entre os 10 mais violentos, 9 estão na América Latina e Caribe, com exceção da África do Sul. São eles: Honduras, na primeira posição por mais um ano (2013: 84,3 mortes para cada 100 mil habitantes), Venezuela (53,6), Belize (45,1), Jamaica (42,9), El Salvador (39,8), Guatemala (34,6), São Cristóvão e Nevis (33,4), África do Sul (31,9), Colômbia (31,8) e Trinidad e Tobago (30,2). Em comum, todos esses países registram alta taxa de desigualdade econômica e social, escandaloso índice de corrupção e baixa escolaridade. O Brasil (em 2013), atrás de Bahamas, registrou uma taxa de mortes de 28,2 por cada grupo de 100 mil habitantes. Em números absolutos, está na primeira posição isolada, com 56.804 homicídios (de acordo com o Datasus).
Os países considerados menos violentos estão em sua maioria na Europa e na Ásia. Liechtenstein e Andorra dividiram a primeira posição com nenhum homicídio nos anos disponíveis. Em seguida vêm Luxemburgo (0,2), Islândia (0,3), Cingapura (0,3), Japão (0,3), Brunei (0,5), Bahrein, Eslovênia (0,5) etc. (são 78 países com mais de 5 assassinatos para cada 100 mil pessoas; 106 com 5 ou menos). Todos esses países se encontram no grupo do IDH elevado ou muito elevado, têm baixo ou médio índice de corrupção, pouca desigualdade econômica e social e bons ou ótimos índices de escolaridade. Os países com até 5 assassinatos para cada 100 mil pessoas possuem essas características; eles comprovam que não existe o mito da segurança grátis. Nos comportamos de forma muito tola quando acreditamos nesse mito.
Veja mais informações sobre este artigo aqui: http://luizflaviogomes.com/brasil-12o-mais-violento-do-planeta/
Colaborou Flávia Mestriner Botelho, socióloga e pesquisadora do Instituto Avante Brasil